Corrida para o Supremo

Passagem pela AGU é principal trunfo de Toffoli para o STF

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19 de setembro de 2009, 8h05

O principal trunfo do advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, para chegar até o Supremo Tribunal Federal, é o resultado de seu trabalho nos mais de dois anos em que está à frente da AGU. A sua trajetória na defesa da União deve ajudá-lo a rebater as principais críticas: pouca idade, formação acadêmica insuficiente e proximidade com o PT. A indicação de Toffoli para o STF, para ocupar vaga aberta com a morte de Menezes Direito no começo de setembro, foi formalizada por Lula nessa quinta-feira (17/9). Agora, ele deve ainda enfrentar sabatina — e a oposição — na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e votação, tanto na CCJ como no Plenário da casa. 

No comando da AGU, Toffoli participou de julgamentos importantes para o país. Um deles foi o que liberou as pesquisas com células-tronco embrionárias. Ele defendeu que a comunidade jurídica deixasse de lado o clássico dilema ciência e religião. “Nesta discussão, os lados que se antagonizam apresentam como premissa o mesmo princípio constitucional do direito à vida”, disse. Para sustentar a tese da União, ou seja, a constitucionalidade do trecho da Lei de Biossegurança que autorizou as pesquisas, Toffoli se valeu do artigo 2º do Código Civil, que resguarda o direito do nascituro e estabelece que a personalidade começa com o nascimento com vida. “Se o bebê não nascer com vida, não terá direitos, apenas expectativa de direito à vida. O caso em análise pelo STF trata apenas de embriões inservíveis, que não podem virar ser humano, mesmo no útero de uma mulher”, explicou.

A revista Consultor Jurídico ouviu diversas personalidades do mundo jurídico nos últimos dias a respeito da escolha de Toffoli. Todos aplaudiram a indicação. Em relação à idade, o advogado Alberto Zacharias Toron, secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, afirmou: “Do defeito de ser jovem, o tempo se encarregará”. A defesa de Toffoli também partiu do ministro Marco Aurélio, segundo mais antigo do STF. O ministro lembrou que a Constituição Federal exige 35 anos como idade mínima e Toffoli já tem 41 anos.

Se passar pelo Senado e chegar ao Supremo, ele será o ministro mais jovem indicado pelo presidente Lula. Curiosamente, ficará na cadeira de Menezes Direito, o mais velho indicado por Lula. Menezes Direito tomou posse às vésperas de completar 65 anos idade máxima. Toffoli ficará no Supremo até 2037.

A segunda crítica que ronda a indicação do chefe da AGU é sobre sua formação. No currículo de José Antonio Dias Toffoli, figura apenas o bacharelado em Direito na Universidade de São Paulo, em 1990, como única formação acadêmica. Alguns anos depois de se formar em Direito, Toffoli tentou ser juiz. Não conseguiu. Em 1994, fez o 165º Concurso de Ingresso à Magistratura, sem sucesso. Tentou de novo em 1995, no Concurso 166º, e não passou nem na primeira fase.

A sua experiência partiu do trabalho prático. A escola de Toffoli foi a AGU, disse o ex-ministro da Justiça Saulo Ramos ao blog do jornalista Frederico Vasconcellos. "Passou pela AGU, que é uma boa escola. Fez um trabalho bem feito, deu excelentes pareceres. Mesmo se não soubesse Direito, sairia de lá craque."

Nos dois anos à frente da AGU, comprou boas brigas. Defendeu que a união homoafetiva deve ser reconhecida como entidade familiar, nos termos do artigo 226 da Constituição Federal. Para Toffoli, a lei deve ser interpretada conforme a evolução da sociedade. Assim, mesmo que a Constituição não trate expressamente das uniões homossexuais no capítulo que dedica à família, a interpretação corresponde à realidade brasileira. “A evolução e a complexidade das relações humanas estão a exigir do sistema jurídico respostas adequadas para a resolução dessas controvérsias, intimamente ligadas ao pleno exercício dos direitos humanos fundamentais.”

Defendeu também o sistema de cotas raciais nas universidades. “A adoção do princípio da igualdade não significa que os indivíduos devam ser tratados de modo idêntico. Pelo contrário, a realização da igualdade impõe a submissão dos sujeitos desiguais a tratamentos jurídicos diversos, a exemplo do que ocorre com as chamadas ações afirmativas." Segundo a AGU, a cota racial "é proteção dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal, notadamente quando relacionada à participação dos grupos minoritários na formação da vontade democrática". O sistema de cotas ainda será julgado pelo Supremo. 

Foi Toffoli quem comandou a entrada do governo na briga sobre a guarda do menino Sean Goldman, disputado pelo pai americano e pelo padrasto brasileiro. A Advocacia-Geral da União pediu para intervir como terceiro interessado no caso. Toffoli se desvestiu das brigas patrióticas e foi a favor do pai americano. "Essa criança tem um pai. Ele existe e moveu uma ação contra a mãe quando ela não retornou de férias com o filho. O pai agiu em defesa do seu interesse", disse, apontando que devia ser aplicada a Conveção de Haia, que trata do sequestro de crianças.

No histórico julgamento da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, Toffoli defendeu que o Judiciário analisasse apenas se o processo demarcatório ocorreu dentro da legalidade. Segundo ele, cabe à Fundação Nacional do Índio (Funai) a responsabilidade de analisar se a área é ou não reserva indígena. Ele exemplificou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária é responsável pela análise dos medicamentos vendidos no país. “Ninguém melhor do que a Anvisa para dizer se um determinado remédio é eficaz e tem qualidade. Para isso, existe um órgão específico que é a agência reguladora.” Perdeu, dessa vez.

Após as 19 determinações do Supremo para a desocupação dos arrozeiros, Toffoli foi decisivo. Foi por meio da AGU que o governo estabeleceu as diretrizes para o cumprimentos das ordens do STF. Toffoli emitiu uma orientação para a Funai e o Ministério da Justiça para que os critérios estabelecidos pelo Supremo sejam observados daqui para frente. “As diretrizes dão segurança jurídica ao processo demarcatório”, reconheceu.

Política à parte
Toffoli se aproximou do PT no início da década de 1990. Foi advogado do partido nas campanhas de Lula para a Presidência de 1998, 2002 e 2006. Por isso, se especializou em Direito Eleitoral. Por ter sido advogado-geral da União, terá o fardo de sempre ser citado como uma indicação política. Foi assim também com os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. O atual presidente do Supremo e o decano provaram, na prática, que é possível levar à cabo a independência da toga. Mendes, por exemplo, foi nomeado pelo tucano Fernando Henrique Cardoso, mas nada o impediu de, recentemente, votar pela inocência do influente petista e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.

Toffoli também é o autor do parecer da Advocacia-Geral da União que defende a manutenção da Lei de Anistia. A posição adotada provocou rachas no governo. Dois ministros de Estado — Paulo Vanucchi e Tarso Genro — reclamaram e foram na imprensa defender a revisão da anistia. A lei deve ser julgada pelo Supremo. Como ministro do Supremo, Toffoli não poderá participar do julgamento.

Se chegar à corte, Toffoli poderá ser decisivo no julgamento do ex-ativista italiano Cesare Battisti. O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, entende que, se for aprovado pelo Senado e nomeado ministro, Toffoli não deve participar do julgamento da extradição de Battisti. O ministro Marco Aurélio defendeu a participação de Toffoli no julgamento.

O julgamento da extradição do italiano está suspenso por pedido de vista de Marco Aurélio e o placar está quatro a três a favor da extradição. Por isso, o voto de Toffoli pode ser decisivo. “No Regimento Interno do STF, não há nada que impeça que um ministro que não assistiu à leitura dos votos possa participar. Basta que ele se declare apto e que conheça o caso”, disse Marco Aurélio. A participação de Toffoli neste caso é especialmente importante porque, nele, o Supremo vai decidir quem dá a última palavra em caso de extradição: Executivo ou Judiciário. A discussão é saber se, depois de o Executivo ter concedido refúgio político, o Supremo pode aceitar pedido de extradição. Como advogado-geral da União, Toffoli representa o Executivo nas causas que chegam ao STF. No caso Battisti, porém, o parecer da AGU não foi feito por Toffoli.

O caso mais importante para o governo, porém, ainda vai demorar a ser pautado para julgamento. Trata-se da bilionária Ação de Constitucionalidade 18. A relatoria estava a cargo do ministro Menezes Direito e já foi distribuída para Celso de Mello, decano do STF. Será o julgamento mais caro da história do Supremo. Os ministros deverão decidir o destino de R$ 40 bilhões, ao julgar se o ICMS faz parte da base de cálculo da Cofins. Toffoli, contudo, não poderá participar. O futuro ministro foi o autor da ação, quando estava no comando da AGU.  

À época, a AGU foi contra uma eventual decisão do STF que determine o efeito retroativo a dedução do ICMS da base de cálculo da Cofins. Toffoli classificou o prejuízo como “astronômico” e, por isso, sustentou que a decisão pode causar estragos na segurança jurídica do país.

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