Gestão Gilmar Mendes

Gostem ou não, STF colocou as coisas nos trilhos

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17 de abril de 2010, 12h01

O balanço da gestão do ministro Gilmar Mendes à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), que se encerra na próxima semana com a posse do novo presidente da corte, ministro Cezar Peluso, é bastante positivo nos planos administrativo, jurídico e político-institucional.

No campo administrativo, Mendes expandiu o sistema de comunicação social da mais importante corte do país, obrigou os tribunais a adotar planos de racionalização de gastos, uniformizou procedimentos entre as diferentes instâncias judiciais, implantou o sistema de metas para a magistratura, desestimulou a construção de novos e luxuosos "Palácios da Justiça" e promoveu mutirões no sistema prisional. Ele também fortaleceu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão responsável pelo controle externo do Poder do Judiciário, levando-o a cobrar maior rigor das corregedorias e a aplicar sanções mais severas em juízes e desembargadores, afastados por irregularidades como omissão, nepotismo, tráfico de influência, malversação de recursos públicos e corrupção.

No plano judicial, Mendes inovou ao estabelecer critérios de prioridade para os julgamentos. Ele não hesitou em colocar na pauta de votação do plenário processos controversos, que seus antecessores tratavam com excessiva prudência, para não falar tibieza, como invasões de terras, demarcação de reservas indígenas, pesquisas com células-tronco embrionárias, monopólio estatal de serviços essenciais, sigilo bancário e extradição de terroristas estrangeiros. Sob fortes pressões de entidades religiosas, movimentos sociais, órgãos de classe, centrais sindicais, partidos e governos estrangeiros, várias dessas ações estavam há anos à espera de julgamento pelo plenário.

O saldo mais expressivo da gestão de Mendes, contudo, está nos planos jurídico e político-institucional. Em sua gestão, ele enfrentou determinados setores da Polícia Federal, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Procuradoria-Geral da República que, a pretexto de combater a corrupção e zelar pelo princípio da moralidade, vinham exorbitando acintosamente de suas prerrogativas funcionais, passando por cima da Constituição.

Por meio de operações espalhafatosas, prisões midiáticas e escutas telefônicas sem autorização judicial, delegados federais, "arapongas" e procuradores, agindo com clara motivação política, puseram em risco liberdades públicas e garantias fundamentais, o que obrigou o presidente do Supremo a agir e até a entrar em rota de colisão com o Executivo para garantir a segurança do direito.

O caso mais rumoroso de sua gestão foi a Operação Satiagraha, quando policiais e procuradores, agindo de modo articulado com juízes federais de primeira instância e com a leniência do então ministro da Justiça, Tarso Genro, afrontaram a hierarquia do Judiciário. Descontentes com as liminares e Habeas Corpus concedidos pelo Supremo a pessoas e empresas investigadas pela Polícia Federal, o grupo passou a "vazar" boatos e a divulgar falsas informações contra integrantes da Corte, com o objetivo de intimidá-los, jogando-os contra a opinião pública.

A provocação chegou ao auge em julho de 2008, quando o juiz Fausto De Sanctis mandou prender o controlador do Banco Opportunity, Daniel Dantas, horas depois de ele ter sido liberado por uma decisão de Mendes. O presidente do STF levou o caso ao CNJ, criticou de modo veemente o chamado "ativismo" das instâncias inferiores da magistratura e do Ministério Público e cobrou providências do presidente da República, que afastou o delegado Paulo Lacerda da Abin. "Gostem ou não, foi o Supremo que colocou as coisas nos trilhos", disse o ministro Gilmar Mendes em entrevista ao Estado.

Os críticos de Mendes o acusam de falar fora dos autos. De fato, por diversas vezes ele discursou sobre temas políticos que não estavam em pauta no Supremo. Mas isso não anula o grande mérito de sua gestão, que foi ter modernizado a administração da Justiça, assegurado a independência das instituições judiciais e fortalecido o Estado de Direito.
 

Editorial do jornal O Estado de S. Paulo publicado na edição deste sábado (17/4/2010).

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