Contrato de exclusividade

Professor com dois empregos responde por improbidade

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8 de setembro de 2009, 17h16

Um professor da Universidade Federal do Ceará vai responder ação por improbidade administrativa por desrespeitar o regime de dedicação exclusiva à faculdade. Além das aulas, ele também trabalhava como médico. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região aceitou a ação proposta pela Ministério Público Federal.

Em primeira instância, a ação havia sido rejeitada. Para o juiz, o fato de o professor desempenhar atividades profissionais de saúde em outros estabelecimentos enquanto mantém contrato de dedicação em tempo integral com a universidade poderia configurar simples irregularidade, mas não improbidade administrativa, uma vez que não trouxe prejuízo ao erário e às atividades acadêmicas desenvolvidas pelo professor.

No parecer apresentado pela Procuradoria-Regional da República da 5ª Região, o MPF destacou que as provas apresentadas na ação eram suficientes para comprovar a prática de improbidade administrativa e que o julgamento da ação logo após a defesa preliminar do réu comprometeu o direito do MPF e da universidade de produzir novas provas.

Para o Ministério Público, novas provas poderiam ser obtidas no processo, como o testemunho de professores que não concordassem com a atitude do colega e de alunos insatisfeitos com a sua atuação, prejudicada pelas ausências decorrentes da profissão liberal de médico.

Com a decisão do TRF-5, a petição inicial da ação deverá ser recebida pela Justiça Federal em primeira instância, que dará andamento ao processo contra o professor. Se for condenado, ele poderá ser obrigado a devolver aos cofres públicos as gratificações recebidas indevidamente pelo regime de dedicação exclusiva que não cumpriu.

Regime de trabalho
Como professor universitário em regime de dedicação exclusiva, o réu recebia gratificação especial que o obrigava a prestar 40 horas semanais de trabalho em dois turnos diários completos e o impedia de exercer outra atividade remunerada, pública ou privada, conforme o artigo 14, I, do Decreto 94.664/87.

Apesar das restrições do regime de dedicação exclusiva, de acordo com o MPF, o professor exercia a atividade paralela de médico integrante da Cooperativa dos Médicos Neurologistas e Neurocirurgiões do Ceará (Coopneuro) e da Unimed Fortaleza. Segundo ele, sua atuação na medicina se deu de forma eventual e esporádica, sem prejuízo à Faculdade de Medicina.

Para o MPF, ao descumprir norma expressa de seu regime de trabalho, o professor cometeu ato de improbidade administrativa e atentou contra os princípios importantes da administração pública: lealdade, moralidade e legalidade. Além disso, o desrespeito ao regime de dedicação exclusiva representou enriquecimento ilícito do docente e gerou prejuízo aos cofres públicos.

“O réu atuava em outra atividade profissional, quando deveria estar permanentemente dedicado à atividade docente, aperfeiçoando-se, aprimorando as aulas e atividades que ministrava, escrevendo artigos científicos, pesquisando, tudo em prol do desenvolvimento universitário, como é próprio do regime de dedicação exclusiva. Era para esse fim que o réu percebia adicional em sua remuneração”, afirmou o procurador-regional da República Wellington Cabral Saraiva, representando o MPF.

A prática não é incomum e ganhou espaço com a ascensão de líderes e ativistas sindicais no governo petista. Uma rápida pesquisa nos currículos registrados na plataforma Lattes mostra casos como o do paulista Walter Souza Júnior. Ele exerce, simultaneamente, duas atividades em regime de “dedicação exclusiva”. Em período coincidente concluiu doutorado em Comunicação na USP e, ainda, empreende a “catalogação e abálise (sic) de mais de seis mil processos de censura prévia ao teatro, reunidos pela Divisão de Diversões Públicas do Estado de São Paulo, de 1930 a 1970”, em uma pesquisa financiada pelo CNPq. Clique aqui para conferir. 

Um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que dispõe sobre a atividade de docentes em regime de dedicação exclusiva foi objeto de circular do MEC enviada a reitores das universidades federais. Segundo o acórdão 1.651/2005 da 2ª Câmara do TCU, proferido em sessão extraordinária no dia 6 de setembro de 2005, é vedada aos docentes em dedicação exclusiva (DE) a participação em outras atividades não esporádicas, “inclusive a prestação de serviços, remunerados ou não, para as fundações de apoio”.

Para os docentes que desejarem exercer esse tipo de atividade, o TCU orienta que optem pelo regime parcial (20 horas semanais) ou integral (40 horas semanais,  sem dedicação exclusiva à docência e pesquisa), “sempre sem prejuízo de sua jornada de trabalho normal na instituição federal de ensino superior a que servem”, e “com a consequente perda do acréscimo remuneratório devido à dedicação exclusiva”.

Na USP, a atuação de docentes em regime de dedicação exclusiva (RDIDP) em atividades das fundações privadas é viabilizada pela polêmica flexibilização desse regime no estatuto da universidade (capítulo II, artigo 89 e resolução 4542/98, artigo 15). A constatação de que os cursos pagos oferecidos na USP empregam docentes em RDIDP integra a exposição de motivos da Adusp na representação que encaminhou ao Ministério Público Estadual e que deu ensejo à ação civil pública movida pelo promotor de justiça Luis Fernando Rodrigues Pinto, da 8ª Promotoria da Cidadania da Capital. Com informações da Assessoria de Comunicação Social da Procuradoria Regional da República da 5ª Região e da Adusp .

Leia trechos do Acórdão

9.3.1 – Consoante dispõe o artigo 4° da Lei n° 8.958, de 20/12/94, c/c o disposto no art. 14 do Decreto nº 94.664, de 23/07/87, deve ser rigorosamente observada a vedação à realização de outras atividades de caráter não esporádico pelos docentes que atuam naquelas instituições em regime de dedicação exclusiva, devendo essa vedação alcançar inclusive a prestação de serviços, remunerados ou não, para as fundações de apoio àquelas instituições; e

9.3.2 – os professores que desejarem, sempre sem prejuízo de sua jornada de trabalho normal na instituição federal de ensino superior a que servem, exercer outras atividades de caráter não esporádico deverão optar, quando juridicamente possível e do interesse da Administração, pelo regime parcial de 20 horas semanais (art. 14, II, do Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Emprego) ou regime integral de 40 horas semanais sem exclusividade de dedicação (art.14, § 2°, da mesma norma), com a conseqüente perda do acréscimo remuneratório devido à dedicação exclusiva, prevista no artigo 31, § 5°, alínea a, do Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos.”  

2008.81.00.008045-2 (AC 470.240 CE)

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