Reforma processual

Adiamento das audiências trabalhistas em debate

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

26 de abril de 2010, 5h01

O Brasil é um país considerado até continental, diante da dimensão de seu vasto território, abrangendo culturas e realidades distintas. O que pode ser bom para uma região, é péssimo para outras.

Como um dos exemplos, citamos a questão das audiências unas em que na mesma audiência, por mais complexa que seja, todos os atos são concentrados, onde todas as provas são produzidas numa só audiência.

Em nosso entendimento, esse sistema é prejudicial ao trabalhador que, sem conhecer a defesa empresarial e seus documentos apensados, tem o ônus de se desvencilhar de seu ônus probatório, com evidente prejuízo do seu constitucional direito à ampla defesa.

Pelo contrário, o sistema é bom para o empregador, que já conhece todo o teor da demanda, previamente, pelo exame da inicial e documentos juntados e pode surpreender o trabalhador, com argumentos e fatos até desconhecidos do empregado, que sem conhecimento prévio desses fatos relativos ao contraditório, acaba tendo seu processo julgado improcedente, diante do regramento envelhecido e ultrapassado, previsto no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, que assim, dispõe: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”.

Com base nesse dispositivo, muitos juízes julgam improcedente o pedido do reclamante ao argumento de que a prova dos fatos denunciados na ação inicial é sua e não de quem detém as melhores condições para produzir a prova que é o empregador que possui todos os documentos e elementos da relação de trabalho estabelecida.

No Estado do Pará, diferentemente do que ocorrem em outras regiões do País, os jurisdicionados são contrários a esse entendimento que no geral beneficia o mau empregador que descumpre com suas obrigações legais laborais e que por uma razão de ônus da prova a encargo do trabalhador, acabam sendo premiados duplamente. A uma porque na vigência contratual deixou de pagar o que deve. A duas porque em juízo, bem assessorados e premiados por um regramento ultrapassado e envelhecido, acabam sendo isentados de pagar o direito fundamental, crédito laboral irrenunciável, por não ter o trabalhador conseguido se desincumbir do ônus probatório de tudo o que consta de seu pedido na ação inicial.

Diante dessa realidade, a Abrat – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – aprovou em Recife, no ano de 2007, por ocasião do XXX Conat – Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas, um rol de propostas de reforma processual trabalhista, calcado na prevalência dos princípios protetores ao obreiro decorrentes da relação sabidamente desigual entre o capital e o trabalho. A notícia está estampada na Capa da página web da Abrat.  

Tarso Genro, a época Ministro da Justiça, recebeu a comitiva da Abrat, acompanhada da Diretoria do Conselho Federal da OAB e acolhendo as razões justificadoras da proposta, nomeou uma Comissão de “Alto Nível”, pela Portaria 840, que foi integrada por diversas pessoas representativas das diversas entidades da área, dentre outras, a Abrat/Jutra/OAB/Anamatra/ANPT/alguns ministros do Tribunal Superior do Trabalho e representações de alguns Ministérios ligados à área, como se pode ver da notícia publicada no site do Ministério da Justiça.

A comissão se debruçou sobre os diversos temas, não só de direito processual, como também de direito material, tendo produzido diversas propostas legislativas, visando a proteção do Estado através de novas tutelas a regular relações laborais desajustadas. Muitas dessas propostas aprovadas pela Comissão constituída, já foram encaminhadas ao governo e ao poder legislativo federal, algumas já se transformaram em leis e outras ainda encontram-se em fase de apreciação e debate no Congresso Nacional.

O Secretário da Reforma do Poder Judiciário que Presidiu os trabalhos da Comissão nomeada pela Portaria 840 do JM, tem trazido ao conhecimento público o fruto desse trabalho, atendendo os fundamentos e princípios fundantes do Estado Brasileiro Democrático de inclusão social, participando de Congressos no Brasil e no Exterior, concedendo, inclusive, entrevistas, como, exemplo, a que acaba de ser divulgada pela Revista Consultor Jurídico.

Dentre as propostas aprovadas, relativamente a audiências trabalhistas, aprovou-se duas propostas ainda em curso no Congresso Nacional para apreciação e submissão a votação:

1) Audiência Una 
Faculdade de o empregado peticionar no caso que lhe entender conveniente, diante da complexidade do pedido e da produção de provas a seu encargo, a apresentação de defesa prévia do empregador a ser entregue em secretaria, para evitar surpresas ao empregado em audiência, para que possa melhor conhecer e avaliar o seu ônus probatório. Caso o reclamante não exerça seu direito facultativo de solicitar o oferecimento da defesa em cartório, a mesma continuará sendo apresentada em audiência, sem qualquer altera/cão/modificação do sistema já conhecido.

2) Inversão processual
Sendo sabidamente reconhecido ser o empregador quem melhor condições tem de se desincumbir do ônus probatório, aprovou-se na Comissão proposta de alteração do regramento do artigo 818 da CLT, invertendo-se o ônus da prova, passando a ser ônus do empregador trazer aos autos a prova de sua inocência, por documentos e ou testemunhas de que adimpliu no todo suas obrigações do contrato laboral em demanda judicial.

3) Adiamento de audiências
Outro fato tormentoso que está sendo discutido é o relativo aos atrasos das audiências. O regramento dos prazos de duração entre uma audiência e outra é da competência exclusiva do próprio Poder Judiciário, sendo que existe em vigor um regramento que foi estabelecido, fruto de reivindicações dos advogados e jurisdicionados, que é o artigo 46 da da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho – CPJT, que assim, dispõe:

“Adotada audiência uma nos processos de rito ordinário, cabe ao juiz:
I – elaborar a pauta com intervalo de 15 minutos entre uma audiência e outra, de modo que não haja retardamento superior a uma hora para a realização da audiência;
II – adiar ou cindir a audiência se houver retardamento superior a uma hora para a realização da audiência”.

Visões diferenciadas

A questão do exame de propostas de alteração do regramento vigente e estabelecido pelo artigo 46 da CPJT, está em pauta já agendada para o dia 27 de abril, próxima terça-feira, em Brasília, como se pode ver da notícia publicada no site do Tribunal Superior do Trabalho (), quando o Colégio de Corregedores da Justiça do Trabalho se reunirá para deliberar sobre diversos assuntos, dentre eles uma proposta para alteração do artigo 46 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho.Sílvia Mourão, advogada no Pará e diretora da Abrat tem um posicionamento seu, diferenciado de outros advogados do País, incluindo divergência com a própria ATEP-PA, Associação dos Advogados Trabalhistas do Pará, que entende salutar o regramento do artigo 46 da atual CPJT, ao entendimento: “Acho que a transferência das audiências atende mais os interesses das empresas e dos advogados empresariais. Para os advogados de empresas, tanto faz a transferência da audiência, pois eles recebem honorários do mesmo jeito; talvez até recebam mais, por audiências em adição. Os trabalhadores não podem esperar. Não têm dinheiro para ficar se deslocando para a Justiça do Trabalho e correm o risco de perder testemunhas, inclusive. Os advogados dos trabalhadores, que recebem ao final, ficam prejudicados. Acho que a pauta deve ser elaborada de forma que possa ser cumprida, sem grandes atrasos”.

O juiz do Trabalho, Alcir Kenupp Cunha, do Mato Grosso do Sul, trouxe sua contribuição, do seu ponto de vista, representando a magistratura trabalhista, tomando conhecimento dos debates na rede virtual dos advogados trabalhistas, dando seu ponto de vista sobre essa questão dos atrasos conhecidos de audiências trabalhistas: “Certamente, a duração das audiências é imprevisível. Tanto algo simples pode se complicar, como algo complicado pode acabar num acordo rápido. Entretanto, a prática permite criar critérios objetivos de avaliação da complexidade das questões debatidas nos autos, a fim de fazer uma estimativa de duração de uma audiência. Exemplos: Um processo em que se debate o vínculo de emprego x representação comercial pode exigir oitiva de muitas testemunhas para se firmar a convicção; Os casos de acidente de trabalho e doenças decorrentes do trabalho normalmente exigem várias testemunhas; Questões relativas à justa causa na dispensa, ou a rescisão indireta, etc. O que tem sido feito em algumas varas, na prática, é que ao receber a defesa, o magistrado verifica a complexidade da causa e marca a audiência de instrução com duração maior, ou até, marca somente um processo na pauta do dia. Porém, isso é uma questão de conscientização. Alguns colegas se preocupam com isso, outros não, e apenas preenchem o formulário de pauta com os horários engessados. Além disso, um exame superficial nem sempre permite um diagnóstico perfeito. Objetivamente, tenho duas propostas:
1ª – estabelecer uma tabela de graus de dificuldade de acordo com as matérias. Por exemplo: Ações de acidente de trabalho, vínculo de emprego, duração da audiência: 1h30; Ações sobre horas extras, equiparação salarial: 40 minutos; cumulação desses pedidos: + 50% do tempo. Esse método não seria infalível, mas traria alguma organização;
2ª – Outra opção seria marcar inicialmente apenas a data da audiência de instrução e se esta ocorrerá de manhã ou à tarde, sem horário determinado. Após a impugnação, os autos seriam encaminhados ao magistrado escalado para a instrução. Este, após estudo, definiria a duração necessária para a cada audiência, estabelecendo o horário de início com uma semana de antecedência, cabendo às partes confirmar o horário designado. Essa proposta parte do princípio de que o magistrado estuda os processos antes da instrução, que é o meu caso.Alcir Kenupp Cunha – Juiz do Trabalho 24ª Região”.

A Abrat, chamada a se manifestar, levou o assunto à discussão na reunião da entidade realizada em Florianópolis, dia 16 de abril de 2010, tendo sido aprovado o envio de Ofício ao  e de teor seguinte:

EXCELENTÍSSIMO MINISTRO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO, CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA.

Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – Abrat, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas sob o número 05.353.575/0001-01, com sede SAUS Quadra 5 Bloco N Lote 2 1º andar Centro Cultural Evandro Lins e Silva – Brasília –DF, neste ato representada neste ato por seu Presidente, vem à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, expor e requerer o seguinte:

Por meio do site desse colendo Tribunal Superior do Trabalho, a Abrat tomou conhecimento de que no dia 27 de abril de 2010 o Colégio de Corregedores da Justiça do Trabalho se reunirá para deliberar sobre diversos assuntos, dentre eles uma proposta para alteração do artigo 46 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho – CPJT.

O artigo 46 do CPJT foi elaborado com o objetivo de evitar os atrasos das audiências, muito comuns em algumas regiões do País. Assim dispõe a norma: Art. 46. Adotada audiência uma nos processos de rito ordinário, cabe ao juiz: I – elaborar a pauta com intervalo de 15 minutos entre uma audiência e outra, de modo que não haja retardamento superior a uma hora para a realização da audiência;II – adiar ou cindir a audiência se houver retardamento superior a uma hora para a realização da audiência.

Foi formulada proposta para alteração do inciso II, de forma que a audiência só seja transferida (adiada) quando, além do atraso igual ou superior a uma hora (já previsto) haja acordo entre as partes e advogados para tanto.

A ABRAT, com a devida vênia, entende que o dispositivo não deve ser alterado, pelo menos da forma como proposta.

É que condicionar a transferência da audiência, já atrasada em uma hora ou mais, ao acordo entre advogados e partes é medida inócua para solucionar o problema do atraso.

Com efeito, é responsabilidade do Poder Judiciário a organização de sua pauta e cumpri-la de forma rigorosa, evitando fazer com que as partes e advogados fiquem aguardando por tempo indeterminado o início de suas audiências.

O pleito para solução do problema é bem antigo e, de certa forma, o disposto no inciso II do artigo 46 da CPJT atende o interesse dos advogados trabalhistas e do próprio Judiciário, estimulando os Tribunais Regionais e Juízes do Trabalho a dedicar maior atenção ao problema, evitando a insatisfação do jurisdicionado e dos profissionais que o defendem diariamente nas inúmeras varas do trabalho espalhadas pelo País.

Condicionar a transferência da audiência, já atrasada em 1 hora, ao acordo entre partes e advogados em nosso entender não atende sequer ao interesse dos jurisdicionados, nem mesmo aos advogados das partes, diante dos interesses em conflito, de partes sabidamente desiguais.

É muito comum que o trabalhador não esteja preparado para a instrução, em razão do fator surpresa representado pela apresentação da contestação em audiência. Diante disso, e estando atrasada a audiência, o empregador e seu advogado serão contrários à transferência, tendo em vista a sua rotineira posição de superioridade.

Para o empregador (notadamente o individual ou de pequeno porte), a perda de um dia de trabalho também pode representar um sério prejuízo.

Trabalhador e empregador, contudo, freqüentam as Varas do Trabalho apenas de forma esporádica, diferente de seus advogados, que diariamente estão na Justiça do Trabalho e sofrem com os constantes atrasos, dificultando o exercício de sua profissão. O advogado tem prazos a cumprir e clientes a atender, sendo necessário o seu constante deslocamento entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, bem como da administração pública, em busca de informações verbais ou documentos que o auxiliem na realização de seu trabalho. O atraso igual ou superior a 1 hora é óbice significativo ao cumprimento de suas responsabilidades.

No contexto de disputa judicial, lutando pelos interesses e de seus clientes, dificilmente haverá acordo entre partes e advogados para transferência da audiência.

A Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT entende que a transferência deve ocorrer sempre que ocorrer atraso igual ou superior a 1 hora para o início da audiência, da forma como previsto no inciso II do artigo 46 da CPTJ. Trata-se de previsão sensata, que atende os anseios da advocacia trabalhista, que sofre com os atrasos, e do próprio Judiciário, interessado também na prestação jurisdicional célere e com respeito ao jurisdicionado e ao profissional que o acompanha.

A ABRAT admite o acordo, mas para que partes e advogados continuem aguardando ou para que, mesmo sem qualquer atraso, a audiência seja transferida.

Sem acordo, a audiência com o início atrasado em uma hora ou mais deverá ser transferida, sob pena de se estimular a cultura do atraso das audiências.

Assim, ante o exposto, a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas requer V. Exa., que submeta ao Colégio de Corregedores a sua proposta para alteração do inciso II do artigo 46 da CPJT, que passaria ter a seguinte redação:

Art. 46. Adotada audiência uma nos processos de rito ordinário, cabe ao juiz: II – adiar ou cindir a audiência se houver retardamento superior a uma hora para a realização da audiência, salvo acordo entre as partes.

Autores

  • é presidente da ABRAT, presidente da ALAL, representante brasileiro no Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA, assessor jurídico da AEPETRO e da ATIVA, membro integrante do corpo técnico do Diap e Secretário Geral da CNDS do Conselho Federal da OAB.

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