Direito de todos

Planos de Saúde pedem trégua ao Poder Judiciário

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30 de setembro de 2009, 3h15

As operadoras de saúde estão pedindo mais cautela ao Poder Judiciário. As empresas reclamam que as decisões judiciais asseguram o direito à saúde, mas não consideram a regulação do mercado e o sustento das seguradoras. A falta de conhecimento técnico específico por parte dos juízes foi reconhecida como um dos fatores que incentivam liminares e decisões desfavoráveis às empresas. As constatações foram feitas durante o IV Fórum Home Doctor sobre intervenções jurídicas na saúde, nesta terça-feira (29/9), em São Paulo.

Especialistas observaram que o direito à saúde é garantido pela Constituição brasileira e deve ser provido pelo governo. As operadoras de saúde surgem para complementar o serviço. “A empresa tem obrigação de cumprir o que está no contrato, que deve ser formulado conforme exigências previstas na legislação em vigor, tanto do Código de Defesa do Consumidor como da Lei dos Planos de Saúde”, afirmou o professor André Rodrigues Correa, da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

Para dar a visão das operadoras frente a disputadas judiciais, ele explicou que o contrato de prestação de serviço é uma previsão de orçamento da empresa. “Se ele for quebrado o tempo todo, fica inviável atender a todos os clientes. Não adianta a empresa custear um tratamento nos Estados Unidos e depois não ter como arcar os pacientes que demandam tratamentos mais simples.” Segundo Correa, o mesmo vale para o SUS. “O governo tem uma determinada verba para atender a toda população. Por isso, tem um limite para dar acesso a tratamentos ou medicamentos gratuitos. É isso que a Justiça também deve levar em conta em suas decisões.”

Hoje, o SUS atende a 139 milhões de pessoas no Brasil. Os demais 41 milhões de brasileiros aderiram aos planos de saúde, segundo dados coletados por Marcello Erich Reicher, supervisor da empresa Home Doctor. Pelos cálculos do especialista, levando em conta que a verba do governo para a saúde é de R$ 60 bilhões, cada atendido tem direito a uma cota de R$ 361. “Esse valor é apenas a consulta de um médico, ou seja, é claro que SUS não consegue atender a toda demanda da população”, diz Reicher.

Para equilibrar o acesso à saúde e o orçamento das iniciativas públicas e privadas, uma das soluções unânimes dadas pelos representantes das empresas e advogados especializados é a criação de câmaras especializadas nos tribunais. Já há algumas iniciativas nessa direção. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro criou, no início de setembro, o Núcleo de Assessoria Técnica, um projeto experimental nas 9ª e 10ª Varas da Fazenda Pública da capital. A iniciativa é inédita. Segundo o tribunal, o “plantão médico”, criado em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado, tem o objetivo de dar suporte técnico aos juízes das Varas da Fazenda Pública, onde tramitam ações judiciais com pedidos de medicamentos.

Segundo Iolanda Ramos, presidente da União Nacional das Autogestões (Unidas), a iniciativa do TJ do Rio já tem surtido efeitos favoráveis as operadoras de saúde. “Hoje já foi reduzido o número de liminar por cirurgia para obesidade mórbida por entender-se que não se trata de um procedimento urgente”, explica.

Antonio Carlos Marcato, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, acredita que o problema em criar câmaras especializadas é encontrar profissionais que queriam se dedicar a uma determinada área. Por outro lado, ele concorda que a documentação médica e laudos anexados aos processos são muito técnicos. Ele conta um caso em que um trabalhador afirmava ser vítima de cegueira e que possuía 0,8% de visão. “Entrei em contato com meu oftalmologista, que me revelou que a minha visão era pior do que dele. Ou seja, se eu contasse apenas com a minha percepção sobre o dado, com certeza, teria chegado a uma decisão injusta.” Marcato lembrou ainda de um caso em que uma empresa era contratada para forjar radiografias para apontar manchas como tumores e outros problemas.

Aumento de processos
A estrutura familiar mudou. Este é o ponto de partida para entender o processo de judicialização da saúde, segundo Iolanda Ramos, presidente da Unidas. Ela afirma que, antigamente, havia membros da família responsáveis por cuidar dos doentes. Hoje, as famílias são menores e todos trabalham. Na hora em que alguém adoece, toda a responsabilidade é jogada nos planos de saúde, principalmente no caso da população idosa, que também cresceu.

Segundo Iolanda, desde 1995 até hoje, pesquisas da associação identificam que as decisões dos juízes são pautadas pelo seu “cumprimento de papel social”. “Eles não temem quebrar contratos em vista de um bem social maior, que é a saúde do cliente da seguradora. Porém, deve haver Justiça para as empresas, que também têm seus direitos.”

Para reduzir o número de ações judiciais, Iolanda acredita que o primeiro passo é tentar resolver os problemas dentro da empresa. “Se houver pessoas preparadas dentro da operadora, o cliente não chegará à Justiça.” Ela lembra que há um longo período em que a empresa tem a chance de solucionar o conflito já que o segurado procura primeiro a administração, depois procura os órgãos de defesa do consumidor, agências reguladoras e, depois, parte para a imprensa e o Judiciário.

Outra sugestão de Iolanda é regular tudo em contrato. “Melhor prever e impor limites antes do que ser pego de supresa.” Iolanda conta sobre decisões dos tribunais que começaram a entender que não há diferença entre o atendimento domiciliar home care e o hospitalar, visto como um serviço adicional pelas operadoras. O Tribunal de Justiça de Pernambuco chegou a editar a Súmula 7 em que considera abusiva a exclusão contratual de assistência médica domiciliar.

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