Benefício de grego

Microempresa não precisa antecipar ICMS

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24 de abril de 2010, 9h32

Nas operações interestaduais, microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não precisam recolher diferencial de alíquota de ICMS. Segundo a Justiça, a obrigação, imposta pelo governo paraense no ano passado, anularia o estímulo fiscal garantido pela Lei Complementar 123/2006, que regula o regime unificado de pagamento de tributos federais e estaduais. O entendimento levou o Tribunal de Justiça do Pará a suspender a cobrança, em relação a uma empresa optante pelo Simples, da antecipação do imposto na entrada de mercadorias para revenda no estado.

A decisão repete o que a Justiça de primeiro grau já havia dito no ano passado em relação a 14 associações que representam pequenos empresários no Pará. Em dezembro, as Câmaras Cíveis Reunidas do TJ-PA beneficiaram pelo menos sete mil empresas com acórdão que as desobrigou de recolher o diferencial nas barreiras fiscais de entrada de mercadorias.

O caso foi levado em fevereiro ao Superior Tribunal de Justiça, e em seguida ao Supremo Tribunal Federal, em um pedido de Suspensão de Segurança feito pela Procuradoria-Geral do Estado, que alegou risco de lesão à ordem e à economia públicas. Para o ministro Gilmar Mendes, no entanto, havia risco de “lesão à economia pública não na manutenção da decisão impugnada, mas na suspensão de seus efeitos, haja vista que o referido aumento abrupto na carga tributária não parece, a priori, compatível com as finalidades do Simples Nacional, com consequências gravosas ao funcionamento das micro e pequenas empresas”. Em março, o ministro rejeitou o pedido de suspensão do acórdão do TJ-PA.

Castelo de cartas
A antecipação do ICMS é prática comum dos estados, e já foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2007. A cobrança do diferencial de alíquotas na entrada de mercadorias vindas de estados com ICMS mais alto também é regular, por estar prevista no artigo 155 da Constituição Federal, nos incisos VII e VIII. O intuito é dividir o imposto entre os estados, já que fica concentrado nas regiões Sudeste e Sul, onde a tributação é maior.

No entanto, a CF só permite a cobrança do diferencial sobre a entrada de bens para uso e consumo ou para incorporação ao ativo permanente das empresas, já que a Constituição é específica quanto à aplicação a bens e serviços destinados ao consumidor final, cuja tributação, na prática, já terminou no estado de origem.

O mecanismo criado no Pará colocou no mesmo balaio a antecipação e o diferencial de alíquotas, mas não restringiu o imposto cobrado na barreira a mercadorias destinadas ao consumidor final. Ou seja, ainda que destinadas à revenda, que gera recolhimento no estado, as mercadorias sofrem também tributação sobre o diferencial. A diferença do imposto causada pela variação das alíquotas deve ser recolhida até dois meses depois do registro da entrada no estado — sendo a mercadoria revendida ou não.

Para uma empresa sob regime periódico de apuração, o recolhimento a maior gera crédito de ICMS, que pode ser recuperado na outra ponta. O mesmo não acontece com optantes pelo Simples Nacional, proibidos de se creditarem de tributos não cumulativos. No ano passado, as micro e pequenas empresas foram incluídas na lista de obrigadas a recolher o diferencial antecipadamente, com a publicação do Decreto 1.717 pelo governo estadual.

A norma aproveitou uma brecha aberta pela Lei Complementar 128, de 2008, para alterar o Regulamento do ICMS. A lei federal incluiu o parágrafo 5º no artigo 13 da Lei Complementar 123/2006, que regula o Simples. “A diferença entre a alíquota interna e interestadual (…) será calculada tomando-se por base as alíquotas aplicáveis às pessoas jurídicas não optantes pelo Simples Nacional”, diz o novo dispositivo, que deu ao Comitê Gestor do Simples a “possibilidade” de disciplinar as condições do regime de antecipação.

Em março, a Confederação Nacional dos Dirigentes de Lojistas ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.384 contra a cobrança do diferencial de alíquota das empresas do Simples. A tese defendida pelos representantes dos lojistas é a de que, de acordo com a Constituição, o estado destinatário só poderá tributar parcialmente a operação interestadual se o comprador do produto vendido em outro estado for pessoa jurídica igualmente contribuinte de ICMS e comprar os produtos na qualidade de consumidor final. Do contrário, só se poderia tributar na revenda. A ação está sob a relatoria do ministro Eros Grau e ainda não foi julgada.

Com a mudança legal, o Executivo paraense resolveu ampliar sua base de arrecadação. “Quando o destinatário da mercadoria for contribuinte optante pelo (…) Simples Nacional, o imposto a ser antecipado será calculado mediante a aplicação da diferença entre a alíquota interna e a interestadual, aplicáveis às pessoas jurídicas não optantes pelo sistema, sobre o valor da operação constante do documento fiscal”, prevê o artigo 2º do Decreto 1.717/2009.

O problema é que os pequenos empreendimentos que recolhem tributos pelo Simples não podem se creditar nas entradas, o que, no caso de um imposto não cumulativo como o ICMS, faz a balança pender desproporcionalmente para o lado do fisco. É ainda pior quando um decreto, e não uma lei, institui o regime mais dispendioso.

Mutilação de princípios
A inconstitucionalidade é flagrante, segundo acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça paraense. No dia 13 de abril, a instância de segundo grau concedeu liminar ao analisar recurso de uma empresa de cosméticos, enquadrada no Simples como “empresa de pequeno porte”.

“Não se pode admitir que a Administração Pública — a quem o princípio da legalidade se impõe com muito mais rigor, já que o Administrador só pode fazer aquilo que estiver estritamente previsto na lei — seja a primeira a violá-lo, instituindo ou majorando exações tributárias por outros meios que não a lei, criando com isso situações de flagrante ilegalidade”, diz a juíza Gleide Pereira de Moura, convocada no colegiado e relatora do Mandado de Segurança da Minas Cosméticos Ltda.

A decisão ainda impede que o fisco estadual apreenda mercadorias da empresa, cobre multas ou autue, inscreva em dívida ativa ou dificulte a emissão de certidões negativas de débitos em virtude do não recolhimento da antecipação.

De acordo com o advogado da empresa, Leonardo Menescal, do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados, o regime instituído pelo fisco paraense gera bitributação do imposto mercantil. “No Simples, o ICMS está embutido no pagamento unificado. A ideia era diminuir carga tributária”, diz. Ele afirma que já entrou com um novo Mandado de Segurança em nome de outras 14 associações para suspender as cobranças.

A instituição do regime por meio de decreto, e a impossibilidade de as pequenas empresas se creditarem do imposto, segundo o tributarista, violam os princípios da legalidade e da não cumulatividade. O prazo de vigência foi outro problema. “A cobrança começou 60 dias depois da publicação da norma, o que fere também o princípio da anterioridade”, explica Menescal. Além disso, segundo ele, como o Decreto 1.812/2009, que alterou disposições da tributação sobre os pequenos empresários, foi editado em julho, mas para produzir efeitos a partir de junho, afrontou também o princípio da irretroatividade dos tributos.

Suspensão de Segurança 4.134 (STF)
Mandado de Segurança 2010.3.004645-8 (TJ-PA)

Leia a liminar.

PA2) DJPA – Justiça Estadual/PA – Edição nº 4548 de 16/04/2010
DIÁRIO DA JUSTIÇA – Edição nº 4548/2010 – 16 de Abril de 2010
SECRETARIA DAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS
RESENHA – 15/04/2010 Secretaria: SECRETARIA CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS

PROCESSO: 2010.3.004645-8 Ação: Mandado de Segurança Em 13/4/2010 – Relator(a): GLEIDE PEREIRA DE MOURA. Impetrante: Minas Cosmeticos Ltda. (Advogado: Afonso Marcius Vaz Lobato e Advogado: Edson Benassuly Arruda E Outros) Impetrado: Secretario Executivo De Estado Da Fazenda Do Estado Do Para DRA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA – JUÍZA CONVOCADA SECRETARIA DAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2010.3.004645-8

IMPETRANTE : MINAS COSMÉTICOS LTDA.
ADVOGADO : AFONSO MARCIUS VAZ LOBATO
ADVOGADO : EDSON BENASSULY ARRUDA E OUTROS
IMPETRADO : SECRETÁRIO DE FAZENDA DO ESTADO DO PARÁ
RELATORA : DRA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA – JUÍZA CONVOCADA

Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por MINAS COSMÉTICOS LTDA, com fundamento no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, contra ato atribuído ao Secretário de Fazenda do Estado do Pará, que, por meio do Decretos de nº 1.717/09, e 1.812/2009, estendeu a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS sobre mercadorias adquiridas em operações interestaduais para fins de comercialização, para as empresas optantes do SIMPLES NACIONAL, consistente no valor correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual incidente nas operações de entrada de mercadorias provenientes de outros Estados, não enquadradas no regime de substituição tributária.

Alegam a impetrante que é uma empresa de pequeno porte optante do regime do SIMPLES NACIONAL – implemetando através da Lei Complementar nº 123/06, que, visando a simplificação do tratamento tributário, prevê aos optantes do regime o recolhimento mensal de diversos impostos e contribuições – dentre eles o ICMS, através de um documento único de arrecadação.

A despeito da adoção de tal sistemática, a utilizando-se de uma brecha introduzida pela Lei Complementar 128/08, o Estado do Pará, através dos decretos Estaduais nºs 1.717/2009 e 1.812/2009, estendeu a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS sobre mercadorias adquiridas em operações interestaduais para fins de comercialização para as empresas optantes do SIMPLES NACIONAL.

Destacam que tal ato normativo se afigura absolutamente ilegal, pois desvirtua completamente o Simples Nacional, impõe bi-tributação, onera demasiadamente o pequeno empresário, impõe majoração de alíquota por via oblíqua (Decreto), viola os princípios constitucionais da anterioridade, noventena, legalidade, não cumulatividade, estabelece diferenciação tributária em razão da procedência do produto, além de causar enormes prejuízos ao negócio do impetrante.

Requer, por fim, a concessão de medida liminar, nos termos do art. 151, IV, do CTN, para que seja suspensa a exigibilidade da antecipação do crédito tributário indevidamente cobrado, demonstrando para tanto a existência do fumus boni iuris, presente na ilegalidade apontada pelo impetrante, e do periculum in mora, configurado no imensurável prejuízo decorrente da antecipação a que foi obrigado.

É o relatório.

Considerando o caráter preambular e precário do pedido de medida liminar formulado pela impetrante, trata-se neste momento tão somente de verificar a presença dos requisitos exigidos no art. 7º, III, da Lei 12.016/2009.

De acordo com o regramento legal referido, o deferimento de liminar em Mandado de Segurança impõe a demonstração de risco objetivo de ineficácia da ordem, em hipótese de ser concedida no julgamento de mérito do pedido, além da relevância no fundamento, que corresponde à plausibilidade jurídica, a razoabilidade e pertinência das razões jurídicas que alega, o fundamento do pedido.

No caso dos autos, a impetrante, sentindo-se prejudicado em seu direito líquido e certo de ter suas mercadorias taxadas uma única vez, por um tributo legalmente imposto, valendo-se deste remédio constitucional, requerem que lhe seja concedida liminarmente a segurança, para que não se veja obrigada a recolher antecipadamente – ainda mais por meio de ato hierarquicamente inferior à lei – o valor do ICMS incidente nas operações que realiza a cujo recolhimento já está obrigada por força da LC nº 123/06, que instituiu o regime do SIMPLES NACIONAL para as microempresas e empresas de pequeno porte.

Alega a impetrante, como fundamento relevante para a concessão da liminar requerida, a inconstitucionalidade do ato coator, por desrespeito a inúmeros princípios constitucionais tributários, assim como a sua ilegalidade, por disciplinar matéria sujeita ao princípio da reserva legal, – já disciplinada pela LC nº 123/06. Não resta dúvida de que os argumentos da impetrante, aliados à prova pré-constituída, são mais do que relevantes para o deferimento do pedido liminar, pois não se pode admitir que a Administração Pública,- a quem o princípio da legalidade se impõe com muito mais rigor, já que o Administrador só pode fazer aquilo que estiver estritamente previsto na lei,- seja a primeira a violá-lo, instituindo ou majorando exações tributárias por outros meios que não a lei, criando com isso situações de flagrante ilegalidade.

Neste sentido, preleciona o ilustre tributarista Hugo de Brito Machado: "Não é fácil definir um fundamento relevante. A Constituição e as leis constituem fundamentos relevantes, sem dúvida. E quando a inconstitucionalidade, ou ilegalidade, é flagrante, quando não há dúvida quanto à interpretação da norma jurídica invocada na impetração, fundamento mais relevante não pode haver. A questão de saber se os fundamentos do pedido são relevantes torna-se difícil quando o ato impugnado não é flagrantemente contrário à norma invocada. Neste caso, tem-se de buscar apoio na jurisprudência e na doutrina." Com relação ao periculum in mora ou risco de ineficácia da medida alegado pela impetrante, que tem íntima relação com o prejuízo decorrente do ato coator, vê-se, de imediato, não apenas pelo teor das alegações e pelos fundamentos utilizados, mas, também e principalmente, pelo exame dos boletos pagos pelo impetrante a título de SIMPLES NACIONAL e ICMS, que o valor recolhido não reflete quantia inexpressiva, mas, ao contrário, perfaz montante considerável diante de todos os encargos que uma microempresa ou empresa de pequeno porte tem que suportar.

Apenas esse fato já é suficiente para comprovar o prejuízo irreparável sofrido pela impetrante.

Ante o exposto, CONCEDO a liminar requerida, para suspender a cobrança antecipada do ICMS, referente à diferença entre a alíquota interna e interestadual incidente nas operações de entrada de mercadorias provenientes de outros Estados, não enquadradas no regime de substituição tributária, veiculada mediante o Decreto nº 1.717/09, assim como para determinar a abstenção dos impetrados quanto à apreensão de mercadorias da impetrante, restrições na emissão de certidões negativas e positivas com efeitos negativos em desfavor da impetrante, aplicação de multas ou autuações fiscais contra a impetrante, inscrição em dívida ativa e aplicação de qualquer outra restrição à impetrante, em virtude do não recolhimento antecipado do diferencial de alíquota do ICMS imposto pelo Decreto nº 1.717/09.

Notifique-se a autoridade apontada como coatora, com cópias desta decisão, da inicial e dos documentos que a instruem, para cumprimento da liminar e para apresentação de informações no prazo legal, nos termos do art. 7º, I, da Lei nº 12.016/09.
Dê-se ciência ao Estado do Pará, enviando-lhe cópia da inicial, para que, querendo, integre a lide, na condição de litisconsorte passivo necessário.
Após, proceda-se à remessa ao Órgão Ministerial, para manifestação.
Publique-se.

Belém, 13 de abril de 2010.

DRA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA – JUÍZA CONVOCADA
Relatora

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