Causa própria

Advogada estreia na tribuna pra se defender

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22 de abril de 2010, 13h45

Denunciada pela prática de lavagem, de dinheiro ilícito que teria sido obtido pelo seu ex-namorado, o ex-procurador da Fazenda Nacional Glênio Guedes, a advogada Cibele Gomes Giacoia, que embora formada jamais advogou, pois sempre lidou com a venda, locação e administração de imóveis, resolveu estrear na tribuna de defesa em causa própria.

Na terça-feira, debaixo da beca de advogada, foi ao plenário da 2º Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) onde, com argumentos mais emocionais do que técnicos, estreou na função e tentou convencer os três desembargadores a trancarem a Ação Penal  ajuizada na 3ª Vara Federal Criminal do Rio, em que foi denunciada. Pediu também a liberação de suas contas bloqueadas no recebimento da denúncia.

Cibele deixou de lado todo o juridiquês para usar argumentos do tipo “Eu não sei se vocês sabem o que é não ter um real para pagar um pão, para pagar uma passagem, pagar a minha empregada, coisas do dia a dia”. Ao referir-se ao comentário do procurador que assinou a denúncia de que ela mantinha relação estável com Guedes, Cibele contestou de forma aparentemente simples: “A minha “união estável” com o Dr. Glênio, na verdade sempre foi instável. Ela terminou em 2002/2001 e os fatos da ação ocorreram entre 2005 e 2006 e nunca ninguém me perguntou isto”.

Guedes foi denunciado por trafico de influência e lavagem de dinheiro por receber vantagens financeiras ilícitas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza – o mesmo que no Supremo Tribunal Federal responde ao processo do Mensalão do PT. No esquema denunciado pelo procurador da República Antônio do Passo Cabral, Guedes, como procurador junto ao Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), também conhecido como "Conselhinho" do Ministério da Fazenda, usava de sua influência para direcionar julgamentos de diretores de bancos ligados ao publicitário, como foi o caso dos Bancos Rural e BMG.

A denúncia acusa Cibele de fazer parte do esquema e ajudar a lavar o dinheiro através do mercado imobiliário, onde ela reconhecidamente atua. Segundo levantamento, ela recebeu ao longo dos anos R$ 1,074 milhão em sua conta. Segundo a denúncia, seu patrimônio cresceu muito enquanto namorava o ex-procurador. Ela garante, porém, que o dinheiro que recebeu foi fruto do seu trabalho e que recebeu do ex-namorado apenas algumas ajudas financeiras de baixo valor em determinado período.

 Foi acusada ainda de ter se reunido com Marco Valério, o que ela negou: “Como pode este procurador afirmar que eu, por ter estado em Belo Horizonte, uma única vez, tive reunião com Marcos Valério? Ou porque em face de uma reserva aérea – que foi até uma tentativa de reconciliação na época, não ia nem imaginar uma coisa destas – estou ligada a um suposto esquema do qual não participei e nem sequer faço idéia do que se trata”, afirmou.

Ordem negada
No final da sessão, a advogada estreante em causa própria não conseguiu que a Turma concedesse a Ordem em nenhum dos seus dois pedidos. Acompanhando o voto do desembargador relator Messod Azoulay Neto, a turma entendeu que o desbloqueio de contas deve ser feito através de Mandado de Segurança – o qual a advogada já impetrou – e por a denúncia não ser inepta, não há como se falar em trancamento da ação. Mas, a tarde não foi de todo perdida.

A própria procuradora da República, sem entrar em detalhes, ao descartar o uso de Habeas Corpus para averiguar provas, admitiu que as acusações que lhes foram imputadas “possam até parecer que não tenham verossimilhança”. O relator, por sua vez, confessou ter ficado em dúvida ao negar a ordem: “esta inicial não é um primor, fiquei até em duvida se consentia ou não a ordem. Não tem muitos fatos concretos aqui, mas não me senti à vontade ao trancar a ação porquanto nós estamos em sede de Habeas Corpus”. Já a desembargadora presidente elogiou a defesa improvisada da advogada estreante ao justificar o não trancamento da ação por a denúncia não ser inepta: “Ela é inepta quando não permite a sua defesa e a sua defesa foi muito bem feita aqui, então deu para perceber que a senhora compreendeu porque está sendo processada”.

Abaixo trecho da sessão de julgamento com a defesa feita pela acusada:

Cibele Gomes Giacoia – “Boa tarde a todos, me desculpem a minha inexperiência, eu me formei em Direito e é a primeira vez (a sustentar uma defesa oral), porque entendi que ninguém melhor do que eu para me defender a mim mesma em uma situação desta”.

“Estou sendo processada como incursa na lei de lavagem por, ‘consciente e deliberadamente ter colaborado para ocultar e dissimular verba supostamente proveniente de ilícitos’. No entanto, observa-se nos documentos juntados em abundância por mim, que os valores descritos na denúncia provêem na quase totalidade do dinheiro do fruto do meu trabalho, de venda de imóveis, de administração, de locação, coisas que eu sempre fiz. Cabe lembrar que estes imóveis de minha propriedade estão na minha família há muitos anos, bem antes de acontecer este fato, este maldito mensalão”. 

“Desde que esta famigerada ação começou, eu só venho amargando prejuízos irrecuperáveis entre clientes e bancos, tendo inclusive perdido a Sindicatura em um dos prédios onde sou condômina, sem nada a ter com os fatos que são narrados na denuncia”.

“Eu fui a primeira a tomar ciência para apresentar de imediato a minha defesa prévia, já impetrei Mandado de Segurança, Habeas Corpus, respondi à ação, já abri um processo disciplinar contra o subscritor da denúncia, que foi aceito, Não posso aceitar que meus bens, contas bancárias e títulos fiquem bloqueados sendo inocente. Não tenho nada, não devo nada, nada, nada a ver com este negócio”.

“O procurador da causa apoiado em menção do meu nome em uma agenda e em uma reserva de passagens afirma eu ter me reunido com o senhor Marcos Valério e José Augusto Dumont. São pessoas que eu nunca vi. Eu os conheci por jornal.

Este procurador também diz que eu estou ligado a um esquema. Que esquema? Que esquema eu participei? Tudo isto ele diz baseado em reserva de passagem e nome em uma agenda. E com base nisto, que não é prova, ele pede, sem nenhum teor indiciário, a minha condenação por crime de lavagem e pede a indisponibilidade dos meus bens”.

“Não vai ter procurador, juiz, promotor que consiga provar a minha participação, autoria, ou culpabilidade no presente caso”. .

“O Ministério Público levou cinco anos investigando e eu tive só alguns dias para me defender”.

“Mesmo os valores que eu tinha recebido do Glênio foram para me ajudar financeiramente, em cheque, estava com conta negativa na época e ele me ajudou”.

“Eu já peguei emprestado agora quinze mil reais com amigos e conhecidos para manter a minha sobrevivência, da minha filha, da minha mãe que dependem de mim. Eu não sei se vocês sabem o que é não ter um real para pagar um pão, para pagar uma passagem, pagar a minha empregada, coisas do dia a dia. Infelizmente eu vivo de locação e os meus imóveis que sobraram, que não estão alugados, não foram alugados em março, não foram alugados em abril porque é uma época de baixa temporada. Então fiquei totalmente sem amparo nenhum. Meu dinheiro, inclusive, joguei na minha conta e foi bloqueado também.É ruim também quando um banco pede para você sair dele porque você é ‘persona non grata’” . 

Me sinto pré-condenada, pré-julgada, não obstante minha total inocência. Será que voltamos à era do (inaudível)? Será que se eu for queimada todos ficarão satisfeitos? Onde está a Justiça? Onde estão os direitos de quem sempre trabalhou duro e honestamente ? Quem vai limpar tudo isto?

A minha “união estável” com o Dr. Glênio, na verdade sempre foi instável. Ela terminou em 2002/2001 e os fatos da ação ocorreram entre 2005 e 2006 e nunca ninguém me perguntou isto. Nunca. Por que não me chamaram para eu dar minhas respostas oficiais de modo a não me envolverem neste furacão que vem arruinando minha vida pessoal, familiar e patrimonial? Eu saí em jornais, é uma coisa assim inaceitável.

“A minha saúde, (relata doenças que tem) e eu fico assim contando o dinheiro para ver se tenho o necessário para comprar a medicação. Para complicar ainda mais, o juízo autorizou o desbloqueio somente da minha conta , mas nem isto a Vara providenciou ainda (…) Para bloquear foi tão rápida, para desbloquear a burocracia impera”.

“Eu pedi ao juiz da 3ª Vara que o procurador subscritor indicasse onde nos autos há prova do que estão falando. Onde as reuniões? Onde a ligação com o esquema? Nada. Não respondeu nada. Porque não há nada. Ele continua insistindo em uma tese fantasiosa. Como pode este procurador afirmar que eu, por ter estado em Belo Horizonte, uma única vez, tive reunião com Marcos Valério? Ou porque em face de uma reserva aérea – que foi até uma tentativa de reconciliação na época, não ia nem imaginar uma coisa destas – estou ligado a um suposto esquema do qual não participei e nem sequer faço idéia do que se trata. Eu nunca fui mencionada em reportagem nenhuma, eu não fui inserida em nada. Só porque o Sr. Glênio mencionou a minha existência, fizeram este ataque ilegal à minha vida. Eu jamais tive problemas com a Receita Federal, Polícia Federal, qualquer outra coisa, Ministério Público, o que valha. Nunca. E agora é isto sem prova. No final disto tudo vou querer saber quem irá se responsabilizar por esta leviandade que estão fazendo comigo”.

Mônica Ré (Procuradora da República) – “Fui eu mesma que exarei o parecer fiz uma análise superficial mencionando a impossibilidades de serem discutidas as questões aventadas na inicial que pretende revolver matéria fática, trazer ao tribunal ilação probatória que está apenas se iniciando na primeira instância, conforme mencionado pela advogada da tribuna. Ela, recentemente, foi citada para apresentar defesa, tem possibilidade de fazer a defesa prévia inicial, então não seria o caso de Habeas Corpus aqui, por questão de seu não cabimento nesta questão de análise da prova quanto à sua participação destes fatos que são imputáveis na denuncia, embora possam até parecer que não tenha verossimilhança. Mas, depende realmente do curso da instrução criminal para se verificar a plausibilidade ou não da acusação com relação a esta imputação que lhe foi feita. Isso no tocante ao pedido de trancamento da ação penal. Meu parecer é pela denegação.

No tocante ao fato do segundo pedido dela de desbloqueio dos bens, eu havia manifestado aqui no parecer que não seria o caso de Habeas Corpus, mencionando que deveria se utilizar de outro meio processual. Entretanto, ontem, quando eu estava examinando a pauta chegou ao meu gabinete os autos do Mandado de Segurança onde ela postula exatamente estes desbloqueios dos bens. Só não exarei o parecer naqueles autos porque ainda faltavam as informações do juízo, que não foram juntadas aos autos quando encaminhados à Procuradoria. Então, esta questão do desbloqueio está sendo analisada no Mandado de Segurança. Portanto, não seria o caso do Habeas Corpus também. Neste sentido estou ratificando aqui meu parecer no sentido da denegação da ordem nos dois pedidos postulados.

Desembargador Messod Azoulay Neto (relator) – Senhora presidente, o Habeas Corpus tem duplo pedido, o primeiro deles com relação à liberação de algumas contas para a sobrevivência da impetrante e como já esclareceu o Ministério Público eu também constatei que existe um Mandado de Segurança já impetrado pela Sra. Cibele neste sentido. Até busquei saber onde estava para analisar e descobri que eles estavam na Procuradoria da República, de modo que a via para se desbloquear eventualmente uma conta bancária ela não pode ser feita através do Habeas Corpus, mas através de um Mandado de Segurança. Então, com relação a isto estou aguardando o processo chegar às minhas mãos para examinar, com todo o cuidado, como sempre faço, em relação a este problema. Aqui no Habeas Corpus não é caso de se conhecer deste pedido.

No que diz respeito ao trancamento da Ação Penal, eu digo o seguinte: “É cediço que a denúncia deve preencher os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal que são a descrição do fato criminoso, com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Estes são os requisitos formais mínimos necessários à ampla defesa, pois sinalizará o caminho que percorrerá o Ministério Público na formação do "opinium deliti" além de ensejar o regular recebimento da denúncia. Consequentemente, a inobservância destes aspectos formais configura a inépcia da peça acusatória, No presente caso, a denúncia, após discorrer sobre todo o esquema usado por alguns acusados de participação no chamado esquema do Mensalão, atribui a ora paciente a culpa de contribuir para ocultar os recursos lícitos e ilícitos auferidos pelo denunciado Glênio Guedes que na qualidade de Procurador da Fazenda Nacional compunha o núcleo empresarial do referido esquema. Sua atuação foi assim definida:

Quanto à Cibele Gomes Giacoia esta, consoante declarado por Glênio, foi sua companheira por muitos anos e foi com ela que aprendeu a fazer negócios rentáveis no ramo imobiliário. Além disto, Cibele se beneficiou diretamente à época, dos recursos auferidos por Glênio, que inclusive custeou viagens para ela e possivelmente sua enteada para Porto Alegre. Cibele possui também vários imóveis e suas declarações do Imposto de Renda permitem verificar a enorme evolução patrimonial entre os anos de 2002 e 2006 de pouco mais de R$ 820 mil em 2001 para R$ 1 milhão e 300 mil em 2005, o que seria duvidoso com a renda que Cibele declarou de R$ 12 mil e 500. Curiosamente, depois que o esquema do Mensalão foi descoberto em 2005, seu patrimônio caiu como comprova o total de bens à folha 955”.

“Consta ainda da agenda de Fernanda Karina Somaggio (ex-secretária de Marcos Valério Fernandes Souza) registro de compra de passagens para Cibele Gomes Giacoia, juntamente com Glênio Guedes, o que comprova a ligação de Cibele com o esquema criminoso”.

“Cibele também participou do encontro de Glênio Guedes com Marcos Valério e José Augusto Dumont do Banco Rural, ocorrido em 01.07.2003 e que consta da agenda de Karina Somaggio, como ficou comprovado por reservas de passagem do Rio de Janeiro para Belo Horizonte também em seu nome”.

“Segue a denuncia afirmando que Cibele teve movimentação de conta bem menor nos anos de 2001 a 2003 se comparada com os anos seguintes e elenca quais os valores que havia recebido em sua conta no período de 09/2002 a 2006. Muitos dos depósitos em 2003-2006 foram realizados em dinheiro vivo, alguns, de elevadas quantias, foram realizados no mesmo dia ou em dias subsequentes. Ademais, foram feitas várias transferências entre contas no ano de 2006.

Destaco ainda a emissão de vários cheques de Glênio em favor de Cibele Gomes Giacoia, o que revela a constância das transferências entre os dois réus. Por fim faz referência ao recebimento ainda não esclarecido do valor de R$ 630.000,00 em 26.09.2006”.

Como se vê a denúncia atribui à paciente participação nos fatos delituosos de maneira que permite exercer o seu direito de defesa, não podendo ser apontada de inepta. No que diz respeito às alegações apontadas pela paciente no sentido da licitude dos recursos por ela auferidos, há que se ter em conta que dizem respeito ao conjunto probatório, sendo que a via de Habeas Corpus, por sua natureza, não permite um exame aprofundado das provas como deve ser feito no curso da instrução criminal. É óbvio que estar submetido às agruras de um procedimento criminal, não obstante constitua constrangimento para a paciente, não é ilegal, na medida em que observada as regras constitucionais e processuais, atinentes ao devido processo legal, que se submetem todos aqueles que vivem no Estado Democrático de Direito.

Quero dizer senhora presidente que esta inicial não é um primor, fiquei até em duvida se consentia ou não a ordem. Não tem muitos fatos concretos aqui, mas não me senti a vontade de trancar a ação porquanto nós estamos em sede de Habeas Corpus e ela já chegou a um ponto em que a ação penal deve prosseguir. Ela agora terá que provar em juízo, ou nada ficar provado contra ela, eu torço para isto, desejo isto, mas não é possível o trancamento desta ação penal através de Habeas Corpus. Então estou denegando a ordem

Liliane Roriz  (presidente) – Eu também entendo que quanto ao desbloqueio tem que ser apreciado por Mandado de Segurança que, inclusive, já foi impetrado. Então ele será re-analisado. Com relação ao pedido de trancamento da Ação Penal, Dra. Cibele, eu acho que é justamente como Vossa Excelência se declarou aqui, uma certa inexperiência sua. No momento nós poderíamos trancar se a inicial fosse inepta, mas a inicial não é inepta. Ele leu o trecho todo; Quando é que a inicial é inepta? Ela é inepta quando não permite a sua defesa e a sua defesa foi muito bem feita aqui, então deu para perceber que a senhora compreendeu porque está sendo processada. Neste momento, realmente, não é possível trancar a ação penal por Habeas Corpus. Mas esta mesma defesa que a senhora fez aqui, a senhora deve fazer perante o juiz, que com certeza vai analisar bem esta questão e está lá com o processo integral. Vai analisar as provas e vai compreender o que a senhora está dizendo. Deus há de ajudar, vai fazer Justiça que é o que a gente pretende fazer aqui o tempo todo. Vou acompanhar o eminente relator.

André Fontes (desembargador ) – Acompanho o voto com o relator.

HC 2010.02.01.003152-3

 

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