Fiscal da eleição

Minirreforma retirou do MPE meio de fiscalizar contas

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18 de abril de 2010, 7h20

Spacca
Silvana Battini - Spacca

No início de março, os procuradores regionais eleitorais se reuniram em Brasília, para discutir as estratégias de atuação nas eleições de 2010. O objetivo foi estabelecer pontos em comum e tratar de algumas questões que surgiram com a minirreforma eleitoral, em 2009.

Representante do Ministério Público Eleitoral no Rio de Janeiro, a procuradora Silvana Batini afirma que a mudança na lei retirou do órgão um importante instrumento para fiscalizar o financiamento das campanhas eleitorais. A Lei 12.034/09 fixou prazo de apenas 15 dias, a partir da diplomação, para entrar com ação contra o candidato eleito quando há irregularidade na prestação de contas.

De seu gabinete no centro da capital fluminense, Batini contou à revista Consultor Jurídico as peculiaridades do processo eleitoral no Rio de Janeiro. Além de lidar com práticas irregulares já conhecidas, o MPE afirma ter identificado em algumas candidaturas pretensões do próprio crime. Ou seja, se antes o crime organizado se infiltrava nos Poderes através de pessoas que já estavam neles, grupos envolvidos com o crime passaram a se candidatar para cargos políticos. E isso, disse Batini, não envolve, necessariamente, pessoas que já têm alguma condenação ou que esteja sendo processada.

Outro problema grave apontado pela procuradora eleitoral está relacionado aos centros sociais mantidos por políticos ou candidatos. “O assistencialismo político interfere na normalidade do processo democrático”, disse. Ela explicou que, nesses centros sociais, são oferecidos serviços típicos do Estado, fazendo do político um benfeitor da comunidade. “Ora, quando ele for deputado, será que vai batalhar pela saúde pública, por um hospital público ou um posto de saúde, e perder a fonte de votos dele?”, questiona.

A procuradora também falou sobre a judicialização da política. Para ela, boa parte dos conflitos que chegam ao Judiciário poderia ser evitado se os próprios partidos políticos tivessem mais compromisso e responsabilidade. “Eles mesmos poderiam fazer um filtro das candidaturas que são problemáticas.”

Batini também comentou a postura da Justiça Eleitoral e das resoluções do TSE que visam moralizar um pouco mais o processo. Em casos como o da doação oculta, disse a procuradora, é muito importante o ativismo do Poder Judiciário em relação à legislação eleitoral. “O legislador está legislando em causa própria. É preciso ter um poder, digamos assim, moderador.”

Silvana Batini Cesar Goes nasceu em Londrina (PR), onde se formou em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mudou-se aos 22 anos para o Rio de Janeiro, onde atuou na Defensoria Pública até ser aprovada em primeiro lugar, em 1993, no concurso para a procuradoria da República do Rio de Janeiro. Hoje, atua também na área criminal.

Leia a entrevista

ConJur — Quais são as maiores dificuldades para o Ministério Público Eleitoral no que se refere ao financiamento de campanha?
Silvana Batini — 
Desde 2006, na esteira do escândalo do mensalão, estamos trabalhando com um mecanismo da lei que é uma ação proposta contra os candidatos eleitos, quando há irregularidades na prestação de suas contas. Podíamos entrar com a ação assim que uma irregularidade fosse descoberta. Era um instrumento muito importante para nós, porque, muitas vezes, essas irregularidades vão surgindo ao longo do mandato, até por conta das traições internas.

ConJur — E o que mudou?
Silvana Batini —
No final do ano passado, o Congresso Nacional aprovou a reforma da lei, estipulando um prazo de 15 dias, contados da diplomação do candidato eleito, para que se entre com essa ação. Essa diplomação se dá até 18 de dezembro. Isso significa que o Ministério Público teria apenas 15 dias para analisar todas as prestações de contas, fazer diligências de investigação, saber se o recibo entregue é verdadeiro, cruzar dados. Tudo isso em 15 dias.

ConJur — O prazo não é razoável.
Silvana Batini —
Esse prazo veio para inviabilizar o exercício do controle. É um prazo que torna inócua a lei que prevê a fiscalização do financiamento de campanha. É como se a lei de 2006 nos tivesse dado uma ferramenta, e a lei de 2009 tenha nos retirado em um ponto que é extremamente relevante. Nós acreditamos que o financiamento irregular de campanha está na matriz de boa parte de corrupção no país. Isso foi um golpe terrível na nossa atuação e no processo democrático como um todo. Nós sustentamos que esse prazo é inconstitucional. Para nós, esse é um dos problemas mais graves a se enfrentar hoje.

ConJur — Outro tema bastante polêmico é a questão da presunção de inocência em relação ao candidato que responde a processo. Como que o MPE vê essa questão?
Silvana Batini —
Esse assunto foi polêmico. Hoje, nós convivemos com um entendimento que está consolidado no Supremo Tribunal Federal. Com o cenário que temos, não há nenhum impedimento para que aqueles que já foram condenados se candidatem. Essa não era a posição do Ministério Público. O MP foi pioneiro em erguer a bandeira de considerar inelegíveis os candidatos com condenação ainda em primeiro grau. Nós sempre consideramos que o conceito de moralidade previsto na própria Constituição permitia uma interpretação do juiz eleitoral no sentido de verificar se aquela condenação interferia ou não no processo eleitoral. Não foi o que pensou o Supremo, que entendeu ser preciso uma lei que regulamentasse essa questão. No ano passado, houve um movimento em toda a sociedade para apresentar um projeto de lei. Nós não confiávamos na iniciativa do próprio Congresso de nos presentear com essa lei. Originalmente, o projeto, de iniciativa popular, defendia que as condenações de primeiro grau já obstassem a candidatura. As emendas oferecidas passaram esse óbice para uma condenação de segunda grau. Mas isso está em discussão no Congresso. Há uma expectativa forte, mas, conforme o tempo vai passando, ficamos um pouco preocupado se isso virá ainda este ano ou não.

ConJur — E o que fazer enquanto a lei não vem?
Silvana Batini —
Se não é possível impedir a candidatura, pode-se assegurar ao eleitor a ampla informação sobre o currículo de seus candidatos. Já que a bola está com o eleitor, não será, por enquanto, a Justiça Eleitoral que irá barrar. O eleitor precisa saber em quem está votando. Por conta disso o próprio TSE determinou que o candidato, quando apresentar o seu requerimento de registro e candidatura, também apresente as certidões criminais. O objetivo é permitir que o eleitor possa ter acesso às anotações, que são de natureza pública, e faça o seu juízo de valor sobre o candidato.

ConJur — Isso em relação às condenações criminais?
Silvana Batini —
E as condenações por improbidade administrativa. Não são todas as condenações criminais, até porque há aquelas que não interferem em nada sob o juízo de valor da pessoa como homem público. A preocupação é com crimes violentos, contra a administração pública, o sistema financeiro. Uma condenação prévia é um dado importante para avaliar o candidato.

ConJur — Nas últimas eleições, existia um temor no estado do Rio de que os candidatos pudessem interferir na escolha de eleitores em lugares onde o estado não chega, principalmente, em comunidades. A situação do estado é atípica?
Silvana Batini —
As eleições de 2008, no Rio de Janeiro, tiveram um traço, de certa forma, inédito. O Ministério Público Federal sempre trabalhou com essa realidade, pois já tivemos vários processos em que ficava evidente que alguns espaços do Estado eram cortados pelo crime organizado. Nós temos processos gravíssimos que envolvem autoridades de todos os Poderes. A novidade, nas eleições de 2008, foi algo semelhante ao crime organizado ter se dado conta de que não precisava terceirizar, que ele próprio poderia ocupar o espaço político. Nós temos algumas candidaturas que, teoricamente, estavam representando a própria pretensão de poder do crime. Isso se deu em algumas comunidades que eram, particularmente, dominadas por milícias ou por tráfico de drogas. Deu no que deu: tivemos até as Forças Armadas garantindo a propaganda dos candidatos nesses lugares. Esse foi um dado que surgiu nas eleições de 2008 e enfrentado pontualmente.

ConJur — Isso mudou?
Silvana Batini —
De lá para cá houve uma alteração na política de segurança pública do Rio. Nós não sabemos como será essa questão nas eleições deste ano. Já temos algumas informações de que o fenômeno não foi totalmente extirpado e que existem focos dessa iniciativa. Mas a situação não envolve, necessariamente, pessoas que tenham condenações passadas; há candidaturas ou pretensões de candidaturas de pessoas sem condenações e que, teoricamente, estariam vocalizando essa pretensão do crime organizado. É uma realidade nova e uma peculiaridade do Rio; é uma espécie de curral eleitoral regido pela ameaça e violência, e não necessariamente pelo assistencialismo, que é o mais comum de se verificar. Não podemos desprezar esse dado, considerado relevante na avaliação de todo o processo eleitoral pelo Ministério Público no Rio.

ConJur — É mais difícil para o MP reconhecer esse tipo de fenômeno ou perceber se o assistencialismo está sendo usado como uma forma de comprar votos?
Silvana Batini —
As duas coisas são muito graves do ponto de vista da lisura do processo democrático. Não dá para amadurecer a democracia nesse contexto. Claro que essa espécie de curral dificulta, porque é um dado a mais. Estávamos acostumados a lidar com um tipo de problema, que é a compra de votos, e, de repente, surge a extorsão no voto. De um lado, um eleitor agradecido, que dá o seu voto em troca de uma benesse, de um atendimento médico, de um curso de corte e costura, de outro, o eleitor ameaçado, apavorado. As situações são muito graves. Os centros sociais, que são a marca do assistencialismo político no Rio, localizados em comunidades mais carentes e mantidos por políticos, geram um círculo vicioso terrível.

ConJur — Como é isso?
Silvana Batini —
São oferecidos serviços na área de saúde, educação, lazer, tarefas, na verdade, típicas do Estado. O político que oferece esses serviços nos centros sociais se torna o benfeitor daquela sociedade. Com isso, ele obtém votos, forma o seu curral eleitoral com base na prestação desses benefícios. Ora, quando ele for deputado, será que vai batalhar pela saúde pública, por um hospital público ou um posto de saúde, e perder a fonte de votos dele? Outra coisa é que esses centros sociais têm uma promiscuidade muito grande no uso de verba pública. É uma forma de privatizar o que é público e ainda trazer benefícios para obter uma candidatura. Eu também tenho a convicção de que o assistencialismo político, de alguma forma, interfere com a dignidade da pessoa humana, que se torna refém daquele benemérito, do candidato caridoso. Caridade e política são conceitos muito perigosos quando andam próximos. A caridade, de alguma forma, torna o beneficiário devedor. E voto não pode ser pagamento para nada. Voto tem que ser escolha, livre e consciente.

ConJur — De que maneira essas práticas podem ser combatidas?
Silvana Batini —
Acho que há uma dificuldade muito grande de tratar, juridicamente, o tema. Proibir o centro social é complicado, não dá. Mas é preciso estabelecer limites muito rigorosos para essas práticas. Não pode envolver campanha política. É preciso uma fiscalização mais intensa, porque é muito grande a proximidade desses centros sociais da captação ilícita de sufrágio e do abuso do poder econômico.

ConJur — Outra questão polêmica é quanto à aplicação da decisão que cassa um político. A senhora acha que ele deveria deixar o cargo após a sentença ou tem de esperar o trânsito em julgado?
Silvana Batini —
Várias coisas interferem nessa análise. A primeira delas é que o processo eleitoral tem que ser rápido, justamente para impedir que essa situação de alternância de poder traga prejuízos para a própria comunidade. O razoável seria que essas ações andassem de forma muito mais rápida do que os processos em geral. O Código Eleitoral diz que os recursos não têm efeito suspensivo. Teoricamente, uma decisão que afastasse um prefeito ou o cassasse teria de ter execução imediata. Com isso haveria mais eficácia nas decisões de primeiro e segundo grau. Não é o que vem acontecendo, na prática, em nenhum aspecto. Os processos estão demorando muito para terminar e o dispositivo da lei que trata do efeito imediato da decisão também não vem sendo cumprido. Salvo em situações excepcionais, por exemplo, de condenação por captação ilícita de sufrágio, o entendimento é que o afastamento tem que ser imediato. O que nós acreditamos é que a lei tem que ser cumprida. Isso não é um problema só do Direito Eleitoral. Nós estamos vivendo em um momento em que a decisão do juiz de primeiro grau está valendo cada vez menos. É como se nós só tivéssemos convicção de fazer justiça quando um tribunal superior se manifesta. Isso retira um pouco da credibilidade do sistema judiciário como um todo; traz prejuízo, porque existe um limite de processamento desses conflitos todos nos tribunais superiores. Não dá para imaginar que o TSE tenha que falar sobre todas as questões que envolvam o país. Teria que ter filtros um pouco mais rigorosos e permitir que o sistema funcione de forma mais ágil, conferindo um grau mínimo de certeza e de confiabilidade nessas decisões, para poupar os tribunais superiores para as questões mais relevantes.

ConJur — Isso decorre, por exemplo, de uma certa divergência de entendimentos, de uma certa insegurança jurídica no Direito Eleitoral em relação a determinados temas? Em uma decisão recente, o prefeito de São Paulo foi condenado com base em um voto vencido no TSE.
Silvana Batini —
A questão da alteração da jurisprudência é típica do processo eleitoral. Não é só da jurisprudência, a própria legislação não é estável. Sabemos que a cada eleição há uma alteração na lei. Isso é um marco preocupante, pois não temos uma estabilidade do sistema jurídico eleitoral. E a Justiça Eleitoral não tem uma organização própria, é uma Justiça de empréstimo, é uma função que se ocupa por mandato. Também há uma alternância muito intensa. E as pessoas pensam diferente, principalmente em um sistema tão fragmentado como é o nosso. Essa alteração reflete um pouco isso. Mas é claro que teria de estar dentro de um limite razoável. Nós estamos vivendo um processo um pouco mais intenso do que seria o desejado e isso gera insegurança. E esse exemplo citado sobre a mais correta compreensão sobre financiamento das campanhas é um deles. Não está pacificado. Nós tínhamos uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições presidenciais passadas, que hoje já se começa a pensar de forma diferente. No Direito, sempre falamos que há uma jurisprudência pacífica em determinado sentido. No Direito Eleitoral nunca há uma jurisprudência pacífica sobre tema algum.

ConJur — Isso deveria mudar?
Silvana Batini —
Acho que a composição da Justiça Eleitoral mereceria uma reflexão maior do constituinte. Algumas experiências não se mostraram muito satisfatórias. Também há um processo de judicialização da política, representada pela proliferação de conflitos no âmbito judicial. Isso está sobrecarregando demais a Justiça Eleitoral. A demanda era sazonal. Hoje, já não é mais assim. O processo eleitoral está cada vez mais antecipado e os conflitos estão mais complexos. Seria preciso repensar toda a estrutura. Mas eu acho que esse não é o tema do momento.

ConJur — A legislação está mais flexível para punir candidatos com atitudes irregulares ou ilegais ou o Judiciário é que se tornou mais rigoroso?
Silvana Batini —
A legislação, do ponto de vista do rigor, mudou muito pouco. As mudanças foram em relação a alguns conceitos. Acho que houve uma guinada para uma postura mais rigorosa. Isso ficou muito claro nas decisões de cassação de governadores com dois anos de mandato. Foi um sinal importante, no sentido de dizer que nunca é tarde para se fazer justiça. A segurança jurídica não pode ser preservada à custa da lisura do processo eleitoral. Nós temos que ponderar todos esses valores. São posturas que sem dúvida nenhuma demonstram mais rigor do que tradicionalmente nós víamos.

ConJur — As ações que levam à perda de mandato têm que durar até um ano. Na prática, a regra funciona?
Silvana Batini —
A Lei 12.034 previu esse tempo de duração razoável do processo. Acho que com a realidade processual que temos hoje foi uma proposta um tanto quanto romântica, pois a lei não prevê mecanismos concretos para inibir recursos protelatórios, por exemplo. Não vai adiantar nada conseguirmos cumprir esse prazo. A intenção foi boa, mas faltou a previsão de ferramentas concretas para tornar esse projeto uma realidade.

ConJur — O Judiciário está mais rápido para julgar demandas eleitorais?
Silvana Batini —
Não, não está. Há algumas semanas, lamentávamos, durante uma sessão do Tribunal Regional Eleitoral, o fato de estarmos enfrentando propagandas antecipadas das eleições de 2008. Nós já estamos com o problema de propaganda antecipada das eleições de 2010. O ritmo da Justiça Eleitoral ainda não é adequado e está longe de ser o ideal. Nós temos situações ainda pendentes das eleições de 2008 que são situações graves e que nos preocupam. Isso decorre de uma série de fatores, como da legislação eleitoral que permite uma série de impugnações e dificulta o andamento do processo, da própria estrutura do Judiciário, cujos membros acumulam funções. Outro fator é a explosão de feitos na Justiça Eleitoral. Cada vez mais se renuncia ao cenário político e se prefere brigar no Judiciário. Isso traz prejuízos graves. O ideal seria que a nossa democracia estivesse um pouco mais amadurecida, que os partidos políticos pudessem ser mais responsáveis.

ConJur — Em relação à doação para campanha, como que a senhora acha que deva ser?
Silvana Batini —
A questão da situação ideal de doação de campanha é uma das questões mais polêmicas em todo o mundo. Não existe um sistema ideal. Tenho minhas dúvidas se o financiamento público, com os mecanismos que temos hoje, é o melhor para o Brasil de hoje. Acho que esse é um modelo que traria problemas. O financiamento privado ou o misto, como é o nosso, precisa ser aprimorado. A meu ver, no que se refere à doação, a recente alteração decorrente da minirreforma foi um retrocesso. É preciso saber quem financia quem. Quando o eleitor elege um candidato, ele tem o direito de saber quem está bancando a candidatura, saber para quem o candidato vai dever favores futuramente. Acho que o ideal, no contexto em que vivemos, é intensificar a transparência e pulverizar os recursos, evitando a concentração. No momento, é o que se poderia almejar.

ConJur — Em relação à atuação do Ministério Público, há uma troca de informações do que é apurado no âmbito eleitoral e que possa ser aproveitado para ações em outras esferas?
Silvana Batini —
Sim. As eleições passadas mostraram, no Rio de Janeiro especificamente, que esse diálogo foi extremamente importante. Nós tivemos várias operações no estado em que houve esse casamento; operações deflagradas na Justiça comum e que resvalaram para a Justiça Eleitoral. No bojo dessas operações, apareceram ilícitos eleitorais e vice-versa. Nós tivemos também algumas situações de ilícitos eleitorais que acabaram resvalando para improbidade administrativa. Isso é uma coisa importante e tende a se intensificar. A pessoa nunca está cometendo um crime só eleitoral. Normalmente, o crime eleitoral está muito próximo de uma fraude de licitação, por exemplo. Neste aspecto, aguardamos, com bastante ansiedade, uma reforma do Código de Processo Penal que venha a corrigir alguns equívocos relacionados, justamente, à competência. Hoje, a Justiça Eleitoral, teoricamente, é competente para todos os crimes eleitorais e conexos, o que inviabiliza a apuração, pois não é vocacionada para o Direito Penal. Nós temos que corrigir essa distorção. Mas o diálogo institucional dentro do Ministério Público já acontece e tende a se intensificar.

ConJur — O MPE recebe muitas denúncias. Como agir quando surge uma acusação ligada ao candidato adversário a fim de que o MP atue?
Silvana Batini —
Isso é uma coisa interessante. O Ministério Público Eleitoral não é o único legitimado a propor as ações eleitorais. Normalmente, os candidatos, partidos e coligações têm a mesma legitimidade, justamente para permitir que haja um controle recíproco dos próprios candidatos. Mas nós do Ministério Público temos que estar com a atenção redobrada para evitar servir de ferramenta para brigas de adversários, para briga de mal perdedor. Isso acontece e não é só no Ministério Público Eleitoral. A gente já se achou na iminência de ser usado como instrumento de vingança em outros contextos também. Essa dificuldade se supera com seriedade. É preciso ter critérios de atuação e redobrar os cuidados. Até por isso somos contra os prazos lesivos para propositura de ação. Ninguém quer se aventurar levianamente em uma ação eleitoral, pois estamos lidando com mandato, pessoas escolhidas pelo voto, com a legitimidade das eleições. Não existe receita para evitar esse tipo de situação. A receita é atenção, critério, consciência e trabalho.

ConJur — Em relação ao voto dos presos provisórios, a senhora e o procurador substituto Daniel Sarmento chegaram a entrar com uma representação na PGR para que a instituição provocasse o STF nesse aspecto. Isso chegou a ser levado?
Silvana Batini —
Sim. A nossa representação veio no bojo de uma grande movimentação de várias entidades da sociedade brasileira que pleiteavam o direito do preso provisório votar. A Constituição brasileira retira o direito de voto do preso condenado em sentença criminal transitada em julgado. Mas o preso provisório não. Isso é uma garantia fundamental. E tem ainda uma questão política. Nós estamos enfrentando um problema gravíssimo no sistema penitenciário, que nunca foi tema de campanha eleitoral. Os candidatos, quando falam sobre segurança pública, referem-se, superficialmente, à violência urbana. As propostas de campanha estão relacionadas com o aumento de pena de determinado crime. Nós acreditamos que garantir o voto ao preso provisório também tem um lado político importante, pois, obrigatoriamente, o debate político terá que passar pelo sistema penitenciário. Isso pode trazer um ganho muito importante para o país, em termos de aprimoramento do nosso sistema, um câncer que o sistema jurídico brasileiro sofre até hoje.

ConJur — O Tribunal Regional Eleitoral do Rio vai implantar o voto dos presos provisórios?
Silvana Batini — 
Na verdade, isso já não é mais uma faculdade. É obrigatório. Até este ano, havia uma recomendação, mas com uma possibilidade bem ampla de opor obstáculos à implementação. Com a resolução do TSE, garantir o voto se tornou uma norma obrigatória; os TREs têm que enfrentar a questão. Ninguém desconhece as dificuldades, mas a questão agora é superá-las. As que forem muito difíceis têm que ser colocadas na mesa. Isso é uma tarefa da Justiça Eleitoral, mas o Ministério Público está ao lado da Justiça, porque acredita ser uma medida muito importante para o país.

ConJur — Há dúvidas em relação à forma que o voto dos presos será implementado, como conseguir mesários, por exemplo. Como isso poderia ser superado?
Silvana Batini —
Essas e outras dificuldades nunca foram ignoradas. Nós não achamos que universalizar o voto do preso é algo que se obterá de forma tranquila. Claro que as dificuldades vão aparecer, e não se pode desconsiderá-las. Existem outros temores que envolvem o voto do preso, como a possibilidade de estabelecerem currais eleitorais nos presídios, o voto do crime, etc. Na verdade, são especulações, porque não há nenhuma série histórica de iniciativas que demonstrem essas situações. A questão dos mesários, na própria instrução do TSE, já é prevista a participação de pessoas que já são treinadas, seja porque são servidores no sistema penitenciário ou de organizações não governamentais que têm projetos dentro dos presídios. Não dá para recusar implantar um direito fundamental, especulando sobre os eventuais problemas. O que é direito fundamental tem que ser garantido. Vamos ver como é que vai acontecer. Temos esperanças de que os problemas sejam menores do que aqueles que estão sendo previstos.

ConJur — E como poderia ser a propaganda eleitoral para os presos? Isso é algo que suscita dúvidas. Os presos teriam acessos à propaganda?
Silvana Batini —
Têm que ter. Se eles têm o direito de voto, também têm o direito de ser informado. E o candidato, se quiser votos, vai ter que levar sua plataforma até eles. Esse é o lado positivo da história. Eu acho que não há nenhuma dificuldade de se permitir essa campanha dentro do presídio de forma controlada, evidentemente. Não se pode esquecer das peculiaridades desses locais. Mas ela não é inviável, é perfeitamente possível.

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