Sabatina de ministro

Na sabatina de Toffoli, o que importa é o futuro

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

30 de setembro de 2009, 11h27

A indicação pelo presidente Lula do advogado-geral da União, José Antonio Toffoli para o Supremo provoca celeumas. A OAB, a favor. O Ministério Público, em grande parte, contra. Os partidos da base governista, a favor. Os de oposição, divididos. Pela primeira vez, ocorre intensa mobilização popular via internet também. Sites contra. Os que são contra alegam que o candidato não passou em concurso para juiz, no passado, não tem saber jurídico como manda a Constituição, e é vinculado ao PT.

Os que são a favor dizem que experiência jurídica maior não há do que ser por dois anos assessor jurídico da Casa Civil, e por dois anos mais advogado-geral da União, comandando mais de 7.000 advogados. Agindo profissionalmente com cautela, e sem acidentes maiores. O fato é que, ao contrário da carreira normal de um magistrado, desta feita, a entrada ao tribunal não é por concurso.

Não é por nota mais alta. Trata-se de uma indicação política exclusiva do presidente. E trata-se de uma aprovação ou não, mas também política, do Senado. Em vários países, como Estados Unidos e Inglaterra, até agora, não há exigência formalizada de que membros das respectivas cortes superiores sejam bacharéis em direito. Na Espanha, o atual Carlos

Divar não é magistrado. É que o Supremo é um tribunal sobretudo político. Mas é também um tribunal que precisa ser neutro e imparcial. Sua credibilidade reside na imparcialidade que torna imprevisível o voto por parâmetros políticos, mas previsível -o máximo possível- pela jurisprudência e pelo texto da Constituição. Uma incerteza previsível.

A disputa em torno de Toffoli não diz, pois, respeito a seu passado. Diz respeito a seu futuro. Como ele votará como ministro? Votará sempre com o PT? Com suas teses? Seus votos são de antemão previsíveis por critérios políticos? Serão partidários? Os opositores receiam que os votos de Toffoli em favor das teses do governo sejam decisivos para diversos e importantes temas que estão no calor da apreciação do Senado, como a questão do mensalão e a do italiano Battisti.

Dados da experiência histórica brasileira e da atual estrangeira podem ajudar a compreender o problema. Mesmo tendo Lula indicado sete ministros para o Supremo, não existe nenhum estudo, nem de hoje nem do passado, que comprove o alinhamento automático do ministro do Supremo com o presidente que lhe indicou. Esse alinhamento é mais vital no sistema americano, onde só existem na prática dois partidos. Lá, a Suprema Corte tem sido alvo de uma disputa ideológica planejada e pensada tanto por Bush quanto por Obama.

Há cerca de 15 anos, por exemplo, os republicanos elegeram como principal critério de indicação a aprovação para a corte não o saber jurídico, mas a lealdade ao pensamento conservador. É que sempre que indicavam alguém, eles mudavam de lado. Agora, fizeram a maioria. Por enquanto.

Como aqui o presidencialismo é de muitos partidos, e de alianças que se fazem e refazem constantemente, e as indicações nem de FHC nem de Lula têm sido partidárias, é difícil prever com essas lentes os votos dos ministros. Agora mesmo, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, indicados por Fernando Henrique, votaram a favor do ex-ministro de Lula, Antonio Palocci. As recentes e poucas pesquisas disponíveis indicam que o Supremo tende, sim, a favorecer o governo quando existe em jogo um megainteresse financeiro do Tesouro contra os contribuintes.

Aí, adiam decisões, retiram de pauta, dão tempo para o governo capitalizar. Tendem a fechar com o governo ou a não decidir -qualquer que seja o governo. A experiência histórica parece indicar que, como os ministros são vitalícios e os presidentes passam, a independência acaba prevalecendo a médio e longo prazo.

Pode ocorrer, no entanto, que não prevaleça no curto prazo. Diante dessa possibilidade real, o Senado americano achou por bem pedir à candidata e atual ministra Sotomayor que respondesse, por escrito e antes da sabatina, à seguinte pergunta: haveria algumas situações em que ela, como ministra da Suprema Corte, teria dificuldades de julgar? Teria conflitos de interesses? Em que cenários seria potencialmente parcial?

A ministra respondeu de modo a afastar especulações. Disse que se declararia impedida em casos que envolvessem a Universidade de Princeton, de onde é "trustee", as indústrias de moda feminina Fendi, que foram cliente dela, e o escritório de advocacia Lankler, Siffert e Wohl LLP, com quem manteve estreitas relações.

Também estaria impedida em todas as questões que chegassem ao Supremo por recurso contra decisões do Painel do Segundo Circuito da Justiça Federal das quais ela houvesse participado como juíza. Com isso, desarmam-se os ânimos de quem temia por seus votos futuros. E foi aprovada.

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo desta quarta-feira (30/9).

Autores

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    é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

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