Custo da liberdade

Monitoramento de preso pode ser alternativa a prisão

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26 de abril de 2010, 6h29

Fugas de presos já foram contadas de diversas formas no cinema. Os relatos futuristas são os que mais excitam o público. No filme A Fortaleza, os detentos eram obrigados a engolir um pequeno dispositivo eletrônico que controlava até seus pensamentos. Mas, o que era mera ficção virou realidade. Em países desenvolvidos, o monitoramento eletrônico é praxe. Em outros, o sistema ainda é experimental. A proposta é que a tecnologia permite penas mais humanas, baratas e seguras.

Mas o tema ainda gera muitas polêmicas. Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a criação de penas alternativas mostra uma mudança de cultura, mas o monitoramento ainda não prevê o esvaziamento das cadeias e penitenciárias. É apenas um mecanismo de controle dos que foram beneficiados com o regime semiaberto de detenção, ou daqueles que são agraciados com indultos em datas comemorativas, como Natal, Páscoa e Dia da Mães. 

Nos Estados Unidos, por exemplo, o usuário de drogas, se pego, cumpre pena na prisão. Isso explica mais da metade dos 2,5 milhões de presidiários no país. Devido ao alto custo e à baixa efetividade na redução do consumo e do tráfico de drogas, as autoridades estudam medidas para substituir a pena restritiva de liberdade.

O recurso eletrônico já está em uso mas prisões norteamericanas. Quando foram presos em Miami, os bispos Estevam e Sonia Hernandes, fundadores da Igreja Renascer em Cristo, cumpriram parte da pena em sua casa, na Flórida. Eles foram monitorados com chips durante o período em que foram proibidos de deixar o país.

Ao explicar o procedimento em encontro no Ministério da Justiça, um especialista norteamericano afirmou que o sistema é interligado com órgãos de inteligência, de forma a oferecer total controle do cidadão. 

Por mais facilidade que ofereça ao Estado, o recurso está longe de ser unanimidade. “O Big Brother Penitenciário”, como é chamado pelo defensor público e corregedor-geral da Defensoria Pública de São Paulo Carlos Weis, tem aspectos práticos que não foram observados pelos propositores dos projetos de lei no Brasil. Segundo ele, apesar de ser anunciado como uma pulseira que parece um relógio, o aparelho não deixa de ser uma marca que diz de onde o cidadão vem. “Se levarmos em conta essa sede de Justiça, o preso pode ser até linchado na rua”, afirma.

Para Weis, a tecnologia seduziu administradores, que não pesaram as consequências. Ele lembra que muitos egressos do sistema penitenciário não têm sequer roupas para cobrir o dispositivo.

“Mesmo que a pessoa ocultasse o equipamento em suas roupas, em várias situações ficaria inevitavelmente exposta publicamente, como na hipótese de ingressar numa agência bancária e parar na porta detectora de metais, ou ao passar por exame de saúde para admissão no emprego. O constrangimento e a humilhação serão inevitáveis”, avisa.

Projeto equivocado
Especialistas brasileiros afirmam que, se aplicado por aqui, o mecanismo não poderia ser usado em larga escala, já que seria necessário que os monitorados fossem observados por técnicos. Por outro lado, o estímulo pode ser convincente. No Brasil, um preso pode custar até R$ 1,6 mil mensais para o Estado. Com o uso do dispositivo, sairia por apenas R$ 400. O custo não inclui o gasto com pessoal necessário no monitoramento.

Tramita no Senado um projeto de lei que pretende obrigar todos os presos do semiaberto e beneficiados com saída temporária a usar pulseiras e tornozeleiras eletrônicas. O Substitutivo da Câmara dos Deputados 175/2007, de autoria do senador Magno Malta, compila projetos com o mesmo tema.

De acordo com a defensora pública coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária, Carmem Silvia de Moraes Barros, o PL “não inova, é equivocado e feito para dar errado”. Carmem explica que o monitoramento deve ser pensado como uma alternativa à pena restritiva de liberdade, e não apenas para maior controle dos presos. “Não muda a superlotação dos presídios”, critica.

“Na Suécia, onde os presos são monitorados há bastante tempo, nunca houve monitoramento total”, lembra a defensora. Ela reconhece que os presos prefeririam usar o dispositivo a estar dentro da cadeia, mas diz que outros aspectos precisam de atenção. “Se acontecer um crime em local próximo de onde estiver o detido, certamente ele será considerado culpado, mas essa não pode ser a principal prova”, assevera.

Ela conta que já houve ocasiões em que os alarmes dispararam erroneamente, e que não foi fácil esconder o dispositivo. “É preciso que haja uma evolução da tecnologia empregada, para que não ofenda a dignidade humana."

Melhorar o sistema
Para a procuradora Claudia Maria de Freitas Chagas, conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público, embora o monitoramento vise auxiliar o sistema como um todo, não corrigirá todos os problemas. “No caso do semiaberto, pode ser útil”, diz.

Segundo ela, o ideal seria a criação de mais vagas de trabalho para presos, aumento da quantidade de agentes, e o desenvolvimento de projetos de reinserção social. "Não é o monitoramento que soluciona os problemas", diz. Ela afirma que o sistema não pode abrir mão do controle. “O Brasil tem o maior índice de reincidência do mundo.”

Segundo o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Airton Michels, o maior número de fugas acontece na saída temporária, e é justamente nesse momento que autoridades querem ter controle desses presos. “Vigiar é mais uma providência”, observa.

O custo também pode ser proibitivo, segundo a procuradora. “Pelo que vi, o projeto não é barato como dizem. O monitoramento é um projeto de poucos fornecedores e grandes interesses”, pondera.

Michels conta que, nos próximos dias, técnicos e juristas irão a Portugal para conhecer o sistema de monitoramento eletrônico utilizado lá. “O Depen está estudando qual a melhor forma de implantar no Brasil”, diz. Ele afirma que a procura por formas alternativas de controlar condenados é uma tendência mundial. “A sociedade não quer mais a prisão para todos os casos.” O diretor explica que, na América latina, Colômbia e Argentina já utilizam o sistema.

Para ele, a utilidade dos dispositivos vai além do controle de presos em regime beneficiado, sendo uma possível solução alternativa às prisões. “A pulseira poderia ser uma alternativa à prisão para crimes de menor gravidade e potencial ofensivo”, sugere.

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