Intervenção do Judiciário

Alto custo do remédio dificulta políticas públicas

Autor

6 de abril de 2010, 16h48

O debate em torno da judicialização do direito à saúde acaba de ganhar um novo ingrediente. Os remédios no Brasil custam duas vezes mais do que na Suécia e até 13 vezes o índice mundial de preços. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ficou impressionado com a informação do professor brasileiro em Princeton,João Biehl, durante palestra na conferência O Judiciário e o Direito à Saúde, realizada em março, na Universidade de Princeton, em New Jersey, Estados Unidos. O evento, que reuniu representantes da Índia, África do Sul, Alemanha e Brasil, serviu para discutir o papel do Judiciário no acesso da população à saúde pública.

Dez dias antes de assistir à palestra do professor de Princeton, Gilmar Mendes havia apresentado um relatório que levou o Plenário do STF a indeferir nove recursos interpostos pelo Poder Público contra decisões judiciais que determinaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) o fornecimento de remédios de alto custo ou tratamentos não oferecidos pelo sistema a pacientes de doenças graves. Com o resultado, as pessoas ganharam o direito de receber os medicamentos ou tratamentos pedidos pela via judicial.

Ao defender o fornecimento dos remédios, Gilmar Mendes contou que ouviu diversos segmentos ligados ao tema na audiência pública sobre a saúde, ocorrida em abril de 2009. “Após ouvir os depoimentos prestados por representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque na maioria dos casos a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à produção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas”, sublinhou.

O presidente do Supremo afirmou que no âmbito da corte é recorrente a tentativa do Poder Público de suspender decisões judiciais nesse sentido. “Na presidência do tribunal existem diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde, como fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses, criação de vagas de UTIs e de leitos hospitalares, contratação de servidores da Saúde, realização de cirurgias e exames, custeio de tratamento fora do domicílio e inclusive no exterior, entre outros”, exemplificou.

Mas, o ministro ressaltou que o alto custo do medicamento “não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis”.

Embora não tenha sido elaborado com essa finalidade, o estudo feito pelo professor João Biehl expõe a dificuldade do Poder Público brasileiro, de garantir a continuidade dos programas de saúde pública. Segundo Biehl, em 2002, o Fundo Nacional de Saúde do Brasil gastou com aquisição de medicamentos o equivalente a 5,4% do seu orçamento, à época de R$ 2,5 bilhões. Em 2007, o orçamento foi de R$ 4,6 bilhões e o gasto com remédios foi o dobro, subiu para 10,7%.

Público x privado

Jeferson Heroico
Participação no fornecimento/gasto com remédios do Programa DST/Aids - Jeferson Heroico

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil é um dos primeiros países a adotar políticas de saúde significativas para a melhoria do atendimento dos portadores do HIV/Aids. Entre essas políticas, destaca-se o acesso universal e gratuito da população aos medicamentos usados no tratamento da doença. Aproximadamente 181 mil pacientes estão em tratamento com os 19 antirretrovirais distribuídos pelo Sistema Único de Saúde. 

O professor João Biehl baseou parte do seu estudo justamente nos dados do Programa Nacional DST/Aids. Com dados comparativos, demonstra a dependência do programa ao fornecimento de remédios por parte de laboratórios privados. O estudo mostra o crescimento da participação das empresas privadas no fornecimento de remédios ao Programa DST/Aids. Após 2004, as empresas privadas passaram a fornecer mais da metade dos medicamentos usados pelo Ministério da Saúde nesse programa. (veja tabela).

A Fundação Oswaldo Cruz, que forneceu 35% dos medicamentos do programa em 2001 e recebeu 25% do orçamento do governo para o programa gasto naquele ano, forneceu apenas 13% em 2004, recebendo 6% do orçamento, caindo para 10% em 2006, ao custo de 4% do orçamento. Os laboratórios estatais forneceram 22% dos medicamentos em 2001 e receberam 10% do valor gasto pelo DST/Aids. Depois, forneceram 30% dos remédios em 2004, ficando com 13% do orçamento e em 2006 receberam 16% do orçamento para fornecer 35% dos remédios do programa. Já os laboratórios privados forneceram 43% dos remédios em 2001, ao custo do equivalente a 65% do orçamento. Forneceram 57% dos remédios adquiridos pelo DST/Aids em 2004, ficando com 81% do orçamento do programa, e forneceram 55% dos remédios em 2006, recebendo 80% do orçamento.

Doenças graves
Além de medicamentos usados nos tratamentos oferecidos aos portadores de Aids, o professor João Biehl comparou os preços de vários remédios importantes para o combate de doenças graves. Entre os medicamentos essenciais que tiveram os preços de varejo comparados entre o Brasil e a Suécia, o professor citou o levotiroxina, recomendado para pacientes que apresentam diagnóstico de hipotireoidismo, que custa no Brasil quase três vezes o preço das farmácias suecas.

Furosemida, usado em casos de insuficiência renal aguda, custa três vezes mais. Tamoxifen, de combate ao câncer de mama, é quatro vezes mais caro nas drogarias brasileiras. O paracetamol, medicamento que tem propriedade de baixar a febre e aliviar a dor, em tablete de 500 mg custa cinco vezes mais, enquanto que o solúvel em água fica quase nove vezes mais caro.

Ciclofosfamida, medicamento anticâncer e para doenças reumáticas, usado em casos de transplantes, custa até 13 vezes mais no Brasil do que na Suécia.

Jeferson Heroico
Os 20 medicamentos essenciais em comparação com as maiores proporções entre os preços de varejo no Brasil e na Suécia - Jeferson Heroico

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!