Norma louvável

Lei sobre espaço para mulheres em trens e metrôs não deve ser questionada

Autor

  • Bruno Barata Magalhães

    é advogado consultor em Direito Administrativo e Eleitoral membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

27 de setembro de 2009, 8h34

Em 23 de março de 2006, o governo do Rio de Janeiro sancionou a Lei Estadual 4.733/06, editada pela Assembléia Legislativa do mesmo estado e de autoria do Deputado Estadual Jorge Picciani. O diploma obriga às empresas que administram o sistema ferroviário e metroviário do Rio de Janeiro a destinar vagões para uso exclusivo de mulheres, nos horários de maior movimento.

Os horários compreendidos para o cumprimento da referida lei são entre as 6h e 9h da manhã e entre 5h e 8h da tarde, excetuando-se sábados, domingos e feriados. Além do horário, os vagões destinados às mulheres podem ser destacados dentre os existentes ou adicionados às composições já utilizadas.

A mencionada lei ainda prevê a incidência de multa no caso do não cumprimento de seus termos, que, inicialmente, importa no valor de 150 UFIR/RJ, podendo alcançar a quantia diária de 50 UFIR/RJ.

Em 27 de abril de 2006, o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro ajuizou Ação Civil Pública, com pedido de medida liminar, em face da Supervia Concessionária de Transportes Ferroviários S.A. e Opportrans Concessão Metroviária S.A., a fim de que as empresas não cumprissem o determinado pela lei estadual 4.733/06, se abstendo de prestar o serviço com a ressalva de destinar vagões exclusivos ao uso de mulheres.

O Parquet fluminense solicitou com a referida ação, outrossim, a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei estadual ora sob exame. A mencionada Ação Civil Pública foi ajuizada com fundamento nos artigos 81, 82 e 91, todos da lei federal 8.078/90, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

A medida liminar requerida não foi concedida, tendo sido publicado, posteriormente, na forma do artigo 94 da lei federal supracitada, edital para ciência de terceiros interessados, bem como do pleito pela declaração incidental de inconstitucionalidade.

A ação que tramitou em primeiro grau foi julgada improcedente, sem resolução de seu mérito, na forma do artigo 267, inciso VI, da Carta Processual Civil. O Parquet recorreu da decisão, interpondo Apelação, convertida, posteriormente, na Arguição de Inconstitucionalidade 19/2009, tendo sido o citado recurso suspenso para julgamento daquela.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na sessão realizada em 20 de julho de 2009, julgou a Arguição de Inconstitucionalidade 19/2009 improcedente, por unanimidade.

Destarte, as cidadãs do Estado do Rio de Janeiro poderão exercer o seu direito ter vagões para utilização exclusiva. A constitucionalidade da citada lei estadual é flagrante, sobretudo porque resguarda diversos princípios constitucionais que se adequam ao cotidiano, à vida comum.

O argumento inicial do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, fundamentando-se na defesa do consumidor do serviço prestado por trens e metrôs, a fim de que não houvesse privilégios no uso de vagões exclusivos, não merecia prosperar.

As mulheres, ao longo dos anos, têm, cada vez mais, conquistado o respeito aos seus direitos. A igualdade com os homens vem se intensificando, inclusive nos postos de trabalho. Porém, em que pese o sucesso da revolução feminina, existe algo difícil de ser igualado: a força física, que, em sua maioria, é superada pelos homens.

Apenas por este único motivo, a edição da lei estadual 4.733/06 já seria louvável. Entretanto, analisando o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, utilizado para o ajuizamento da Ação Civil Pública citada, dispõe em seu artigo 6º, inciso I, que são direitos básicos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança. O mesmo diploma ainda garante ao consumidor, no inciso VI do mesmo artigo, o direito à efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

É notório que as mulheres, em vagões de trens e metrôs, como também em outros transportes coletivos, como os ônibus, sofrem abusos de homens que, utilizando de sua força física e má fé, praticam atos de caráter duvidoso, quase todos tipificados pelo Código Penal. Sabe-se, também, que quando tais meios de transporte estão nos horários de maior movimento, ou seja, com a lotação máxima, os abusos são cometidos sem a menor coação.

Portanto, o próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor, se aplicado ao caso concreto ora analisado, garante o direito às mulheres de proteção a segurança, bem como efetiva prevenção de danos morais. Desse modo, o texto da lei estadual 4.733/06 aplica-se perfeitamente à disposição legal ora mencionada.

Além das regras infraconstitucionais, é fundamental observar o disposto na Lei Maior. O princípio basilar da dignidade da pessoa humana, capitulado artigo 1º da Constituição possui aplicabilidade direta à questão do respeito às mulheres em trens e metrôs, por ser garantidor imediato dos direitos fundamentais.

Do rol dos direitos individuais e coletivos, inserto no artigo 5º da Constituição Federal, pode-se destacar incisos que corroboram a assertiva de que a reserva de vagões para mulheres em trens e metrôs é apenas a materialização de direitos previstos no texto constitucional, tendo em vista a falta de segurança, sobretudo na questão de abusos cometidos pelos homens em horários de maior movimento.

O artigo 5º da Lei Maior dispõe os seguintes incisos acerca de direitos individuais e coletivos relacionados ao tema:

“Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Destarte, resta comprovado que tanto a Constituição, quanto o Código de Proteção e Defesa do Consumidor contem dispositivos que confirmam a constitucionalidade e, mais ainda, a plausibilidade de edição de lei cujo objeto é a reserva de vagões para mulheres em trens e metrôs nos horários de maior movimento.

O diploma 4.733/06 jamais deveria ser combatido pelo Parquet, haja vista não estar tal lei estadual criando privilégios, mas sim suprindo uma lacuna ao garantir direitos das mulheres que não vinham sendo respeitados, já que, fragilizadas pela quantidade de abusos cometidos por homens, fato notório publicado por todos os veículos de comunicação, ficam “abandonadas”, seja pela Administração Pública, quando não há força policial a fim de coibir tais práticas, seja pela iniciativa privada, quando não disponibiliza seguranças particulares para realizar tal tarefa.

Tal lei estadual deve e merece ser cumprida, e não arguida sua constitucionalidade perante qualquer Tribunal. Ao contrário, dever-se-ia intensificar a fiscalização do respectivo cumprimento legal, com ação conjunta de todo o Poder Público.

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    é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

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