Homenagem

Celso de Mello: 20 anos na Justiça

Autor

30 de setembro de 2009, 17h47

Parafraseando o professor da Universidade de Grenoble, Jean Marcou, que afirmou ser “O século XX… o século dos tribunais constitucionais”, poderíamos dizer que os últimos 20 anos de Supremo Tribunal Federal foram os anos de José Celso de Mello Filho.

Igualmente, os brasileiros não errariam em afirmar que as últimas duas décadas, no Brasil, foram de transformação do Supremo Tribunal Federal perante a sociedade, tendo se destacado seu decano, ministro Celso de Mello, na defesa, concretização e universalização dos ideais Republicanos e dos Direitos Fundamentais.

Paulista, de Tatuí, José Celso de Mello Filho nasceu em 1º de novembro de 1945 e ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1965, tendo se formado em 1969. Sua sólida formação acadêmica, que incluiu estudos no Robert E. Lee Senior High Scholl, na Universidade da Califórnia (UCLA) e na Universidade de Roma (Facoltà de Giurisprudenza). Iniciou a sua carreira jurídica, no Ministério Público de São Paulo, onde ingressou no honroso primeiro lugar, em 3 de novembro de 1970, quando já apontava seu compromisso com a ciência jurídica e a luta por um mundo mais justo e igualitário, ideais que continua a perseguir após 20 anos de Supremo Tribunal Federal. Professor, promotor de Justiça, ministro do Supremo Tribunal Federal, humanista, democrata e republicano — esse é um breve perfil de José Celso de Mello Filho.

Doutrinador sistemático, Celso de Mello nos ofereceu importantes obras jurídicas, como A Tutela Judicial da Liberdade, O Direito do acusado à publicação do Edital pela Imprensa, Apontamentos sobre o Novo Código de Processo Civil, O Embargo Extrajudicial de Obra Nova no Código de Processo Civil, entre outras. Porém, até hoje, o mundo jurídico reverencia sua mais magnífica obra, a clássica Constituição Federal anotada, de 1986.

Nos 20 anos de atividade judicante, a influência do ministro Celso de Mello para a implantação, no Supremo Tribunal Federal, de nossa atual Jurisdição Constitucional foi essencial, tanto no campo das definições de nosso controle de constitucionalidade, quanto na proteção dos Direitos Humanos Fundamentais e dos ideais Republicanos.

Há sete anos, quando me honrou ao prefaciar minha Constituição do Brasil Interpretada, o ministro Celso de Mello, em poucas e sábias palavras, definiu o ideal republicano e a ética constitucional tão necessários ao Brasil, ao afirmar que “não basta, contudo, somente conhecer a Constituição. Mais do que isso, impõe-se respeitá-la, forjando-se, no espírito dos governantes e dos cidadãos, a consciência de sua inquestionável superioridade”.

Em sua longa trajetória, com memoráveis lições de Direito, Justiça e Cidadania, nosso decano do Supremo Tribunal Federal afirmou a autoaplicabilidade do princípio da igualdade, afirmando sê-lo “postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica”, tendo por finalidade “obstar discriminações e extinguir privilégios”, balizou o alcance de nossas novas e tradicionais inviolabilidades constitucionais, tendo definido, em inesquecível julgamento de ex-presidente da República, o amplo conceito de casa, em relação à inviolabilidade domiciliar, como “consentâneo com a exigência constitucional de proteção à esfera de liberdade individual e de privacidade pessoal”; e, em relação à inviolabilidade das comunicações telefônicas, que “o reconhecimento constitucional do direito à privacidade desautoriza o valor probante do conteúdo de fita magnética que registra de forma clandestina, o diálogo mantido com alguém que venha sofrer a persecução penal do Estado”.

Em matérias de garantias fundamentais, entre outros importantes ensinamentos, defendeu a liberdade de imprensa, o princípio da inocência, a ampla defesa e contraditório, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos e afirmou, com a certeza dos justos e democratas, que o princípio do juiz natural “traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democráticas”, atuando “como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado” e representando “importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais”.

Ao repudiar o racismo, José Celso de Mello Filho reafirmou e fortaleceu o “princípio indisponível da dignidade da pessoa humana”, definindo-o como “mais do que elemento fundamental da República”, pois “representa o reconhecimento de que reside, na pessoa humana, o valor fundante do Estado e da ordem que lhe dá suporte institucional”.

Para concretizar o Direito, relembrou a história, ensinando que “há 70 anos, em 30 de janeiro de 1933, o Partido Nacional Socialista, emergindo das ruínas provocadas pela queda da República de Weimar, ascendeu ao poder na Alemanha, fazendo instaurar, nesse país, uma ordem totalitária, infensa aos direitos básicos da pessoa humana, sobre a qual se erigiu um sistema de poder absoluto que fez abater sobre todos, notadamente sobre os judeus, um tempo de horror e de indescritível torpeza humana”.

São tantas e imprescindíveis contribuições do Ministro Celso de Mello à ciência jurídica, à Justiça e ao País (extradição, asilo político, nacionalidade, autonomia federativa, etc.), que faltam palavras e espaço para descrever os memoráveis votos que decidiram e influenciaram a jurisdição brasileira nas duas últimas décadas.

Porém, o ministro Celso de Mello é mais do que um obcecado estudioso, brilhante jurista e incansável magistrado; é José Celso de Mello Filho; homem simples e digno, justo e leal, amigo e professor. À José Celso de Mello Filho, sem qualquer sombra de dúvidas, se aplica o mais famoso dos sermões, o Sermão da Montanha (Evangelho Segundo São Mateus): “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”.

Ao amigo e professor Celso de Mello, parabéns pela brilhante trajetória e pelos 20 anos de magistério e magistratura no Supremo Tribunal Federal e obrigado por nos fazer acreditar que no Brasil existem juízes.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!