Instrumento de justiça

Penhora online não pode servir a abusos

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30 de setembro de 2009, 17h33

Não há muito, colocou-se à disposição da Justiça brasileira, um poderoso instrumento coercitivo para garantir-se o pagamento de débitos por devedores recalcitrantes: a penhora online. Por meio dela, o juiz tem acesso, utilizando-se de software fornecido pelo Banco Central, a todas as contas de devedor-executado, identificando-as por meio de seu número no Cadastro de Pessoa Física – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ. A penhora do valor devido, se disponível em conta do devedor, é imediata e, após poucos dias, o valor é retirado da conta corrente e enviado para outra, à disposição do juízo.

Como se vê, o sistema é extremamente eficiente, mas pode ser brutal. O instrumento começou por ser utilizado em larga escala pela Justiça do Trabalho, mas hoje seu uso esta se tornando mais e mais usual também pela Justiça comum.

Ao contrário do velho sistema de penhora de bens, que permitia ao proprietário defender-se sem que isso afetasse o uso do seu patrimônio[1] enquanto não houvesse decisão sobre suas alegações, a penhora online tira da posse e do uso do devedor o valor penhorado até decisão final do juízo.

Por esses fatos — a imediatidade da ação e a subtração do bem —, o uso da penhora online deve ser precedido de medidas de maior cautela do que no caso das penhoras, chamemos, tradicionais. Entretanto, não é o que vem acontecendo, ao que parece.

No desejo de ver suas decisões cumpridas, ao que, obviamente, ninguém se opõe, a Justiça tem sido displicente na aplicação de alguns valores maiores do Direito. Qualquer alegação de fraude por parte do fisco, sem prova ou averiguação mais profunda, já é justificativa suficiente para que se aplique a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e se parta para a penhora dos bens pessoais dos administradores, dos sócios e mesmo de meros procuradores desses últimos.

O que se tem visto é, contrariamente a um dos princípios mais elementares de nosso Direito, a negação da presunção de inocência: feita a alegação de fraude, basta que se indique algum cidadão residente no Brasil para que as cortes aceitem que se proceda a penhora online. Por outro lado, pedidos de reconsideração, ainda que bem fundamentados e bem comprovados, ficam descansando nos escaninhos dos cartórios, à espera de uma decisão que, costumeiramente, tarda a vir.

Já me deparei com injustiças óbvias, demonstradas à saciedade às cortes, mas nem assim nossos tribunais fizeram a tempestiva avaliação, com a necessária profundidade, para se separar o real devedor contumaz e recalcitrante da flagrante injustiça.

Nossa legislação é clara: o patrimônio da sociedade não se confunde com o de seus sócios. Os administradores não são responsáveis pelas obrigações da sociedade que gerem. Essas regras somente podem ser afastadas diante da fraude e do abuso. E ambos dependem de investigação e provas, não meras alegações ou indícios. Afastarem-se, de plano, como muita vez se vê e se viu, institutos basilares de nosso Direito, não me parece ser acertado.

A penhora online é instrumento importante de aplicação da justiça, mas, como todo instrumento de grande força, deve ser usado com parcimônia e cercado de todas as cautelas. O perigo é que o instrumento da Justiça se torne um instrumento de injustiça.


[1] A penhora apenas impede a alienação ou destruição do bem penhorado, mas não seu uso regular.

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