Administração conjunta

Sistema de pensão reduz o pai a um mero pagador

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10 de setembro de 2009, 5h55

A lei que dispõe sobre alimentos é a 5.478 do ano de 1968. Ressalte-se que estamos quatro décadas à frente da época em que a lei tornou-se obrigatória no Brasil. Trata-se de legislação especial. Portanto, é aplicada quando o assunto for alimentos. Claro que sempre em observância aos princípios contidos na Constituição Federal e no atual Código Civil.

Hoje o cenário social, político e econômico é totalmente diferente quando comparado ao período de início da vigência da lei. Grande parte dos pais de outrora não expressavam a preocupação de cuidar e participar da vida dos filhos. Isso era considerado tarefa tipicamente feminina. Felizmente o tempo passou e a própria psicologia reconheceu a necessidade de participação dos pais na vida dos filhos. Assim, todos foram beneficiados.

Em resposta às transformações sociais houve alteração do Código Civil de 1916. Em especial, quanto à guarda e aos alimentos estabelece, in verbis:

Art. 1.579 — O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.

A bem da verdade, é importante que fique claro que o término da união estável, a separação judicial e o divórcio não modificam os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.

Para regular a nova situação dos pais, o Código Civil esclarece:

Art. 1.589 — O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Torna-se imprescindível enfatizar que os deveres dos pais são os mesmos, ou seja, casados, separados judicialmente, divorciados, conviventes ou não, ambos são responsáveis pela guarda e o sustento dos filhos nos termos do Código Civil:

Art. 1.566 — São deveres de ambos os cônjuges:
IV — sustento, guarda e educação dos filhos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê a igualdade no sustento, na guarda e na educação dos filhos:

Art. 21 — O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Art. 22 — Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Resta-nos identificar os sinônimos dos termos guarda, sustento e educação. Em síntese temos:

Guarda: vigilância, zelo.
Sustento:amparo material, manutenção.
Educação: polir, disciplinar, doutrinar, cultivar o espírito, ensinar etc.

Não é difícil compreender que ambos têm os mesmos deveres e direitos em relação aos filhos. Nada mais justo. Entretanto, o atual sistema de alimentos impõe algumas dificuldades aos pais que têm interesse no livre exercício do poder familiar responsável.

Explico: o atual sistema de pagamento de pensão alimentícia reduz o pai a um mero pagador, a um depositante que deve cumprir sua obrigação mensalmente. Em contrapartida, atribui à mãe a típica função de administradora dos recursos.

A pergunta razoável é: descontar um X na folha de pagamento é o suficiente para o pai exercer o poder familiar com plenitude? É meio eficaz que permite a participação na vida dos filhos atentando sempre aos direitos assegurados na legislação? É crível que não. Não são raras as vezes que algumas mães se revestem do super poder de administradora e afastam os pais de qualquer escolha na vida do filho.

Em outras palavras, o pai cumpre o seu papel de manter as despesas dos filhos, mas não tem poder de participar da escolha da escola, das roupas, dos brinquedos, do plano de saúde etc. Ressalte-se que se esse mesmo pai convivesse com a mãe da criança provavelmente exerceria esse direito.

Muitos pais indignados com essa situação ajuizam ação de prestação de contas (sem êxito) para demonstrar ao Poder Judiciário que (muitas vezes) os valores pagos a título de pensão alimentícia superam as necessidades da criança ou o que é pior, são desviados de sua finalidade principal, o sustento da criança.

É chover no molhado afirmar que a sociedade sofre transformações. Contudo, para ratificar a mais do que surrada assertiva, ressalto que os pais de hoje trocam fraldas, higienizam seus filhos, preparam a mamadeira, acompanham a vida escolar, integram os filhos com os dos amigos etc. Logo, entendem que a participação completa na vida da criança é importante. Participar é um processo de escolha. Assim sendo, a visão de que apenas a mãe tem condições de escolher o que é melhor para os filhos é retrógrada, anacrônica e viola o princípio da isonomia.

A Justiça brasileira tem que assegurar aos pais a administração conjunta dos recursos destinados à criança, pois há impacto no exercício do poder familiar. A guarda pode ser concedida em favor de um dos pais, quando da impossibilidade de compartilhá-la por quaisquer que sejam as razões. Entretanto, o direito de participar, escolher e em último plano administrar conjuntamente deve ser observado.

Se ao pai (essa visão também merece ser reformada) cabe o dever de alimentar, diga-se o mesmo da mãe que atingiu nas últimas décadas grande destaque nos cenários social, político, profissional e financeiro. Acrescente-se ao detentor da guarda mais um dever com o valor inestimável: o de prestar contas quanto ao destino do valor recebido mensalmente. Há quem afirme que é impossível controlar com rigor as despesas dos filhos. Todavia, é oportuno ressaltar que a própria administração financeira faz parte da educação que deve ser ensinada à criança, pois gera responsabilidade sobre suas finanças. Ademais, se em grandes empresas há possibilidade de controlar os mínimos gastos, quiçá em uma família.

Há inúmeras formas de administração conjunta em prol da criança. Um exemplo clássico é a aquisição direta de produtos e serviços, ou seja, pensão in natura. O pai ou a mãe pagam diretamente as necessidades dos filhos, por exemplo, plano de saúde, mensalidade escolar, vestuário etc. Ressalte-se que essa forma evita abusos, garante ao destinatário a correta aplicação da verba e permite aos pais a razoável participação na vida da criança. Outro exemplo é o depósito da verba em uma conta bancária de titularidade da criança e/ou adolescente com a movimentação realizada pelos pais em conjunto para as despesas exclusivas da criança.

É medida de bom senso que os filhos tenham os pais como orientadores nos caminhos da vida. Esse valor deve ser ensinado desde a mais tenra idade, pois as crianças de hoje decerto assumirão o controle social vindouro e, já que isso é indubitável, deverão fazê-lo com fundamento na ética e na máxima independência que para ser atingida necessita de controle, disciplina, discernimento, empenho e participação.

Há quem pense o contrário, mas os alimentos também têm caráter educativo. Assim sendo, os pais devem ter participação simultânea no processo de gestão da verba, ainda que apenas um seja o responsável pelo pagamento das despesas da criança (depósito mensal).

Ao assumirem essa postura decerto minimizarão os riscos de terem filhos eternamente dependentes e incapazes de amparar alguém que um dia esteja sob a sua guarda, sustento e educação.

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