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O dia da sabatina do ex-advogado geral da União

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24 de setembro de 2009, 13h05

Débora Pinho - SpaccaSpacca" data-GUID="debora-pinho.png">

15 de maio de 2002. Nesta data, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado analisou a indicação de Gilmar Mendes para ministro do Supremo Tribunal Federal feita pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Gilmar Mendes, 47 anos, era o advogado-geral da União, nomeado para o cargo pelo mesmo presidente que o indicara para ser ministro do STF. A suposta ligação política do indicado com o governo de turno e sua pouca idade para um cargo austero por natureza esquentaram a polêmica prévia e deram o tom dos debates na CCJ.  O clima não era dos melhores. Na semana anterior, a sabatina tinha sido suspensa e adiada por um pedido de vista do senador Eduardo Suplicy, da tropa de choque da oposição petista. Quem comandou o ataque petista contra a indicação foi o senador José Eduardo Dutra, com o apoio contido da senadora Marina Silva. Pedro Simon (PMDB) e Jeferson Peres (PDT) também fizeram uma carga leve contra a escolha do presidente Fernando Henrique. Romero Jucá com o líder do governo, Arthur da Távola, e Renan Calheiros comandaram a defesa tucana da indicação. Depois de quase 6 horas de inquirição, a indicação de Gilmar Mendes foi aprovada, sem sustos, por 16 votos a 6.


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Qualquer semelhança com o presente não é mera coincidência. A indicação do advogado-geral da União José Antonio Dias Toffoli, 41 anos, para ocupar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem todo o apoio da bancada petista e uma resistência bem dosada da oposição tucana. Senadores do PSDB, como o paranaense Álvaro Dias contestam a pouca idade do pretendente e suas estreitas relações com o governo. No caso, às restrições se acrescenta uma suposta falta do requisito básico para o posto — o notório saber jurídico. Algo que jamais foi aventado na sabatina de Gilmar Mendes. 

A sessão da CCJ foi presidida pelo senador Bernardo Cabral (PFL-AM), que mereceu de Gilmar Mendes, reconhecido constitucionalista, uma calorosa referência por sua condução como relator da Constituinte em 1988.  O relator, senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), fez um relatório altamente elogioso ao indicado e não levou em conta processos em curso, já que em nenhum deles havia decisão final. Para ele, estava claro que o fato de se responder processos não prejudica a reputação nem descredencia um candidato para o cargo de ministro.

O senador José Eduardo Dutra (PT-SE), que votou contra a indicação de Gilmar Mendes, foi o mais contundente em atacá-lo. “Como disse, no início da minha intervenção, reconhecemos o notório saber jurídico do doutor Gilmar Mendes, mas naturalmente a escolha por parte dos parlamentares relaciona-se com a avaliação da visão, inclusive de Direito, que os candidatos têm. Na minha opinião o doutor Gilmar Mendes, para usar um jargão jurídico, está sendo indicado quase que como uma espécie de longa manus do Presidente Fernando Henrique Cardoso no Supremo Tribunal Federal”, afirmou. Dutra disse, ainda, que a visão que Gilmar Mendes tinha da Constituição pelos seus posicionamentos não era a que Edward Kolk defendia, no século XVII: o escudo dos pobres contra os ricos e poderosos. “Na minha avaliação a visão que o doutor Gilmar Mendes tem é que a Constituição deve se adaptar aos governos, quando deveria ser o contrário”.

Em seguida, foi a vez de Renan Calheiros (PMDB-AL). Só elogios a Gilmar Mendes. “Quando fui ministro da Justiça, participei de várias reuniões, de inúmeras conversas com o doutor Gilmar Mendes. Sem dúvida, conheço de perto a sua capacidade de trabalho, o seu temperamento equilibrado e, sobretudo, o seu senso de justiça. Não é um testemunho. Não costumo dar testemunhos. E, sinceramente, o doutor Gilmar Mendes não precisa disso. É uma constatação que faço questão de trazer a esta sabatina”.

Jeferson Peres (PDT-AM) não deixou de dar suas alfinetadas. “Em sete anos e quatro meses de exercício de mandato, nunca vi uma indicação ao Supremo Tribunal Federal tão polêmica quanto a de V. Sª. E isso, em princípio, não me parece bom para quem será membro daquela Excelsa Corte. Meu gabinete está cheio de e-mails contra e a favor, há um clima de torcida contra e a favor, uns acusando, certamente muitas acusações infundadas, é claro, mas não é bom. Creio que quem pretende ser Ministro do Supremo Tribunal Federal deveria ser uma pessoa de reputação ilibada e aceita de forma quase universal. O clima não é bom, realmente”, ressaltou ele.

Mesmo com todo o clima que cercou a indicação, Gilmar Mendes centrou sua exposição em questões fundamentais para a Justiça. Dentre elas, mencionou a “tendência à eliminação imediata de controvérsias constitucionais relevantes, inclusive por meio de pronta submissão da Administração Pública aos entendimentos definitivos firmados pelo Supremo Tribunal Federal” e “a tendência à permanente atuação do Supremo Tribunal Federal no desenvolvimento de uma dogmática dos direitos fundamentais”.

A palavra racionalização e eficiência no Judiciário também foram destacadas pelo ministro já naquela época. “Em particular, a transcendência destina-se a racionalizar a provocação da jurisdição constitucional de modo a assegurar a intervenção do Supremo Tribunal Federal seja preservada para aquelas hipóteses em que se verifica controvérsia constitucional verdadeiramente relevante e de alcance geral. Tal disciplina, combinada com a ampliação da eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal, haverá de assegurar a mais adequada socialização da prestação da jurisdição constitucional de nossa Excelsa Corte, pois não apenas qualificará o interesse público em sua manifestação, como também assegurará a tendência e eficácia universal do que decidir”, afirmou o ministro aos senadores.

Gilmar Mendes recebeu manifestações públicas de apoio da Associação Nacional dos Procuradores Federais, do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados, da Faculdade de Direito de Lisboa e da Associação Brasileira dos Constitucionalistas, entre outros. Também manifestaram repúdio a sua indicação a Associação Brasileira dos Magistrados, os advogados Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato e o ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro.

Perguntas e respostas

Na sabatina, uma das preocupações dos senadores era saber o que Gilmar Mendes pensava sobre foro privilegiado. Pedro Simon perguntou ao advogado-geral da União se o foro privilegiado deveria restringir-se a atos praticados no exercício do cargo público e se poderia ser mantido após a desvinculação do seu ocupante. Gilmar Mendes afirmou que o foro privilegiado precisava se limitar a atos funcionais e ser mantido mesmo após a saída da autoridade pública do cargo.

José Eduardo Dutra questionou se Gilmar Mendes tinha interesse no foro privilegiado. Isso por causa de uma Medida Provisória, que tratou do foro judicial privilegiado para algumas autoridades públicas. Segundo Dutra, o status oficial de ministro para o advogado-geral União só foi incluído no texto da MP após o STF julgar que o ocupante do cargo não tinha direito a foro privilegiado. Gilmar explicou a alteração. Afirmou que a AGU tem um trato constitucional não conferido até mesmo a ministros, que não precisam responder perante o Senado, por exemplo, em matéria de constitucionalidade.

Pedro Simon perguntou ao advogado-geral da União qual era seu pensamento sobre o uso de Medidas Provisórias. Gilmar Mendes disse que estava convencido da necessidade de continuar a "engenharia institucional" para compatibilizar a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo em torno da edição de MPs. "A Medida Provisória é uma forma de assegurar a agilidade da administração, mas é preciso que seja disciplinada constitucionalmente", respondeu.

Gilmar Mendes, naquela época, já criticava o Ministério Público. Ele disse a Pedro Simon, na sabatina, que é necessário que os membros do Ministério Público formalizem uma denúncia primeiro, com o pedido de abertura de inquérito, para depois torná-la pública. E que devem arcar com o ônus de sua divulgação. Pedro Simon discordou de sua posição. Sobre a Reforma do Judiciário, questionada por Renan Calheiros, o advogado-geral da União defendeu a continuidade da aprovação das reformas de cunho legislativo-processual.


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