Princípios constitucionais

Novo CBJD amplia defesa técnica

Autor

  • João Lopes

    é delegado geral de Polícia vice-diretor do Instituto de Identificação de Minas Gerais e especialista em Criminologia em Direito Penal e Direito Processual Penal.

3 de abril de 2010, 6h00

RESUMO: Discute as novas regras do Código Brasileiro da Justiça Desportiva a respeito da atividade de defensoria – Faz associações com princípios constitucionais e processuais penais cabíveis – disserta sobre as limitações e possibilidades referentes ao profissional que deve realizar a defesa técnica.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça – Esportes – Constituição – Defensoria – Postulação em Causa Própria – Advogado – Bacharel – Leigo – Operador do Direito – Ampla Defesa – Contraditório.

O Novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que entrou em vigor através da Resolução do Conselho Nacional dos Esportes de 29, de 10 de dezembro de 2009, trouxe melhorias significativas no sentido de regular, com muito mais propriedade, as atividades e competições desportivas, praticadas de modo formal, sob organização de Confederações, Federações e Ligas filiadas, amenizando o rigor de algumas figuras típicas, recrudescendo com outras condutas que irregularmente recebiam tratamento legal complacente, apresentou novidades quanto à ritualística processual, num aperfeiçoamento procedente, necessário e benéfico à prestação jurisdicional especializada. A legislação de que se cuida sofreu mais de 500 alterações, com revogações totais ou parciais de seu articulado ou acréscimo de novas regras, segundo informa o Ministério do Esporte.

Entre as novidades se incluem as modernas regras para exercício da Defesa nos procedimentos de sua alçada. O Código anterior permitia a existência e atuação dos rábulas, sem formação jurídica, mas que, devido ao domínio do conhecimento prático das rotinas procedimentais, aliado a uma mínima capacidade oratória, acabavam por povoar os Tribunais Esportivos e a exercerem, ali, em concorrência com os profissionais do Direito, uma advocacia “genérica” e, por vezes, desqualificada, apesar de legal. A possibilidade da lei se deveu ao ideal de acessibilidade à Justiça, diante de uma realidade de precárias condições econômicas dos clubes, em sua maioria, principalmente no esporte amador.

O entendimento predominante no meio desportivo atual é que a era do amadorismo das defesas laicas se extinguiu, por força do artigo 29 do CBJD que, com certeza, veio atender anseio antigo de todas as Instituições relacionadas com a prática desportiva e que teve como principal demandante a própria Ordem dos Advogados do Brasil, acompanhando e incentivando o processo de reforma desde o ano de 2007, segundo informou o próprio ME. As providências foram ansiadas até pela necessidade de adaptação ao conceito de Estado de Direito, já que a Justiça Desportiva é o foro constitucional competente, essencial e predominante para dirimir conflitos oriundos da prática de esportes (artigo 217 CF).

Convém registrar textualmente o que diz a respeito a norma vigorante, no seu capítulo V, sob a rubrica “Dos Defensores”: “Artigo 29 – Qualquer pessoa maior e capaz é livre para postular em causa própria ou fazer-se representar por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, observados os impedimentos legais. 

Não há dúvida de que o comando legal contém a proposta de abolir a defesa amadorística, permitindo inferir, sem sombra de dúvida, a vontade de blindar o jurisdicionado com a manta protetiva da defesa técnica, em caso de transgressão ético-disciplinar, para que não se percam no vazio as garantias jurídicas pertinentes, inclusive propiciando vigilância sobre os institutos da Ampla Defesa e do Contraditório, evitar incidência de sobrepeso no ônus que deve suportar em consequência da prática da infração e garantir situação de “paridade de armas”, como bem se expressam os processualistas puros.

A lei excepciona, contudo, a postulação de auto-defesa, admitindo-a para o leigo, aos moldes do que permite o vigente Código de Processo Penal, em seu artigo 654, nos processos de Habeas Corpus.

Interessante notar – talvez aqui resida o ponto mais polêmico – que o dispositivo de relação com a defesa técnica não a coloca, tirante a situação excepcional apontada, como possibilidade exclusiva ou privativa do Defensor inscrito na OAB. O texto do artigo 29 foi vasado através de duas orações coordenadas, alternativas, que permitem a seguinte e clara interpretação: Qualquer pessoa maior e capaz é livre para postular em causa própria..(realce nosso), como já discutido acima, ou podemos deduzir a sua segunda parte como sendo qualquer pessoa maior e capaz é livre para fazer-se representar por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil…

Desconsiderando-se o tocante aos impedimentos legais, que não se comportam nessa discussão, por tratarem daqueles que vão viciar ou distorcer o julgamento por qualidades pessoais inerentes ao relacionamento entre as partes, podemos concluir seguramente que o artigo 29 não cria, propositadamente ou não, o monopólio do exercício profissional da advocacia, como conditio sine qua non, vez que não apresenta nenhum indicatívo linguístico, léxico ou gramatical que induza a esse modo de interpretar, o que seria imprescindível, dentro da boa técnica legislativa, com emprego dos advérbios exclusivamente ou privativamente, ou das locuções com exclusividade ou de forma privativa. A segunda parte do dispositivo, então, é colocada na norma como orientação e não como restrição absoluta, na utilização da técnica chamada de interpretação literal, a mais basilar e usual expressão de hermenêutica jurídica. Definitivamente, por isso, o texto legal não exige que ninguém deva “… fazer-se representar (exclusivamente) por advogado…” (adaptação).

Assim, mantendo-se o espírito da lei, sem fugir do propósito da produção da Defesa Técnica, que a classifique como trabalho profissional, sem querer, simplesmente, criar reserva de mercado para os afiliados da OAB, sem permitir que se lesionem os principios de equilibrio nas atividades laborais, como requerem os primados da convivência democrática, quer se tratem de pessoas ou Instituições, pode-se garantir que poderão ser admitidos como Defensores perante os Tribunais Desportivos, em qualquer de suas instâncias, sem nenhuma ofensa ao conjunto de normas da espécie, os bacharéis em direito de modo geral, comprovada, se necessária, essa condição.

Essa categoria profissional, desvinculada formalmente da Ordem dos Advogados, mas detentora da mesma formação básica, por vezes com titulação em níveis elevados de pós-graduação, evidentemente não deixará desassistida, no que se refira à técnica jurídica -interpretação do Direito Material ou no exercício das diretrizes da Norma Processual – qualquer pessoa a que se proponha tutelar em pleitos da seara judicial dos desportos.

É fato óbvio que o Bacharel em Direito, a despeito da desvinculação orgânica com a OAB, não é rábula, não é leigo em matéria de entendimento jurídico e por causa disso, é capaz, juris tantum, de promover a Defesa Técnica com tudo o que ela comporta, como petições, recursos, sustentação oral etc e não fará com que o seu assistido esteja legalmente indefeso. É forçoso concluir, por final, que a mais singela exegese do novo diploma legal não exclui o simples graduado em direito do exercício das funções de Defensor, dentro da ótica principiológica, inclusive, de que “o que não é proibido, é permitido”!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. BRASIL – Constituição da República Federativa do Brasil
2. BRASIL – Código de Processo Penal – Decreto-lei nº 3689, de 03 de outubro de 1.941
3. BRASIL – Código Brasileiro de Justiça Desportiva – Resolução CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009.
4. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional – Ed Almedina – 2002
5. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito – Ed. Forense – 2004.
6. REZENDE, José Ricardo. CBJD Anotado, Legislação Antidoping – Ed. All Print – 2010.
7. SANTOS, Antonio Sérgio Figueiredo Santos. CBJD Comentários Principais Artigos – 2010.
8. SILVA, José Afonso da. Curso Direito Constitucional Positivo – Ed. Malheiros – 2002.
9. TOURINHO Fº, Fernando da Costa. Processo Penal – Saraiva – 2005

Autores

  • é delegado geral de Polícia, vice-diretor do Instituto de Identificação de Minas Gerais e especialista em Criminologia, em Direito Penal e Direito Processual Penal.

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