Som de erros

Estado terá de pagar R$ 250 mil por erro judiciário

Autor

12 de setembro de 2009, 8h42

Um erro que começou na delegacia e continuou no Judiciário há mais de 15 anos pode custar caro ao estado do Rio de Janeiro. A Seção Criminal do Tribunal de Justiça fluminense negou recurso do estado, condenado pelos desembargadores a pagar R$ 250 mil a um empresário. Por cinco anos ele teve de comparecer quinzenalmente à Vara de Execuções Penais para cumprir pena por crimes que não cometeu.

Toda confusão começou quando, em abril de 1992, policiais militares revistaram um homem que estava com um revólver, embora não tivesse licença para andar armado. Uma pessoa que passava pelo local quando o homem foi preso ainda o acusou de ser o responsável pelo furto de sua bicicleta.

De acordo com os autos, o homem foi denunciado e o juízo da 2ª Vara Criminal de Nilópolis (RJ) recebeu a denúncia. No interrogatório, o homem, que disse ser verdadeira parte da acusação e negou ter furtado a bicicleta, assinou o nome do empresário de Nilópolis. Depois de interrogar o acusado, o juiz concedeu liberdade provisória. O homem fugiu. Posteriormente, foi condenado, à revelia, à pena de 30 dias de prisão.

Uma testemunha afirmou, naquele processo, que os policiais depois de prender o homem, algemaram-no e levaram-no à delegacia sem o identificar. A testemunha não informou sobre características físicas do acusado.

No segundo processo, que tramitou na 12ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, o empresário foi acusado e condenado a cinco anos e quatro meses de prisão, também à revelia, por ter roubado uma bicicleta, ameaçando o dono com um revólver.

Em 2003, o empresário foi preso e soube que havia contra ele dois mandados de prisão, um pelo processo que tramitou em Nilópolis e outro pelo que tramitou no Rio. O empresário chegou a ficar dois dias preso, mas recuperou a liberdade com a condição de comparecer, quinzenalmente, à Vara de Execução Penal. Nesse tempo, ele tentou na própria Vara de Execução provar que não tinha nada a ver com os casos de 10 anos atrás.

Ele entrou com revisão criminal no Tribunal de Justiça do Rio do Janeiro, uma vez que as sentenças já tinham transitado em julgado. “Somente o exame grafotécnico foi capaz de comprovar, de forma inequívoca, que o indivíduo preso e processado qualificou-se de forma falsa, sendo pessoa distinta da do requerente”, escreveu o relator da revisão criminal, desembargador Geraldo Prado, referindo-se a uma das várias diligências realizadas pelo juízo da VEP.

Na revisão criminal, o empresário pediu ainda, com base no artigo 630 do Código de Processo Penal, o reconhecimento de seu direito “a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”.

Para estipular o valor da indenização, o desembargador Geraldo Prado, que foi acompanhado pelos desembargadores Paulo Ventura, Manuel Alberto, Alexandre Varella e Ricardo Bustamente, levou em conta algumas situações do caso.

Uma delas foi o procedimento em relação ao autor dos crimes, que chegou a ser preso em flagrante e levado à delegacia. “Não houve identificação datiloscópica, tampouco registro fotográfico do acusado”, disse o desembargador. Na decisão, ele conta que o acusado “foi individualizado nas denúncias oferecidas tão-somente pelo nome e prenome, sem qualquer individualização pelo aspecto físico”.

O desembargador afirmou que, embora tais procedimentos não fossem capazes de levar ao verdadeiro autor dos crimes, certamente, a confusão teria sido esclarecida rapidamente quando o empresário de Nilópolis foi preso em 2003. “Se todos os procedimentos de identificação criminal tivessem sido realizados de forma adequada, isto é, identificação datiloscópica e registro fotográfico, o erro teria sido facilmente constatado. Mas nada disso foi feito!”

Além disso, os desembargadores consideraram outro ponto. “Um dos mandados de prisão decorreu de uma condenação cuja pena já se encontrava prescrita, o que agrava, ainda mais, a responsabilidade estatal”, escreveu Prado.

Eles levaram em conta, ainda, o fato de a prisão ter sido realizada na empresa da qual o empresário é sócio e a manutenção do nome dele “no rol dos culpados” por mais de cinco anos. Os desembargadores determinaram que as condenações fossem retiradas da folha de antecedentes criminais do empresário.

Os desembargadores entenderam que o Estado foi negligente e omisso. “É importante que se diga que o erro judiciário que aqui se reconhece decorre do funcionamento do sistema criminal, que não se limita apenas aos atos praticados pelos magistrados, mas a tudo aquilo que se encontra inserido no âmbito da persecução penal – da investigação ao julgamento do último recurso – , como atribuição do Poder Judiciário”, disseram.

A tese do estado de que a confusão foi gerada por terceiro e não pela sua própria atuação foi rechaçada pelos desembargadores. Para eles, o que reforça a responsabilidade do estado no caso foi o fato de o verdadeiro autor dos crimes ter sido preso em flagrante e interrogado em juízo.

O desembargador Nildson Araújo da Cruz julgou improcedente os pedidos do empresário. Também ficaram vencidos os desembargadores Adilson Macabu, Luiz Felipe Haddad, Gizelda Leitão e Maria Helena Salcedo. Estes votavam por condenar o estado a pagar R$ 450 mil pelo erro.

O Estado entrou com embargos de declaração contra a decisão, alegando omissão. “Eventual efeito modificativo somente seria possível caso houvesse, de fato, alguma omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, o que não é o caso”, escreveu o desembargador Geraldo Prado, que foi seguido pelos demais desembargadores da Seção Criminal. Cabe recurso.

Clique aqui para ler a decisão nos embargos de declaração.
Clique aqui para ler a decisão na revisão criminal – parte 1.
Clique aqui para ler a decisão na revisão criminal – parte 2.
Clique aqui para ler a decisão na revisão criminal – parte 3.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!