Consultor Jurídico

Projeto de lei que pretende instituir divórcio online é inútil

23 de setembro de 2009, 9h05

Por Ana Amelia Menna Barreto de Castro Ferreira, Luiz Octávio Rocha Miranda da Costa Neves

imprimir

Entre as pérolas cultivadas no Senado Federal, emerge o Projeto de Lei 464/2008 de autoria da senadora Patrícia Saboya, iniciativa absolutamente inútil como se demonstrará.

A proposta legislativa pretende incluir o artigo 1.124-B ao Código de Processo Civil, a fim de que “a separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal, e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser requeridos, ao juízo competente, por via eletrônica, conforme disposições da Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial”.

Em sua justificativa a senadora alerta para a necessidade de empreender “nova revolução nesse campo, com a utilização dos meios eletrônicos para a solução formal dos casamentos que chegam ao fim”.

Parece que a senadora, assim como a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, não leram a lei que instituiu o processamento de ações judiciais por meio digital. E, se o fizeram, não entenderam.

Isto porque a Lei 11.419 já autoriza uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, aplicando-se indistintamente aos processos civil, penal, trabalhista e aos juizados especiais em qualquer grau de jurisdição. Pergunta-se então, onde se localiza a conclamada “inovação” da medida, uma vez que também as ações de divórcio e separação se encontram abrangidas pela Lei 11.419.

Registre-se, ainda, que inexiste a obrigatoriedade da implantação de sistema de processamento de autos digitais. O diploma legal instituiu o critério de adesão voluntária aos órgãos do Poder Judiciário que desejem desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos digitais, cabendo a qual a regulamentação no âmbito de suas respectivas competências.

Sendo assim, caso o órgão jurisdicional não disponha de recursos tecnológicos que proporcionem a tramitação processual por meio eletrônico, os autos não poderão tramitar por tal sistemática!

Matérias veiculadas na imprensa atribuem à senadora a autoria de declarações que propugnam pela supressão da obrigatoriedade de audiência entre as partes, pela dispensa de advogados no divórcio on-line, assim como pela equiparação da instituição do casamento a um mero contrato: “quero facilitar o divórcio de casais sem filhos, pois, se há acordo, é como se fosse um mero contrato desfeito”.

Em relação à pretendida “dispensa de advogados no divórcio on-line”, cumpre informar a senadora que seu desejo não encontra qualquer respaldo legal. A Lei 11.441/2007 – que possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa – em nenhum momento dispensa a presença do advogado. Ao contrário, prevê expressamente que a escritura somente será lavrada pelo tabelião caso haja assistência de advogado.

Finalmente, no que tange a possibilidade de equiparação do casamento a um mero “contrato” – pensamento que floresceu a partir do século XVIII – caso em que sua validade e eficácia dependeriam unicamente da vontade das partes, constitui-se como pensamento ultrapassado, vez que, no nosso sentir, matrimônio é bem mais que isso, eis que se apresenta como uma instituição de Direito.

E assim o é por constituir o casamento um conjunto complexo de regras impostas pelo Estado (como o dever de fidelidade e a obrigação de mútua assistência, por exemplo), ao qual as partes possuem apenas a faculdade de aderir e em o fazendo a vontade dos cônjuges se torna impotente, salvo nos caso previstos em lei, operando-se automaticamente os efeitos da instituição.

Ressalte-se que a instituição do casamento é do interesse primordial do estado, encontrando tanto previsão quanto proteção na Constituição Federal.

Como sinteticamente provado, a anunciada “revolução” estabelecida por tal projeto de lei, além de desnecessária, não passa de mera falácia, como tantas produzidas neste país.