Livre da Previdência

Justiça afasta contribuição sobre aviso prévio

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12 de setembro de 2009, 8h11

O entendimento de que o aviso prévio não sofre incidência de contribuição previdenciária vem ganhando força na Justiça. Em São Paulo, uma sentença confirmou liminar concedida em junho ao Sindicato da Indústria de Beneficiamento e Transformação de Vidros e Cristais Planos (Sinbevidros) para que as empresas filiadas à entidade não tenham mais que recolher contribuições ao demitirem empregados. Outra entidade paulista, o Sincopeças, que representa estabelecimentos que vendem autopeças no estado, também conseguiu uma liminar que livra as empresas associadas da obrigação. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou a liminar no fim de agosto.

Segundo decisão da juíza federal substituta Marcelle Ragazoni Carvalho, da 22ª Vara Federal Cível de São Paulo, as empresas representadas pelo Sinbevidros ficam livres de contribuir com a Previdência no montante incidente sobre as verbas pagas a título de aviso prévio, nos casos de rescisão de contrato de trabalho. “Deixo explicitado que esta decisão abrange apenas o aviso prévio de 30 dias previsto na CLT para os casos em que o empregado demitido sem justa causa é dispensado do trabalho”, ressalvou a juíza. (Leia a sentença abaixo).

Verbas pagas pelo empregador como aviso prévio não trabalhado são alvo de disputa entre a Previdência e as empresas há anos. O aviso prévio indenizado é pago pelo empregador quando um funcionário é demitido imediatamente, sem o prazo de 30 dias de antecedência a que ele tem direito, conforme o artigo 487 da Consolidação das Leis Trabalhistas. A discussão ganhou corpo com a publicação do Decreto federal 6.727/09, em janeiro. A norma revogou outro Decreto, o 3.048/99, que excluía as indenizações por aviso prévio não trabalhado da lista de incidências da contribuição previdenciária. Desde então, a Previdência tem apertado o cerco sobre os empregadores.

Devido à falta de novos argumentos do fisco, a juíza Marcelle Carvalho concordou com o entendimento do juiz José Henrique Prescendo, que concedeu a liminar em junho ao sindicato — clique aqui para ler —, como noticiou a ConJur na época. Prescendo afirmou que “o conceito de rendimento é incompatível com o de indenização, pois esta nada mais é do que a reposição de uma perda, sem qualquer ganho (no caso, a perda do emprego), enquanto que por rendimento entende-se a obtenção de um acréscimo patrimonial”.

O juiz lembrou que a Emenda Constitucional 20/98 estendeu o rol de verbas sujeitas às contribuições sociais, que antes se resumia à folha de salários. A partir daí passaram a ser tributados também os “demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física que preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”, conforme o artigo 195, inciso I, da Constituição, usado pelo fisco para justificar as cobranças. 

A Lei 9.876/99 também alterou a redação da Lei 8.212/91, segundo o juiz, ampliando o artigo 22 da norma que regulamenta o pagamento das contribuições à Previdência, incluindo “ganhos habituais” e “adiantamentos decorrentes de ajuste salarial”. Mas, para Prescendo, “o aviso prévio indenizado não pode ser considerado como ‘redimentos de qualquer natureza’ (notadamente porque não decorrente da prestação de trabalho)”, o que fez o juiz conceder a liminar.

A mesma decisão foi tomada pelo juiz José Henrique Precendo em favor do Sindicato do Comércio Varejista de Peças e Acessórios para Veículos no Estado de São Paulo em liminar concedida em abril. A 22ª Vara Federal Cível determinou que a Receita Federal em São Paulo se abstenha de exigir a contribuição das empresas sob sua jurisdição associadas ao sindicato.

A União chegou a recorrer ao TRF-3 em agosto contra a liminar, mas não conseguiu revogar a decisão. A desembargadora federal Ramza Tartuce considerou que “a verba recebida pelo empregado a título de aviso prévio indenizado não é pagamento habitual, nem mesmo retribuição pelo seu trabalho, mas indenização imposta ao empregador que o demitiu sem observar o prazo de aviso, sobre ela não podendo incidir a contribuição previdenciária”. Segundo Tartuce, o recurso da União contrariava a própria jurisprudência do TRF-3, que nas Ações Civis 2000.61.15.001755-9 e 2001.03.99.007489-6, considerou que as verbas têm caráter indenizatório.

Segundo o advogado Paulo Ribeiro, do escritório Pires & Ribeiro Advogados Associados, que presta assessoria jurídica ao Sincopeças-SP, a decisão favorável é uma porta para que empresas e entidades de outros setores também recorram à Justiça para não ter de recolher a contribuição. “A exigência contida no decreto é ilegal, já que contraria o Regulamento do Imposto de Renda, norma legal superior, bem como é incompatível com a jurisprudência sobre a matéria”, diz.

Multa ou rendimento
O efeito da obrigação para as empresas é um repasse de 20% de todos os valores pagos a título de aviso prévio indenizado. Para os funcionários demitidos, o desconto nos recebimentos varia de 8% a 11%. O principal argumento das empresas é que o valor referente ao salário de um mês pago a funcionários demitidos é uma indenização pela dispensa imediata, e não uma contraprestação por trabalho prestado, ou seja, essas verbas não têm caráter salarial.

Além da alegação de que o aviso prévio indenizado é uma multa por dispensa antecipada e, portanto, não é salário, mas indenização — o que o exclui da lista de verbas trabalhistas tributáveis prevista na Lei 8.212/91 —, as empresas também argumentam que o Decreto 6.727 não respeitou o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Diz o dispositivo que as contribuições sociais que mantêm a seguridade social “só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data de publicação da lei que as houver instituído”. Ou seja, a nova obrigação só poderia valer a partir de abril, e não em janeiro, quando começaram as exigências.

Desde 1991, a lei que dita as regras das cobranças previdenciárias — a Lei 8.212/91 — prevê que valores pagos a título de aviso prévio indenizado não compõem a base de cálculo para os recolhimentos, nem sofrem retenção da parte que cabe ao empregado demitido. Até 1997, a verba estava livre da contribuição com base no artigo 28 da Lei 8.212, no inciso I, parágrafo 9º, alínea “e”. Mas a Medida Provisória 1.596, de novembro de 1997, retirou do texto da Lei 8.212 a exceção concedida no artigo 28. A MP foi convertida, ainda em 1997, na Lei 9.528.

O cenário voltou a mudar com a publicação do Decreto 3.048, em 1999. O artigo 214, parágrafo 9º, inciso V, alínea “f”, excluiu as indenizações por aviso prévio não trabalhado da lista de verbas tributadas pela contribuição previdenciária. Este decreto foi revogado pelo 6.727, deste ano. É justamente esse o argumento da Fazenda para as cobranças. De acordo com o fisco, o decreto editado em janeiro teve a intenção de corrigir a distorção que o anterior tinha causado.

Leia a sentença em favor do Sinbevidros.

22ª VARA CÍVEL FEDERAL DE SÃO PAULO
PROCESSO N 2009.61.00.013885-3
MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO
IMPETRANTE: SINDICATO DA INDÚSTRIA DE BENEFICIAMENTO E TRANSFORMAÇÃO DE VIDROS E CRISTAIS PLANOS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SINBEVIDROS
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO – SP
Reg. N.º /2009

SENTENÇA
Cuida-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, a fim de que este Juízo determine à autoridade coatora que obste a exigência do recolhimento de contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado a cargo das empresas filiadas à impetrante.Aduz, em síntese, que o recolhimento de contribuição previdenciária a título de aviso prévio indenizado é indevido, por se tratar de verba indenizatória e não remuneratória. Acrescenta, ainda, a inconstitucionalidade do Decreto n.º 6727/2009, que revogou a alínea I, inciso V, 9º, do art. 214, do Decreto 3.048/99, que dispunha que o aviso prévio indenizado não integrava o salário de contribuição.Junta aos autos os documentos de fls. 16/62.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 67/70). Contra essa decisão foi interposto recurso de Agravo de Instrumento (fls. 114/137 As informações foram prestadas, às fls. 82/105, onde a autoridade impetrada suscitou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, em relação às sociedades empresárias substituídas que apresentem domicílios fiscais sob a circunscrição de outras Delegacias da Receita Federal do Brasil, bem como, argüiu a inépcia da petição inicial, uma vez que afirma que a impetrante não acostou aos autos a completa relação nominal de seus afiliados de modo a permitir o efetivo controle dos respectivos créditos tributários, requerendo, assim, a extinção do feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. No mérito, pugnou pela denegação da segurança.O Ministério Público Federal opinou pela concessão parcial da segurança, pois desatacou em seu parecer que a autoridade impetrada obtém competência para atuar unicamente dentro de sua circunscrição, razão pela qual o mandado de segurança em questão deve ter os efeitos da decisão restringidos ao âmbito do Município de São Paulo (fls. 110/112).

É o relatório. Passo a decidir.

Afasto a preliminar de ilegitimidade suscitada, uma vez que os efeitos da decisão em se tratando de provimentos coletivos, têm o condão de ultrapassar os limites da circunscrição jurisdicional, e no presente caso, trata-se de mandado de segurança coletivo. Por outro lado, se cada associado necessitasse impetrar individualmente o provimento correspondente, inócuo restaria o mandamus coletivo e todas as demais ações dessa natureza. Quanto à legitimidade ativa, a jurisprudência pacífica de nossos Tribunais é no sentido de que Sindicatos estão legitimados para impetrar mandado de segurança coletivo em defesa dos direitos e interesses da categoria que representa, na qualidade de substituto processual, o que se verifica através dos documentos de fls. 16/48.

No mérito, não tendo sido apresentados novos argumentos que pudessem alterar o entendimento desta magistrada, reitero in totum a decisão de fls. 67/70, que deferiu a liminar, conforme segue: No tocante às contribuições sociais do empregador, prevista no art.195, I, da Constituição Federal de 1988, tem-se que a inovação introduzida pela EC 20/98 alterou significativamente referida exação, que antes incidia apenas sobre "a folha de salários", passou a incidir também sobre "a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício". Quanto ao alcance da expressão "demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título", deve ser analisado o conceito de "rendimentos", atendo-se ao fato de que a contribuição previdenciária não deve incidir sobre verbas de caráter indenizatório, uma vez que não se tratam de salário ou de qualquer outra remuneração devida em razão de serviços prestados. O art. 22, da Lei 8.212/91, dispõe sobre a contribuição previdenciária a cargo da empresa, tendo sido alterada a redação pela Lei 9.876/99, para incluir na base de cálculo, além da remuneração básica, quaisquer outras remunerações destinadas a retribuir o trabalho, "inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa". O 2º desse dispositivo legal, por sua vez, relaciona expressamente quais as verbas que não são consideradas para esse fim, excluídas, portanto, da base de cálculo do tributo.

O Decreto 6.727/2009 revogou a alínea I, inciso V, 9º, do art. 214, do Decreto 3.048/99, que dispunha que o aviso prévio indenizado não integrava o salário de contribuição.Entendo, entretanto, que o aviso prévio indenizado não pode ser considerado como rendimentos de qualquer natureza (notadamente porque não decorrente da prestação de trabalho); assim, não há que se falar na incidência de contribuição previdenciária sobre o pagamento de tal verba.O conceito de rendimento é incompatível com o de indenização, pois esta nada mais é do que a reposição de uma perda, sem qualquer ganho (no caso a perda do emprego), enquanto que por rendimento entende-se a obtenção de um acréscimo patrimonial.Sobre o ponto, confira o elucidativo precedente do E. TRF da 3ª Região:

(Acórdão Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃOClasse: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 191811 Processo: 199903990633050 UF: SP Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 03/04/2007 Documento: TRF300115679 Fonte DJU DATA:20/04/2007 PÁGINA: 885 Relator(a) JUIZA CECILIA MELLO)Decisão A Segunda Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial.Ementa TRIBUTÁRIO: MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SUSPENSÃO DO RECOLHIMENTO.PARCELAS INDENIZATÓRIAS. NATUREZA. NÃO INCIDÊNCIA. MEDIDAS PROVISÓRIAS 1523/96 E 1596/97. LEI 8212/91, ARTS. 22 2º E 28 8º E 9º. REVOGAÇÃO. LEI 9528/97. ADIN 1659-8/DF. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.I – O mandado de segurança preventivo é adequado para suspender a exigibilidade de contribuição social incidente sobre verbas de natureza indenizatória pagas aos empregados, bem como declarar incidentalmente a inconstitucionalidade ou ilegalidade de medida provisória (MP 1523/96 e 1596/97).II – Os pagamentos de natureza indenizatória tais como aviso prévio indenizado, indenização adicional prevista no artigo 9º da 7238/84 (dispensa nos 30 dias que antecedem o reajuste geral de salários) e férias indenizadas não compõem a remuneração, donde inexigível a contribuição previdenciária sobre essas verbas. Precedentes.III – O Colendo STF suspendeu liminarmente em ação direta de inconstitucionalidade (ADIN 1659-8) os dispositivos previstos nas MPs 1523/96 e 1596/97, os quais cuidam da incidência da contribuição previdenciária sobre parcelas indenizatórias, além de terem sido revogados pela Lei de conversão 9528/97, embora a referida ADIN tenha sido julgada prejudicada a final, em virtude da perda de objeto da mesma.IV – Destarte, a impetrante possui o direito líquido e certo de suspender a exigibilidade das contribuições, especialmente o aviso prévio indenizado e a indenização adicional da Lei 7238/84, cuja concessão parcial do mandamus foi correta e deve ser mantida, negando-se provimento à apelação e à remessa oficial.V – Apelação do INSS e remessa oficial improvidas.

Diante do exposto e de tudo que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO e CONCEDO A SEGURANÇA pleiteada, confirmando a liminar concedida, a fim de afastar a exigibilidade da exigibilidade da contribuição previdenciária incidente sobre o pagamento do aviso prévio indenizado, pago pelas empresas associadas do Sindicato impetrante, por ocasião da rescisão dos contratos de trabalho, extinguindo o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Deixo explicitado que esta decisão abrange apenas o aviso prévio de 30 dias previsto na CLT para os casos em que o empregado demitido sem justa causa é dispensado do trabalho.

Custas ex lege, devidas pela impetrada. Honorários advocatícios indevidos, nos termos da Súmula 105 do STJ. Decorrido o prazo para recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3.ª Região para o reexame necessário (art. 12, Lei 1.533/51). Comunique-se o E. TRF da Terceira Regiao do teor dessa decisãõ, em razão do recurso de Agravo de Instrumento inteposto pela parte impetrada. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Oficie-se.

São Paulo, 02 de setembro de 2009.

MARCELLE RAGAZONI CARVALHO
Juíza Federal Substituta

Disponibilização D.Eletrônico de sentença em 10/09/2009 ,pag 1984/1989

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