Justiça dos pobres

Defensoria Pública não pode viver de improvisos

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13 de setembro de 2009, 9h48

Spacca
José Rômulo - Spacca

A Defensoria Pública da União luta para sair do anonimato. Criada para prestar assistência jurídica para os carentes em processos na Justiça Federal – discussões sobre benefícios do INSS, por exemplo –, ainda é uma estranha para a maior parte da população. Até alguns profissionais do Direito não sabem da existência da instituição, reconhece José Rômulo Plácido Sales, defensor público-geral da União.

José Rômulo assumiu o comando da Defensoria da União em agosto deste ano. Uma das suas bandeiras é tirar a instituição do improviso e aumentar a sua estrutura. Hoje, são 481 cargos de defensor público da União, dos quais 336 estão preenchidos e os outros aguardam novo concurso. Para José Rômulo, o número é muito baixo. Ainda mais se comparado com os cerca de 8,5 mil advogados da União, que são a outra parte da maioria dos processos em que atua a Defensoria.

Em entrevista para a Consultor Jurídico, José Rômulo não se mostrou satisfeito com medidas paliativas para resolver o problema da assistência jurídica no país, como o recente convênio firmado pelo CNJ para que advogados voluntários defendam o cidadão carente. Não que ele seja radicalmente contra. Apenas defende que deve ser dado à Defensoria o prestígio que ela merece para cumprir sua missão constitucional. “Por que para pobre tudo tem que ser improvisado? A OAB diz que não se faz Justiça sem advogado. Para os pobres, não se faz Justiça sem defensor público.”

José Rômulo Plácido Sales se formou em Direito em 1995 pela Universidade Federal do Piauí. É da turma de defensores públicos da União de 2001, a primeira aprovada em concurso público para a instituição. “Eu me considero defensor por vocação.” Depois de integrar três vezes a lista tríplice enviada pela associação de defensores como sugestão de nomes para o cargo de defensor-geral – que é de livre escolha do presidente da República –, foi finalmente escolhido para a tarefa. Cumpre mandato de dois anos e pode ser reconduzido por outros dois.

Leia a entrevista.

ConJur – A população conhece e procura a Defensoria Pública?
José Rômulo Plácido Sales –
Quando falamos em Defensoria Pública, precisamos lembrar que existe a estadual – cada estado tem a sua – e a federal, a chamada Defensoria Pública da União. A estadual, no Rio de Janeiro, por exemplo, é conhecida e preenche toda a sua função jurisdicional de prestar assistência jurídica gratuita aos necessitados. O mesmo não acontece com a federal, que ainda continua implantada em caráter emergencial e provisório. Por isso, ela ainda não é conhecida pela população e até mesmo pelos profissionais do Direito.

ConJur – Qual a estrutura da Defensoria da União?
José Rômulo –
A instituição vem crescendo exponencialmente tanto em atendimento como em unidades. Hoje, a Defensoria Pública da União já está em todos os estados. Quando foi criada, aproveitou os chamados advogados de ofício, que trabalhavam na Justiça Militar. Só em 2001, com o primeiro concurso para a Defensoria, que foi o meu, é que a instituição começou efetivamente a existir. Na época, o quadro de defensores era de 112. Hoje, já são 481. Desses, 336 estão preenchidos e estamos fazendo concurso para preencher o resto. Antes, a Defensoria Pública da União precisava de autorização do Ministério do Planejamento para fazer concurso público. Em 21 de agosto deste ano, foi publicado o Decreto 6.944, que permite ao defensor público-geral convocar concurso sem precisar de autorização. Essa medida do governo foi um prestígio a mais para a Defensoria.

ConJur – Qual a diferença entre a Defensoria da União e a dos estados?
José Rômulo –
A Defensoria dos estados atua junto à Justiça Estadual e a da União, junto à Justiça Federal, que inclui as justiças do Trabalho, Eleitoral e Militar. Mas, com o quadro atual, não dá para atuar em todas as áreas. No meu estado, Piauí, a Defensoria Pública da União já consegue atuar na Justiça do Trabalho, na Federal e até mesmo na Eleitoral. Claro que só na capital porque ainda não há unidades no interior.

ConJur – Qual seria o quadro ideal de defensores da União?
José Rômulo –
Defendemos a população em ações que têm órgão estatal como parte. Por isso, prefiro comparar nosso quadro com o da Advocacia Pública. O Estado tem hoje 8,5 mil advogados públicos, sem contar com os advogados das empresas públicas, como da Caixa Econômica Federal. Enquanto isso, para defender a população que não pode pagar advogado, não são nem 500 defensores. A Defensoria Pública da União precisa se interiorizar nos estados, ainda mais agora que foi sancionada uma lei que cria 230 varas federais nas cidades do interior dos estados.

ConJur – A Defensoria da União tem um quadro de servidores de apoio?
José Rômulo –
A carreira de apoio foi objeto de estudos de um grupo de trabalho interministerial criado pelo presidente da República em 2005. A proposta era criar aproximadamente 4 mil cargos de servidores de apoio e mais mil cargos de defensores. A proposta foi encaminhada para o Ministério do Planejamento em 2006 e até hoje não foi feito nada. Para suprir essa carência, nós fazemos requisição de servidores de outros órgãos. Isso causa um embaraço. Todo dia eu recebo dirigentes de outras instituições reclamando das nossas requisições, que tiram o pessoal de apoio deles. Nessa situação, a Defensoria já funciona em condição precária. Se deixarmos de requisitar apoio, fica inviável. Além disso, é um desperdício de dinheiro público porque, sem apoio, o defensor deixa de atender a população para pregar etiqueta e mandar envelope para o Correio. Outra pessoa com um salário bem menor poderia fazer isso enquanto o defensor cumpre sua missão de atender a população.

ConJur – Como o senhor vê atos como o do Conselho Nacional de Justiça, que recentemente firmou um convênio para permitir a advocacia pró-bono enquanto a Defensoria não preenche toda a necessidade?
José Rômulo –
A Defensoria Pública nunca vai ser efetivada enquanto forem usadas ferramentas paliativas, improvisadas. A instituição precisa ser estruturada para poder prestar a sua missão constitucional. Por que para pobre tudo tem que ser improvisado? Hoje quem tem dinheiro no país contrata advogados bons e faz valer seus direitos, mesmo que colidam com direitos da sociedade. A Defensoria tem o papel de servir como freio e contrapeso a essa situação. Precisa estar bem preparada para isso. Esse convênio do CNJ tem esse problema: será que os voluntários terão supervisão e vão priorizar o trabalho voluntário em detrimento do seu ganha-pão? Será que depois desse movimento midiático, isso vai continuar a funcionar ou será que vai acabar quando o ministro Gilmar Mendes deixar a Presidência do CNJ? Não adianta apenas criar Varas da Justiça em cada cidade se a população pobre não tiver acesso. A OAB diz que não se faz Justiça sem advogado. Para os pobres, não se faz Justiça sem um defensor público.

ConJur – O senhor acha que essas medidas paliativas deviam ser cortadas?
José Rômulo –
Não vou ser radical a esse ponto, mas precisa se pensar a médio e a longo prazo. Essas medidas paliativas vêm se repetindo. O problema precisa ser enfrentado com seriedade. Advogado dativo não dá certo. O juiz, já cheio de problemas na sua vara, vai nomear um dativo combativo ou aquele que faz de conta que trabalha e permite que o processo ande mais rápido? Evidentemente, para ele, é mais interessante nomear alguém que não cria embaraço processual e, assim, subir as estatísticas da vara. Não quero dizer que isso ocorre sempre, mas é um risco para a sociedade. Já o defensor é um profissional independente, não depende da escolha nem de juiz e nem de OAB. Sua única missão é defender bem o assistido.

ConJur – Se a Defensoria Pública estivesse estruturada hoje, seria dela a missão de fazer os mutirões carcerários que o CNJ faz?
José Rômulo –
Talvez não houvesse nem necessidade desses mutirões porque não haveria o desrespeito aos direitos do preso. É importante dizer que os mutirões são necessários também por conta da morosidade do Judiciário. Não é só um problema de assistência jurídica. Na Paraíba, havia mil petições de processos criminais que nem sequer haviam sido juntadas aos autos. Pedidos de liberdade provisória, por exemplo, que nem chegaram para o juiz decidir.

ConJur – A Defensoria Pública pretende ter o monopólio do atendimento dos carentes?
José Rômulo –
A Defensoria foi o órgão escolhido pelo constituinte para prestar assistência jurídica, integral e gratuita aos necessitados. Por isso, não é que a Defensoria quer ter o monopólio dos carentes, mas ela tem essa missão. A Defensoria não serve apenas para auxiliar nos tribunais. Ela também faz a conscientização dos direitos e deveres do cidadão com o uso da Ação Civil Pública e acompanha todo projeto de lei que tramita no Congresso para garantir que o direito dos carentes vai ser observado. As pessoas precisam ser tratadas desigualmente, de acordo com as suas necessidades, para poderem competir em pé de igualdade.

ConJur – Ministério Público e Defensoria Pública competem? A quem cabe mover uma Ação Civil Pública para defender os direitos da sociedade?
José Rômulo –
Os dois podem fazer isso harmonicamente. O moderno na busca da efetividade da Justiça são as ações de massa. Por que ajuizar milhares quando dá para resolver com uma só? O Ministério Público defende a sociedade como um todo, mas as minorias também têm direitos que devem ser respeitados e não é o Ministério Público que vai fazer isso, já que são direitos individuais. Cabe à Defensoria fazer isso e com ação de massa, e não com milhares. Por que então deixar o monopólio da Ação Civil Pública com o Ministério Público?

ConJur – Por que o MP é tão bem visto pela sociedade e a Defensoria, tão retraída?
José Rômulo –
Com a Constituição de 1988, o MP ganhou autonomia e sua estrutura cresceu. É uma instituição bem maior que a nossa, composta por profissionais combativos, que defendem a sociedade. Há excessos, mas o MP, de modo geral, presta um serviço relevante para a sociedade. A cultura da impunidade tem sido mitigada graças ao Ministério Público. A Defensoria, por outro lado, não tem autonomia para propor lei para crescer. E deveria ter. É uma instituição que defende os necessitados em face de órgãos públicos. A administração pública vai querer fortalecer uma Defensoria para ela militar contra o superávit primário, por exemplo? É um conflito de interesses. Não digo que os dirigentes agem de má-fé, mas isso é temerário. Por isso que a Defensoria devia ter autonomia, e não ser vinculada ao Ministério da Justiça, como é hoje.

ConJur – Qual o maior tipo de demanda da Defensoria Pública da União?
José Rômulo –
São três tipos. Além da área penal, demandas previdenciárias, como aposentadorias e benefícios, e o sistema financeiro de habitação. A Caixa Econômica Federal também é bastante acionada por aqueles que procuram a Defensoria.

ConJur – Quais as principais bandeiras da Defensoria no Congresso Nacional?
José Rômulo –
Nós temos o Projeto de Lei Orgânica da Defensoria em tramitação e a PEC 487/05, que dá autonomia à Defensoria. Esta, no entanto, já foi substituída pelo governo pela PEC 144/07, que reduziu muito as garantias que dava a PEC 487/05.

ConJur – De quanto é o orçamento de Defensoria Pública hoje?
José Rômulo –
R$ 133,9 milhões, incluindo gastos com pessoal. Tirando a folha de salários, fica só R$ 90 milhões para investimento e custeio. Não sei qual é o orçamento da Advocacia-Geral da União, mas tenho certeza de que o nosso é bem menor mesmo.

ConJur – E qual é o salário de um defensor público da União?
José Rômulo –
Em torno de R$ 15 mil bruto. Menor que juiz federal e procurador.

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