Mudança nos fatos

Suspeita de erro faz TJ paulista ouvir vítima

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16 de setembro de 2009, 10h45

O Tribunal de Justiça de São Paulo mandou ouvir novamente a vítima de suposto crime de concussão — quando o funcionário público exige, para si ou para outro, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou, antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. O crime teria ocorrido há 19 anos e praticado por um ex-policial. O investigador foi condenado a dois anos de reclusão e ao pagamento de 10 dias-multa, mas pediu absolvição com base em declaração da vítima.

O comerciante A.D.R., depois de 19 anos, reconheceu que errou ao apontar a foto do ex-policial como a da pessoa que praticou o delito. Segundo a vítima, em 1990, vendeu medicamento de uso controlado, sem receita médica. Uma pessoa que estava na farmácia assistiu a venda do remédio proibido e, se apresentando como policial, exigiu Cr$ 10 milhões para não autuar o comerciante. Ele afirmou, ainda, que depois de ser levada à delegacia para reconhecimento do criminoso por meio do álbum fotográfico, apontou o policial como o autor da extorsão. Diz que tomou a iniciativa por conta de forte pressão por parte dos policiais para que fosse descoberto o culpado.

“Acredito que a foto do policial […] ficou gravada em minha memória levando a culpar o mesmo, após tantos anos esclareço que não consigo conviver com tal duvida que sempre me perturbou por todo esse tempo, a verdade é que sempre tive dúvidas quanto a participação do policial […], tanto que outros participantes do roubo em minha farmácia nunca foram reconhecidos”, afirmou a vítima em depoimento registrado em cartório e agora trazido ao processo.

“Amparado no Código de Processo Penal e diante do documento assinado pela vítima e registrado em cartório voto para que o julgamento seja convertido em diligência e se determine novo depoimento do dono da Farmácia Mavel”, afirmou o desembargador Flávio silva, relator do pedido revisional. A decisão, por maioria de votos, foi tomada na terça-feira (15/9) pelos integrantes do 8º Grupo de Câmaras Criminais, que deferiu a diligência para novamente ouvir a vítima do suposto delito.

Acompanharam o entendimento do relator os desembargadores Pedro Gagliardi, Borges Pereira, Roberto Mortari, Almeida Toledo e Pedro Menin. A divergência foi capitaneada pelo desembargador Ribeiro dos Santos que ganhou a adesão dos colegas Edison Brandão, Amado Faria e Newton Neves.

A defesa, a cargo do advogado Daniel Bialski, lembrou que outros casos como o do ex-policial já passaram pela Justiça. Inocentes foram injustamente presos e até condenados, mesmo não sendo – o que somente reconheceu-se posteriormente – autores de crime algum, segundo ele. O advogado destacou o papel da revisão criminal apontada como o antídoto para sanar o erro judiciário, mas reconheceu que o remédio é dos mais difíceis institutos do Direito Penal.

Para a defesa, no caso sob investigação, as decisões punitivas estão amparadas apenas no depoimento da vítima, que foi avaliado como essencial e suficientemente capaz de demonstrar a autoria do delito tipificado na denúncia.

“Se a vítima optou por retificar o que antes dissera, afirmando que o Suplicante não participou do evento, serve a presente rescisória penal como meio visando corrigir o erro cometido”, afirmou o advogado na sustentação oral.

50 anos depois
Na sustentação oral Daniel Bialski, ele lembrou outra revisão criminal dada pelo Tribunal de Justiça. Por meio dela, a turma julgadora, por votação unânime, reparou erro judicial e absolveu um homem 50 anos depois de sua condenação. Esse caso teve a relatoria do desembargador Pedro Gagliardi.

O guarda civil Mauro Henrique Queiroz foi condenado por ato obsceno (artigo 233 do Código Penal) e recebeu pena de seis meses de detenção, suspensa pelo prazo de dois anos, desde que comparecesse todo semestre junto a autoridade Judiciária para comprovar suas atividades. Mauro morreu em 5 de janeiro de 1958.

A viúva e os filhos ingressaram com pedido de revisão criminal e, 50 anos depois, o Tribunal de Justiça paulista reconheceu que errou. A família sustentou a inexistência do fato criminoso. A Procuradoria-Geral de Justiça deu razão aos filhos e à viúva e se manifestou pelo deferimento da medida revisional.

O desembargador Pedro Gagliardi classificou como “inverossímil” a narrativa dos fatos feita na denúncia do Ministério Público, com base nos depoimentos de testemunhas. Para ele, os depoimentos conferem “pouca credibilidade” às imputações apontadas da denúncia.

“Efetivamente não se mostra crível que um guarda civil na função há quase uma década, fardado, com ficha funcional imaculada e família constituída, no interior de um coletivo lotado e acompanhado de diversos policiais da Força Pública, iria colocar seu pênis para fora das calças e esfregá-lo no braço de uma criança de 11 anos”, opinou Gagliardi.

A condenação do guarda civil se baseou no depoimento da testemunha Mario Marcelo. Este estava no coletivo e discutiu com o guarda civil. Mas para absolver Mauro Henrique Queiroz foi fundamental o depoimento da vítima Sonia Brasil, a menina que, agora aos 60 anos, reconheceu a inocência do acusado.

Sonia contou que o guarda civil não praticou nenhum ato obsceno e que à época, quando tinha apenas 11 anos, foi forçada pela avó a incriminá-lo. “Mauro é inocente de ter feito coisas que não se deve fazer com uma criança dentro do ônibus”, afirmou em depoimento a agora sexagenária Sandra. O TJ de São Paulo se curvou aos fatos tardiamente.

Revisão Criminal 990.08.183549-5
Voto 1.035
Voto 14.579

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