Direito de escolha

Leis arbitrárias sobre fumo não são democráticas

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22 de setembro de 2009, 7h51

Embora corra o risco de ser trucidado pelos antitabagistas da praça, vou defender os fumantes. Diferente de gente que persegue quem fuma e ignora quem fabrica cigarros, tenho posição diferente: sou a favor dos fumantes e contra os fabricantes… Não entendo por que governos criam leis que punem quem fuma e permitem a existência de fábricas… Tá certo, elas são fontes de impostos, alertam que seus produtos são prejudiciais à saúde, que podem causar câncer e até impotência… Mas, se a moda é radicalizar, é incentivar cruzadas a favor da saúde, as tais mensagens poderiam ser colocadas também nas garrafas de bebidas alcoólicas, nos invólucros dos alimentos gordurosos e em tudo o que faz mal ao ser humano. Mas preciso pensar em mim: sugiro que proíbam, também, os restaurantes de servir torresmo com caipira, e carne de porco com farofa, sem falar no mocotó e na feijoada com bacon, paio e linguiça gorda… Essas coisas fazem mal à saúde, sou vítima delas, pois não resisto quando degustam essas iguarias perto de mim, acabo comendo — viro um guloso passivo…

Quando observo a histeria contra os fumantes em São Paulo, não consigo deixar de lembrar de alguns fatos acontecidos na nossa história: lembro dos “fiscais do Sarney”, que fechavam lojas nas frentes das câmaras cantando o hino nacional… Agora a “lei do cigarro” incentiva a delação. Logo veremos “fiscais” cantando hinos em frente a boates, bares, botecos e outros “templos” da boemia. Exibicionistas e delatores me fazem mal, me fazem lembrar de um episódio acontecido durante a “revolução” de 64. Numa reunião do Conselho de Segurança Nacional, o vice-presidente da República, Pedro Aleixo, resistia ao AI-5, resistia em concordar com algo que suprimia as liberdades individuais, instituía a censura e abolia o habeas corpus. Contam que ele discutiu com veemência com o ministro da Justiça da época, que argumentava: “Vossa Excelência está contra a posição do presidente, não acredita na maneira correta que ele vai conduzir esta situação?”. A resposta do vice-presidente foi antológica: “Confio no presidente, senhor Ministro. Eu tenho medo é do guarda da esquina — é muita autoridade!”. Vejo com preocupação os guardas da esquina aí, de novo, delatando, caçando fumantes…

Deixo claro que não fumo. Abandonei esse hábito quando me convenci de que ele é prejudicial à saúde, mas fico assustado quando vejo a mídia assumindo a tutela da cidadania, constrangendo fumantes. Depois de duas ditaduras, não posso apoiar delações de brasileiros apenas porque eles estão consumindo um produto cuja fabricação é legal. Fumante passivo? Queiram ou não, é apenas uma hipótese, há controvérsias, os estudos científicos estão aí para confirmar. Já li argumentos dos dois lados. Não pode beber, não pode fumar. É um passo para outras proibições. Não concordo, ninguém pode nos negar o direito de ser a favor ou não, seja lá do que for, é inerente à democracia. Alguém vai dizer: Isto é bom para você! Talvez. Mas eu quero escolher, não sou obrigado a concordar com quem se identifica com processos repressivos. Outro absurdo: punir dono de bar que admitir fumo. Pergunto: Se alguém ficar nu no mesmo bar, o proprietário vai ser punido? Não. Isso só vale no caso do cigarro — é expressamente proibido!… Verdade! No Brasil, temos o proibido e o expressamente proibido… Leis? Minha irmã e minha filha são fumantes. Sem que eu exija, quando me visitam, fazem questão de fumar ao ar livre. Isso é consciência, mas alguns acham que podem corrigir qualquer coisa com leis.

Nesta semana, um jornal da cidade em que resido noticiou em letras garrafais: “Nova lei poderá liberar o plantio de maconha em casa”. Em casa! Querem me enlouquecer! Agora existe gente defendendo a liberação da maconha e exigindo a proibição do cigarro… O argumento usado para a liberação da maconha é o de que “se a pessoa plantar para consumo próprio, automaticamente se quebra o vínculo dela com o crime”. Ah! Então tá!… Querem liberar o proibido e proibir o que é legal… É uma pretensão, não entro no mérito, só espero que façam a mesma cruzada santificando ou satanizando as duas “tribos” — não deixem o cigarro sozinho, na condição de vilão… Ultimamente, não tenho notado ninguém delatar quem usa maconha, com certeza deve existir algum “estudo” que “prova” que fumaça de baseado faz bem a saúde… Mais: o argumento de que o governo desperdiça recursos curando doentes com moléstias provocadas pelo tabaco, também deveria valer para os alcoólatras, pois além das inevitáveis brigas e agressões, eles lotam hospitais da rede pública com gente ferida nos acidentes de trânsito que provocam.

A proibição de certos hábitos sempre foi algo difícil na história da humanidade, pois exercer a tutela de homens livres é algo discutível. Os Estados Unidos mostraram ao mundo o que acontece quando isso ocorre. Eles proibiram a venda de bebidas alcoólicas instituindo a famosa “Lei Seca”. Foi o que bastou para este período transformar-se na “época de ouro” da bandidagem e de todo tipo de crime. Até hoje o cinema faz filmes enfocando a vida de gangsteres que viraram lenda abastecendo o mercado, burlando a proibição. Quanto ao cigarro, a convivência organizada, com lugares específicos para todos os segmentos parece algo óbvio, pois cada cidadão deve respirar o ar que mais lhe agrada. Se fosse possível “impor” saúde através de leis, estaria tudo resolvido, mas a educação ainda é a melhor solução, melhor ainda se ela estiver acompanhada da consciência e distante da intolerância.

Alguém já disse um dia que “ideias não são metais que se fundem” — estou de acordo. Ninguém é obrigado a concordar comigo, faz parte do jogo. Mas não comungo com patrulhamentos e fanatismos, não aprecio exageros, não gosto da tal cruzada contra a fumaça. Considero isso uma violência. Poderes arbitrários distribuídos a granel é algo perigoso, não combinam com democracia, não combinam com liberdade.

Em tempo: “Lei antifumo paulista é inconstitucional, diz AGU” – Segundo a Agência Estado, a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão que defende e representa a União principalmente em ações no Supremo Tribunal Federal (STF), emitiu parecer no dia 19/08/09 que considera a lei antifumo paulista inconstitucional.

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