Fim da polêmica

Aplicação de multa deve ser feita a partir da intimação

Autor

  • Dierle Nunes

    é advogado doutor em Direito Processual professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara Rodrigues Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo CPC na Câmara dos Deputados.

15 de abril de 2010, 18h40

Em texto publicado acerca dos primeiros entendimentos do Superior Tribunal de Justiça em relação a reforma estrutural do sistema executivo (levadas a cabo pelas leis 11.232/05 e 11.382/06), publicado em 2 de setembro de 2008, no Consultor Jurídico, tivemos a oportunidade de comentar, além de outros temas, algumas teorias acerca do dies a quo para contagem do prazo de aplicação da multa do artigo 475 J, do Código de Processo Civil e afirmamos que:

Devido à indiscutível omissão legislativa acerca do momento inicial da incidência da multa ope legis (1) do artigo 475J, CPC, (2) a doutrina logo após o advento da lei se dividiu em várias linhas teóricas acerca da temática, que resumidas afirmaram:

a) Que a multa se aplicaria a partir do momento que a decisão fosse executável, o que permitiria a sua aplicação mesmo em execuções provisórias, quando, por exemplo, o recurso interposto fosse admitido sem o efeito suspensivo;

b) Que a multa incidiria a partir do trânsito em julgado da decisão, na instância (originária ou recursal) que a tramitação processual se encontre, mesmo que os autos estejam nos órgãos Superiores;

c) Que a multa incidiria a partir do trânsito em julgado da decisão, mas, para tanto os autos do procedimento deveriam retornar para a instância originária, para facilitar o acesso aos cálculos pelas partes envolvidas, especialmente a devedora que deverá adimplir a obrigação;

d) Que a multa incidiria a partir da intimação (específica de cumprimento do devedor) do trânsito em julgado da decisão na pessoa de seu patrono (advogado), sendo desnecessária a intimação pessoal do devedor;

e) Que a multa incidiria a partir da intimação pessoal do devedor do trânsito em julgado da decisão, sendo ainda necessário, para alguns, que o requerimento de intimação antecedesse preferentemente a interposição do requerimento de cumprimento, com o fim de que na memória de cálculo já constasse a multa de 10% pelo inadimplemento no prazo legal de 15 dias.

[….] Ao se acreditar na responsabilidade do advogado, defende-se estar de acordo com o modelo constitucional de processo a exigência de intimação do devedor do trânsito em julgado da decisão na pessoa do advogado, sendo exagerada a exigência de intimação pessoal do mesmo. Obviamente, que a intimação pessoal ofertaria um maior benefício na defesa ao devedor. No entanto, sabe-se que um dos grandes problemas do sistema revogado era o de se encontrar o devedor para ser citado para pagar em 24 horas ou nomear bens à penhora. Caso se exigisse a intimação pessoal, o devedor estaria obtendo maior prazo e continuaria podendo se furtar ao pagamento. Desse modo, ao se adequar o princípio da efetividade normativa, buscando conciliar a eficiência com a legitimidade, parece que a melhor opção repousa na necessidade de se assegurar a defesa técnica do devedor, mediante a intimação de seu patrono. (3)

Desde então a aplicação da referida multa continuou suscitando inúmeras dúvidas e problemas na sua aplicação, além de enormes divergências. No entanto, em recente precedente (REsp 940274/MS), julgado em 7 de abril de 2010, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, parece ter posto fim à polêmica da aplicação da referida multa ao consolidar o entendimento, por nós defendido, de sua aplicação a partir da intimação do devedor na pessoa de seu advogado.

No aludido precedente se afirmou que:

A necessidade de dar uma resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal. No entanto, o devido processo legal visa o cumprimento exato das normas procedimentais. O vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Assim como não é licito subtrair-lhe garantias, é defeso aditá-las, além do que concedeu o legislador, em detrimento do credor. Não é, pois, necessária a intimação pessoal do devedor para cumprimento de sentença. (trecho do voto da lavra do relator ministro Gomes de Barros) […] Por fim, acrescente-se que na sistemática a intimação do advogado tornou-se regra, como, v.g., quando intimado para apresentar embargos, substituir bens penhorados etc. Assim posta a questão (trecho do voto da lavra do Min. Fux) […], em relação à matéria concernente à interpretação do artigo 475-J – intimação do devedor pessoalmente ou na pessoa do seu advogado — tenho que a melhor doutrina está com o ministro relator, pois, do contrário, a longa e difícil trajetória da reforma da legislação processual civil seria jogada por terra. Estabelecer-se que o devedor deve ser intimado pessoalmente equivaleria a reeditarmos a citação do processo executivo anterior, "cuja eliminação foi um dos grandes propósitos da Lei 11.232/2005. A dificuldade de encontrar o devedor para uma segunda citação após o término do processo de conhecimento era um dos grandes entraves do sistema anterior e por isso foi eliminada, conforme expressamente se colocou na exposição de motivos da referida lei. […] O legislador exteriorizou no referido dispositivo legal o seu intuito de dar celeridade e efetividade à entrega da prestação jurisdicional e, para tanto, o advogado deve assumir o relevante papel que lhe é atribuído pela nossa Constituição Federal, em seu artigo 133, assim como pela legislação que lhe é própria, como o Estatuto da Advocacia e o e o seu Código de Ética, conforme bem destacado pelo eminente relator. […] Quanto a esse tema — intimação do devedor na pessoa do seu advogado para o cumprimento da sentença, artigo 475-J, do CPC — acompanho o voto do ministro relator. (trecho do voto da lavra do ministro Otávio de Noronha) (4)

Acreditamos que esse entendimento consiga conciliar a busca da eficiência do sistema executivo sem descurar de ofertar uma efetiva oportunidade de ciência ao devedor.

Não podemos esquecer que o principal objetivo da multa é, mediante uma técnica coercitiva, obter a captação da vontade do devedor para que, sob sua ameaça, sinta-se constrangido a ofertar o pagamento da obrigação no prazo de 15 dias. No entanto, somente será gerado esse efeito coercitivo caso ocorra a cientificação efetiva do devedor da potencialidade de sua aplicação.

A permissão da incidência da multa sem intimação não ofertaria o conhecimento ao devedor da possível aplicação da multa, tornando-a inócua. Já a exigência de intimação pessoal poderia permitir o desaparecimento estratégico do devedor como forma abusiva de procrastinação do feito executivo, criando os mesmo embaraços do sistema revogado.

Nesses termos, a adoção da necessidade de intimação na pessoa do advogado parece ser uma opção técnica a ser aplicada, a partir de agora, de modo uniforme, salvo a hipótese do devedor não mais contar com procurador constituído nos autos.

Somente se espera que esse entendimento represente uma verdadeira uniformização do entendimento acerca da multa do artigo 475J, Código de Processo Civil, para que esta passe a cumprir sua função técnica, uma vez que a anarquia interpretativa em sua utilização fez com que tal técnica de coerção se tornasse fonte de mais problemas do que de soluções, em um sistema executivo que clama por uma eficiência que não desnature as garantias fundamentais do modelo constitucional de processo.

Referências
1. É indiscutível a ausência de ingerência do magistrado no que tange ao valor e a sazonalidade dessa multa.
2. Art. 475-J. “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.
3.NUNES, Dierle. Entendimentos no STJ após reforma estrutural do sistema executivo. Disponível. Em:
4. BRASIL, STJ, Corte Especial, REsp 940274/MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 07/04/2010.

Autores

  • Brave

    é advogado, doutor e mestre em Direito Processual, professor adjunto na UF-MG, FDSM, PUCMinas e UNIFEMM, professor permanente do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e sócio do escritório Oliveira, Nunes & Camara Advocacia.

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