Olhar de dentro

IDDD lança com material desenvolvido por presas

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18 de abril de 2010, 4h33

Elaine foi premiada na categoria desenho; Beatriz ganhou um prêmio pela qualidade e sensibilidade de seu texto; Márcia, por seu apurado olhar fotográfico. Esses nomes representam adolescentes e mulheres que expressaram seus sentimentos e pontos de vista em forma de arte, mas possuem uma diferença: para elas a fronteira é mais apertada, demarcada por muralhas, e horizonte curto.

O Direito do Olhar é o resultado de um concurso cultural realizado dentro das penitenciárias, hospitais de custódia e unidades da Fundação Casa (ex-Febem) em 2005, pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O projeto teve como proposta fazer com que as próprias internas, presas e agentes carcerárias trabalhassem em produções artísticas, na valorização da dignidade que a vivência diária no sistema penitenciário lhes diminuiu.

O concurso foi realizado em todos os estabelecimentos prisionais femininos da capital paulista, como o apoio da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro e da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). O número total de presas era de aproximadamente 3,7 mil e, desse total, 680 mulheres, crianças e adolescentes inscreveram-se espontaneamente para participar. Entre as inscritas foram selecionadas 120 participantes em cada categoria, somando 360. Além delas, duas funcionárias de cada estabelecimento podiam concorrer em cada modalidade artística.

Marcadas pela solidão, pela indiferença e pelo descaso da família, do Estado e da sociedade, aproximadamente 24.068 mulheres cumprem pena no Brasil. São mulheres que vivem como párias da sociedade. Para vigiá-las, são outras tantas agentes penitenciárias que experimentam as agruras de desenvolverem suas profissões em um sistema falido e próximo da implosão. Lados muito diferentes de uma mesma moeda têm em comum a desvalorização humana a que são submetidas.

A saudade, o abandono dos companheiros e familiares, a distância dos filhos, a separação após o período de amamentação, proibição de visitas íntimas surgiram como temas chave na vivência de cada uma das participantes detidas; a tensão permanente, a falta de reconhecimento social e profissional apareceram com clareza nos trabalhos das agentes. Tudo isso retratado no livro que se apresenta e que expõe as angústias e sonhos de mulheres. A arte acabou por revelar mulheres transformadas pelas condições que vivenciam; umas pelos rigores do cárcere, outras pela responsabilidade de manter esse rigor.

Esse exercício de cidadania foi todo documentado e revelado nas páginas do livro O Direto do Olhar – Publicar para Replicar, que será lançado no próximo dia 28 de abril, às 10h30, no Lions Nightclub. O evento, além de celebrar o sucesso do projeto, propondo a sua continuação, comemora os 10 anos do instituto.

A obra reúne todo desenvolvimento do concurso, tendo com resultado: poemas, contos, desenhos e fotografias, dentre esses, os que foram contemplados com prêmios e menções honrosas e, depois, selecionados para uma exposição.

O Direto do Olhar – Publicar para Replicar tem a intenção de divulgar todo o processo de montagem do concurso para que ele possa ser replicado em outros locais – outros Estados brasileiros, e até mesmo em outros países–, de modo a beneficiar as comunidades que se disponham a empreender o caminho retratado, um meio de re-humanização de pessoas submetidas às condições do cárcere, sejam como internas, sejam como funcionárias do sistema. O livro é um exercício de valorização da dignidade e da cidadania, que refletiu diretamente no comportamento desses indivíduos na sua relação com a sociedade.

A publicação traz textos de Flávia Rahal e Luís Guilherme Vieira, respectivamente, presidente e diretor cultural do IDDD. O prefácio é do cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil e o posfácio é de Márcio Thomaz Bastos, advogado criminal, ex-ministro da Justiça e idealizador do IDDD.

Os depoimentos de alguns dos jurados envolvidos em cada categoria também estão contemplados na obra e abordam um pouco da experiência e da opinião de cada um deles: Ricardo Ohtake (Instituto Tomie Ohtake), Noélia Coutinho (Projeto Portinari), jurados de desenho; Drauzio Varella (médico e escritor) e a jornalista Marina Amaral, jurados de literatura; Eduardo Muylaert (advogado e fotógrafo) e Iatã Cannabrava (fotógrafo), jurados de fotografia.

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), foi fundado em julho de 2000 por um grupo de advogados dedicados, em sua maioria, ao direito criminal. “E é assim, atuando em favor de quem não pode, manifestando-se todas às vezes nas quais o direito de defesa apareça violentado e construindo projetos que interferiam na realidade que o instituto cumpre seu papel”, afirma Flávia Rahal, presidente do IDDD.

Para Luís Guilherme Vieira, diretor cultural do IDDD, o princípio da dignidade da pessoa humana não é privilégio reservado àqueles que vivem soltos. Além disso, “crime não é aquele cancro que só dá no vizinho. Ele ocorre em nossos lares. Imaginar diferente é não atuar como cidadão. É aguardar sentado que ele nos fira diretamente, para que tenhamos, aí, motivos para espernear”.

Serviço:
Lançamento do O Direito do Olhar – Publicar para Replicar
Data:  28 de abril de 2010
Local: Lions Nightclub – Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 277 – 1º andar – São Paulo
Horário: 10h
Idealização e Organização – Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
Patrocínio: Petrobras, Ministério da Cultura através da Lei Rouanet
Páginas: 189 páginas
Valor: o livro será distribuído para as bibliotecas municipais e estaduais de todo o país. Ele não será vendido em livrarias.

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