Mãe adotante

Artigo 392-A da CLT é inconstitucional

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10 de setembro de 2009, 8h25

Segundo a melhor doutrina, licença gestante é o benefício que consiste na remuneração paga pelo INSS à segurada gestante durante seu afastamento. A previdência social, bem como a CLT já concediam a referida licença as empregadas/seguradas mães biológicas. Contudo, a partir da edição da Lei 10421/2002 (2), houve a extensão da licença para a mãe adotiva, alterando-se a CLT e a Lei 8213 (3).

A licença da mãe adotante adveio da proteção constitucional da família e de todos os entes que a compõem, equiparando o filho biológico ao filho adotivo, com o fito de propiciar o amparo social e preservar a dignidade da pessoa humana, respeitando o determinado no artigo 227, parágrafo 6º da Carta Magna.

Sobre o tema se posicionou a doutrinadora Alice Monteiro de Barros (4), “a lei 10.421, de abril de 2002, equiparou ao parto o ingresso da criança adotada no lar, fixando os limites de idade com referencia às exigências físicas e afetivas do adotado. O legislador inspirou-se mais nas relações domésticas (a mãe também se ocupa da criança adotada) e não na preocupação a respeito da repartição dos papeis familiares, pois se fosse essa a intenção, teria estendido também ao pai adotivo a licença obrigatória, que corresponde ao período pós-parto (…)”.

Muito antes da promulgação da Lei, a jurista Alice Monteiro de Barros (5) já defendia a inclusão da licença gestante para mãe adotiva, superando a concepção meramente biológica da maternidade e estendendo a licença pós-parto aos pais adotivos, concedendo-lhes o afastamento a partir do ingresso da criança no lar adotivo.

Apesar do surgimento da Lei que acrescentou o artigo 392-A na CLT, há que se ressaltar que aquela não se desprendeu do caráter biológico, pois fixou o tempo de licença de acordo com a idade do adotado, violando a igualdade e fixando discriminações, além da própria afronta ao conceito de criança do artigo 2º da Lei 8.096/90 (6).

Sob o viés constitucional, o artigo celetista viola a proteção constitucional da família, conforme os artigos 226, caput e parágrao 7º (7); artigo 227, caput e parágrafo 6º (8) da Constituição Federal.

Além das normas constitucionais mencionados acima, o artigo celetista afronta os próprios objetivos da Carta Magna (9) e o princípio da igualdade (10).

Quanto à questão da inconstitucionalidade o jurista Amauri Mascaro Nascimento (11) cita a tese de mestrado de Yone Frediani, a qual defende a inconstitucionalidade da norma com o fundamentando no artigo 5º, caput, da Carta Magna. Tal artigo traz a noção de igualdade, porém, neste particular cabe fazer um apontamento, pois a igualdade não deve ser somente a formal, mas a material, ou seja, buscar a real Justiça no sentido de que sejam respeitadas as diferenças entre as pessoas, contudo movendo-se pela razoabilidade, sob pena de causarem injustiças.

Fica evidente que o artigo 392-A (12) da CLT desrespeita princípios basilares da Republica Federativa do Brasil, bem como da norma especial sobre o tema, qual seja, o artigo 12 do Estatuo da Criança e do Adolescente, pois ao fixar o período de licença da empregada/segurada com relação à idade do adotado traz enormes desigualdades, além de desamparar os filhos maiores de oito anos e que ainda são crianças.

Sérgio Pinto Martins (13) acredita que o artigo é constitucional e o escalonamento dos dias de licença de acordo com a idade do adotado se dá de acordo com a atenção que deve ter uma criança de até um ano e outra de oito anos, sendo que esta última já tem certa sensibilidade da vida e já deveria estar na escola.

Data venia o posicionamento do jurista não condiz com a realidade, pois primeiramente não haveria necessidade de limitar o tempo de licença com relação à idade do filho adotado, visto que de toda forma, independente da idade do mesmo, haverá a necessidade do convívio com a nova família, visto que tanto uma pessoa com um ano de idade como outra de 12 anos passarão a conviver num novo ambiente.

A licença gestante para mãe biológica tem sua razão de ser, pois o recém-nascido necessita de cuidados com amamentação, o que favorece o aspecto nutricional e imunológico e proporciona maior interação entre mãe e filho, originando bem-estar, segurança e afetividade ao bebê, o que não ocorre no caso da mãe adotiva.


Ao deferir a licença somente em casos de adoção de crianças até a idade de oito anos completos, e ainda, de forma “escalonada”, “classificando” os destinatários da proteção materna substitutiva da maternidade biológica, faz-se temerosa discriminação, pois pessoas acima de oito anos não deixam de ser crianças segundo o ECA e, por conseguinte, de ter direito a receber a proteção integral indicada no artigo 227 da Constituição Federal.

Assim, num primeiro momento verifica-se a inconstitucionalidade do artigo 392-A da CLT por tratar desigualmente pessoas que são iguais, embora as idades não sejam, visto que todas ingressaram na nova família decorrente do mesmo fato, qual seja, a adoção.

Por tal motivo conclui-se que o doutrinador Sergio Pinto Martins equivocou-se nas suas razões sobre o acerto no escalonamento da licença, já que estudos sobre adoção indicam que, quanto mais avançada for à idade do adotado, mais complicada será a fase de adaptação à nova família, visto que a criança com maior idade tem uma maior compreensão da realidade, carrega maiores traumas, angustias e sofrimentos.

Uma segunda parte que deve ser pontuada é a questão dos parâmetros utilizados quanto à questão da utilização da palavra “criança”, pois o artigo 392-A da CLT permite a licença quando da adoção de criança, porém, limita a licença para as crianças com até oito anos de idade, violando a norma especial (ECA) e, por conseguinte, o artigo 2º da LICC (14).

Desta forma, não deveria haver o escalonamento por questões de igualdade já que o fato gerador tanto para adoção de crianças de um ano como de oito anos, por exemplo, é a mesma, ou seja, a adoção e o ingresso do adotado numa nova família.

Contudo, superada a inconstitucionalidade do escalonamento, deve ser modificada a idade limite, pois o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente é claro em fixar como divisor de águas entre a infância e a adolescência a idade de 12 anos incompletos e não oito anos como a CLT fixou.

Verifica-se, então, que a lei impõe redução do período da licença para a adotante em razão inversamente proporcional à idade da criança adotada ou sob guarda para este fim. Desta forma, através da aplicação desse escalonamento verifica-se que o legislador analisou a questão apenas sob o viés biológico e não com a necessidade maior ou menor de cuidados físicos, psicológicos e morais da mãe em relação ao adotado.

Verificando os pontos abordados no presente estudo, observa-se que a questão do escalonamento pautado na idade do adotado infringe a igualdade, pois em que pese às diferentes idades entre os adotados, o fato gerador é o mesmo, ou seja, a adoção, que traz à necessidade de adequação da criança à nova família, independentemente da idade deste.

No que se refere à mãe biológica o período de 120 dias de licença tem razão de ser, pois através da amamentação é que o recém-nascido conhece sua mãe e, por conseguinte obtém a segurança necessária. Contudo, analisar o escalonamento da mãe adotiva sob o prisma biológico não tem procedência, visto que a mãe adotiva não se comunicará com o filho pela amamentação, mas pelo convívio físico e, para este, não há limite de idade.

Assim, não há que se ter escalonamento na licença em decorrência da idade do adotado, mas assim existindo há que se estender a licença à criança com 12 anos incompletos (artigo 2º do ECA), restando por inconstitucional o artigo 392-A da CLT, pois a igualdade não está sendo respeitada nos dois aspectos abordados, qual seja, o não escalonamento e desigualdade no conceito de criança em relação a lei especial.

Referência

1. Marcelo Scomparim, Advogado Trabalhista, Graduado pela UNIVEM, Pós-Graduando em Direito do Trabalho -PUC/SP e Pós-Graduando em Direito Previdenciário – EPD
2. Lei nº 10.421, de 15 DE abril de 2002 – Estende à mãe adotiva o direito à licença-maternidade e ao salário-maternidade, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991


3. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 – Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
4. Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 4º Ed, editora LTR, 2008, pagina 1086
5. Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 4º Ed, editora LTR, 2008, pagina 1085
6. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade.
7. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. parágrafo 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
8. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
9. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
10. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
11. Nascimento, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 23 Ed, editora saraiva, 2008, pag. 1044
12.
Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5º. (Acrescentado pela L-010.421-2002) § 1º No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias. § 2º No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias. § 3º No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias.
13. Martins, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23, Ed, editora Atlas, 2007, pag, 592
14. Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro

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