Festa paulista

Discreto e comedido, Peluso toma posse no Supremo

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23 de abril de 2010, 19h32

Nelson Jr./SCO/STF
Sessão solene de posse dos ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto nos cargos de presidente e vice-presidente do STF. 23/04/2010 - Nelson Jr./SCO/STF

O ministro Cezar Peluso tornou-se, nesta sexta-feira (23/4), presidente do Supremo Tribunal Federal. O sétimo magistrado paulista a assumir a cadeira desde a proclamação da República. Ele vai presidir a corte e o Conselho Nacional de Justiça no biênio 2010/2012, sucedendo ao ministro Gilmar Mendes, mas em estilo bem diferente. Típico integrante do Judiciário paulista, é fechado, discreto e evita entrar em polêmicas. É encarado como um julgador mais técnico do que político e tem como premissa falar através dos autos. Mas manterá as suas opiniões institucionais claras e fortes.

A posse do ministro Peluso, no Plenário do STF, contou com a presença de cerca de 900 pessoas, entre elas autoridades como o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e dos presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara dos Deputados, Michel Temer, além de grandes nomes da advocacia.

No biênio que se encerra, Cezar Peluso presidiu a 2ª Turma e ocupou a vice-presidência do STF. Assume o comando da cúpula do Poder Judiciário brasileiro aos 67 anos. Sete deles dedicados à Suprema Corte. Sua posse acabou se tornando uma festa paulista. Assim como o colega Ricardo Lewandowski, que assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral nesta quinta-feira (22/4), Peluso iniciou sua carreira em São Paulo.

Os dois novos presidentes fazem parte da história do Judiciário paulista. Lewandowski tem origem na advocacia, foi indicado para o Tribunal de Justiça paulista pela OAB, num tempo em que o presidente – à época, José Roberto Batochio – fazia as indicações em caráter pessoal. Foi vice-presidente da Apamagis, cuja ascensão exige uma campanha de convencimento das bases, que o levou a percorrer e conhecer todos os recantos da Justiça paulista. Depois, foi vice-presidente da AMB, sempre representando São Paulo.

E para suceder a Gilmar Mendes no Supremo, que embora seja matogrossense, tem fortes ligações com São Paulo, entra um paulista da gema, Cezar Peluso, que tem 42 anos de magistratura, a maior parte deles a serviço da Justiça de São Paulo. A sua posse foi prestigiada por outros dois paulistas ilustres, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB), e o ex-governador e candidato à presidência, José Serra (PSDB), que fez questão de comparecer, como também fez na posse de Lewandowski. O presidente Lula, responsável pela indicação de Peluso para o Supremo, nasceu em Pernambuco, mas também se criou em São Paulo.

São Paulo esteve também na festa de Peluso através da presença de mais de 200 magistrados paulistas de primeira e segunda instâncias, entre eles o presidente do TJ-SP, desembargador Viana Santos. Outra parte da comitiva paulista era integrada por 60 familiares, amigos, colegas e admiradores do novo presidente. A um deles, o advogado Pedro Gordilho, amigo de longos anos, Peluso brindou com o privilégio de usar a palavra na solenidade de posse. Causou certo mal estar, na OAB, mas Gordilho mereceu longos e calorosos aplausos.

Discurso de posse
Cezar Peluso iniciou falando sobre a dificuldade de traduzir em palavras a intensidade desse momento em sua vida. Lembrou de todo o seu trabalho para atingir o topo da magistratura brasileira: “foram mais de 15 mil dias até esta cerimônia”, contabilizou. Agradeceu o presidente Lula, sentado ao seu lado, pela indicação e ao advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, pelo apoio vigoroso, elogiou a presidência de Gilmar Mendes e fez uma pequena homenagem a Menezes Direito.

O novo presidente falou da imperfeição humana, inclusive a dos juízes, e da necessidade do Judiciário olhar para si mesmo, admitir e corrigir os erros, para seguir em frente. É preciso, disse, repensar e reconstruir o Judiciário. Mas sublinhou que "o juiz não representa sentimentos impulsivos ou transitórios". E acrescentou: "a sociedade não pode pedir soluções peregrinas, que atendam a todas as expectativas". Ele se referia a questões polêmicas e de grande repercussão como o aborto, a união de homossexuais, o uso de células-tronco.

Apesar das recorrentes críticas sofridas, através de uma pesquisa, constatou a confiança do brasileiro que já recorreu à Justiça nos seus juízes. Mais de 40% dos que recorrem ao Judiciário se dizem satisfeitos, enquanto 23%, não.

No ano da Justiça Criminal, como definiu o CNJ, Peluso chamou atenção para a necessidade de se intensificar a cooperação internacional, com o crescimento da relevância do país no cenário mundial. "O grau de cooperação entre estados está muito aquém da cooperação para a criminalidade", reclamou e disse que a ONU tem a oportunidade de dar um passo e dar mais substância aos seus esforços criando uma universidade no Brasil, um centro de pesquisas voltado ao estudo da segurança pública.

Salto de gestão
O ministro Gilmar Mendes fez questão de apenas cumprir o protocolo na cerimônia de posse. Dispensou o discurso e empossou o novo presidente de imediato. Mas, foi bastante elogiado nos discursos que se sucederam. Mendes deixa a presidência do STF com excelentes índices estatísticos. Pela primeira vez, em 10 anos, a corte baixou a quantidade de processos em tramitação para menos de 100 mil, registrando uma redução de 62% em relação a 2007. A distribuição de Recursos Extraordinários para serem analisados e julgados foi de 49.708 em 2007 e de apenas 8.348 em 2009, um queda de 83% nos últimos dois anos. O decréscimo de REs se deve ao instituto da repercussão geral. Desde 2007, o STF aprovou 31 Súmulas Vinculantes, sendo 28 na gestão do ministro Gilmar Mendes.

Ao abrir a sua última sessão como presidente do STF, Gilmar Mendes deu posse a Cezar Peluso, que prestou o compromisso e assinou o termo de posse. Como protocolo, todas as autoridades assistiram ao ato, de pé. Já na condição de presidente do Supremo, Peluso deu posse ao vice-presidente, ministro Carlos Ayres Britto, repetindo os mesmos atos cerimoniais. Os novos empossados receberam as saudações do decano da corte, ministro Celso de Mello, que discursou representando todos os componentes do Tribunal.

Celso de Mello traçou um perfil histórico do Supremo Tribunal Federal e falou sobre o protagonismo do STF no equilíbrio da democracia, como instituição indispensável para a nação defender seus direitos e conservar sua liberdade. “Esta Corte Suprema tem permanecido vigilante na proteção aos direitos e garantias fundamentais de qualquer cidadão, sendo relevante enfatizar que o Supremo Tribunal Federal, na linha de suas melhores tradições, tem sido fiel não só às premissas e aos princípios que informam a ordem jurídica fundada no Estado Democrático de Direito, mas, igualmente, aos objetivos fundamentais da República”, disse.

O decano da corte elogiou a gestão de Gilmar Mendes, que, segundo ele, “executou importantíssimo trabalho com positivas conseqüências no processo de administração da justiça” brasileira. Celso de Mello destacou que Gilmar Mendes alcançou a modernização do Judiciário, o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e a preservação da independência judicial.

“A atuação independente e vigorosa do presidente Gilmar Mendes, em momentos nos quais periclitou o regime das liberdades fundamentais, por efeito do comportamento expansivo de setores do Estado, que se pretendiam imunes ao controle de uma jurisdição superior, significou, em termos de preservação de direitos e garantias individuais dos cidadãos deste País, um gesto de neutralização de surtos autoritários registrados no interior do próprio aparelho de Estado”, disse Celso de Mello.

Big brother
O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, também falou sobre o papel do Judiciário para a preservação do Estado Democrático de Direito. Entretanto, criticou o que chamou de “voluntarismo judicial que atenta contra os direitos fundamentais básicos e, por tabela, contra as prerrogativas dos advogados” que, segundo ele, “não são privilégios, mas direitos definidos em lei”. Ophir citou como exemplo “as escutas telefônicas ilegais e as vozes que defendem a instalação de um big brother no país, com todos vigiando todos”.

Dirigindo-se ao ministro Gilmar Mendes, Ophir Cavalcante disse que o ex-presidente do STF “neutralizou boa parte do furor populista de uma polícia pirotécnica e de uma Justiça injusta e falha”. Para o presidente da OAB, Mendes promoveu um debate nacional que reduziu o distanciamento entre o julgador e o julgado. Os debates “em torno das liberdades individuais contra o Estado Policial e sobre a desumanidade que é o sistema carcerário e a necessidade de políticas de efetiva reinserção social, tudo sob uma ótica humanista, são exemplos dessa transformação”.

Ophir Cavalcante disse que Cezar Peluso assume a presidência do STF “em meio a uma revolução ruidosa que vem se processando no meio do Judiciário”. Destacou o “espírito de independência” de Peluso, que “se ajusta plenamente aos desafios da nova realidade nacional. Desafios de um Brasil que irá exigir do Judiciário uma atenção especial para as demandas em praticamente todos os campos da vida política e institucional”.
 

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