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JUSTIÇA NA HISTÓRIA

Clovis Bevilaqua, um senhor brasileiro (4)

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25 de setembro de 2009, 12h08

Spacca
Coluna Cassio Schubsky - SpaccaO jurista de visão panorâmica. O historiador. O literato. O filósofo. O professor. O exemplo de trabalhador infatigável. O ser humano afável e humilde. A vida e a obra de Clovis Bevilaqua compõem um quadro inteiriço de dedicação ao próximo e de culto ao Direito e à Justiça.

Para encerrar nossa série sobre o mestre cearense, no sesquicentenário de seu nascimento, passemos a palavra a alguns dos muitos intelectuais e operadores do direito que lhe renderam as mais diversas homenagens. Frases, reflexões e lembranças, pinçadas em diversas fontes e agora agrupadas.

"Não há glória mais pura do que a do eminente autor do nosso Código Civil; como não há na terra mais pura alma do que a sua. Para dizer tudo do dr. Clovis Bevilaqua, basta assinalar que não possui nem mesmo essa forma mais nobre da vaidade humana – a vaidade literária; não experimenta nem mesmo o mais santo dos orgulhos, o orgulho de sua obra, produto da sua pertinácia, só igual ao seu mérito.” 
Spencer Vampré

Clovis Bevilaqua foi, com Tobias Barreto, um dos nossos raros juristas-filósofos. Nutrido de doutrina, ele possuía uma concepção do mundo, que o conduzia na interpretação geral de seus fenômenos e do fenômeno jurídico em particular.
Hermes Lima

“Ele herdou e conservou ciosamente em si, numa síntese feliz, tudo quanto de bom, de espontâneo, de desprendido os manes daqueles ermos incutiram no ânimo de seus filhos. A simplicidade, a superstição e a resignação do sertanejo nordestino ante a fatalidade da natureza transfiguram-se, na candidez daquela alma, em doçura, em tolerância, em espírito de justiça, tocado por uma bondade sem limites.”
Carneiro Leão

“Clovis, na amplitude da sua obra, além de civilista, filósofo do Direito e estudioso da cultura e da literatura brasileira, foi também um internacionalista. Neste campo atuou não só na condição de doutrinador mas igualmente de formulador da prática brasileira do Direito das Gentes. (…) Destaco a condenação da guerra e a defesa da paz pelo Direito e pela promoção de uma cultura de paz, argumentos por meio dos quais Clovis, em pareceres de 1932 e 1934, sustentou a aceitação, pelo Brasil, do tratado anti-bélico proposto pela Argentina e a adesão do nosso país ao Pacto Briand-Kellog voltado para a proscrição da guerra. Não posso deixar de mencionar, como defensor da plataforma emancipatória representada pela afirmação de uma era de direitos humanos e sua vinculação à democracia e à paz, a admirável visão que Clovis manifestou em parecer de 1932, época de xenofobia e racismo crescentes como a nossa. Cito:  ‘O arbítrio dado ao Governo, para limitar ou suspender a entrada, no território nacional, de indivíduos pertencentes a determinadas raças, ou origens, não conquista a minha adesão.  Não me parece fundada em bons motivos morais e científicos a classificação das raças em superiores e inferiores; e deixar à fantasia de dominadores de ocasião o direito de selecionar, depreciativamente, os grupos étnicos não se harmoniza, creio eu, com a boa política, segundo a definiu José Bonifácio.” 
Celso Lafer

O maior jurista brasileiro.
César Asfor Rocha

Divulgação
Foto - Clóvis Beviláqua - Divulgação“Clovis Bevilaqua, o artífice incomparável de nosso Código Civil.
(…)
O dom de síntese, que se estadeia em todas as suas obras, desde as suas primeiras monografias sobre o Direito da Família, das Sucessões e das Obrigações até o Direito das coisas, publicado aos 83 anos, derradeira mas não menos valiosa pérola de um precioso colar, atinge o seu momento culminante nos comentários límpidos e sucintos do Código Civil, exemplo admirável de sacrifício do supérfluo para que não houvesse sombras perturbando o pensamento essencial.”
Miguel Reale

“Sua vida, humilde e honesta, é um exemplo de dedicação ao Brasil. (…) Quanto mais necessitado ele estivesse, mais firme era o seu caráter, mais resoluto o seu pensamento, mais inabalável a sua diretriz de honra profissional. (…) Sua devoção republicana, sua vocação de democrata, são acontecimentos inseparáveis de sua vida e de sua obra.”
Freitas Nobre

Em um país onde a maior parte dos homens de talento vive dominada pelo pessimismo, é consolador encontrar-se um Clovis Bevilaqua. A sua vida laboriosa e a serenidade do seu espírito não têm sido negativos.”
Araripe Júnior

Infatigável obreiro da renovação do direito.”
Lacerda de Almeida

“Pela doce integração com a natureza, pela ternura simples em que tudo sempre envolveu, pela infinita bondade, pelo infinito desinteresse, pela infinita pureza, por tudo isto, este homem era realmente um santo.”
Múcio Leão  

A elevação, a tolerância, a ductibilidade, a cultura de seu espírito revelam-se desde logo e conquistam-lhe o respeito de todos os que participam dos debates.”
Levi Carneiro

“Clovis Bevilaqua era a tolerância viva. Para ele todas as ideias mereciam respeito e meditação.”
Alcântara Nogueira

“O legislador do Código, o tratadista dos Comentários a esse Código, o didata dos límpidos compêndios, não tinha a visão curta dos praxistas; era enciclopédico, porque era humanista; e tirava de sua insaciável curiosidade intelectual a inspiração permanente para a luta, a doutrina, o ensino, a elucidação, o parecer, o livro e a mensagem.”
Pedro Calmon

“Sua vida inteira foi retilínea. Suas convicções, uniformes. Em período da monarquia, da primeira República e do regime autoritário depois da Revolução de 30, foi sempre o pregador da liberdade de opinião, do liberalismo, da federação, da República, da democracia, do voto popular, das liberdades públicas.”
Sílvio Meira

“Clovis Bevilaqua tornou-se um oráculo do Direito.”
San Tiago Dantas

“Esse velho de olhos quase cegos de ler, humilde de coração, mas cultor fanático dessa abstração poderosa que é a lei, ao fim de contas resulta muito mais importante e precioso para o patrimônio de sua terra de que todos esses valentões e leguleios. (…) Festejemos Clovis, reeditemos a sua obra, premiemos seus biógrafos e seus comentadores, e, da inhumação das suas cinzas na cripta do Fórum Clovis Bevilaqua em Fortaleza, façamos uma festa cívica que impressione os moços.”
Raquel de Queiroz

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    é formado em direito pela USP e em história pela PUC-SP, editor e historiador, é autor, entre outras obras, de "Advocacia Pública - Apontamentos sobre a História da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo".

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JUSTIÇA NA HISTÓRIA

Clovis Bevilaqua, um senhor brasileiro (1)

Autor

4 de setembro de 2009, 7h18

Spacca
Coluna Cassio Schubsky - SpaccaNeste ano, completam-se os 150 anos de nascimento de Clovis Bevilaqua. No Brasil sem memória, não é de se espantar que as homenagens a este grande brasileiro sejam restritas, tímidas, muito aquém de sua real importância e legado. Afinal, hoje em dia, lamentavelmente, pouca gente sabe, realmente, quem foi Clovis e qual a sua contribuição para o direito, para a democracia e para a cultura no Brasil.

Todos os bacharéis em Direito, desde 1917 e formados até, pelo menos, 2003, quando entrou em vigor o chamado Código Civil Reale, estudaram pelo antigo Código de 1916, cujo projeto foi da lavra de Clovis Bevilaqua. Seus comentários ao Código Civil Brasileiro, sobretudo, e sua defesa do Projeto de Código Civil Brasileiro tornaram-se obras célebres. Mas o tempo é implacável com a memória histórica, e mesmo os grandes juristas do passado tendem a ficar relegados ao esquecimento…

Ocorre que Clovis, além de civilista, teve destacada produção jurídica em muitos outros campos do Direito: Internacional Público e Privado, Constitucional e Legislação Comparada de Direito Privado, para citar alguns. E, homem eclético, produziu conhecimento em diversas outras áreas do saber, como a História, a Filosofia, a Literatura, a Economia Política, a Criminologia…

Enfim, Clovis Bevilaqua foi um senhor brasileiro, que merece todas as nossas homenagens. Assim, neste e nos próximos três artigos, vamos rememorar alguns aspectos principais de sua vida e obra.

Divulgação
Foto - Clóvis Beviláqua - DivulgaçãoConstituinte
A família Bevilaqua tem origem italiana (nobre, segundo biógrafos de Clovis). O avó paterno de Clovis chegou ao Brasil ainda no século XVIII, instalando-se no Nordeste. O pai do jurisconsulto, o padre José Bevilaqua, foi vigário da cidade de Viçosa do Ceará, na serra de Ibiapaba, onde se casou de fato com a piauiense Martiniana Maria de Jesus. Desta união, entre outros filhos, nasceu Clovis, em 4 de outubro de 1859, em Viçosa do Ceará, a cerca de 350 km de Fortaleza.

O menino Clovis viveu até os 10 anos na terra natal, indo estudar depois em Sobral, Fortaleza e no Rio de Janeiro. Graduou-se, em 1882, pela Faculdade de Direito do Recife (que mais tarde se integraria à atual Universidade Federal de Pernambuco).

Trabalhou durante cinco anos como bibliotecário da Faculdade, tornando-se, depois, professor de Legislação Comparada e Filosofia do Direito. Filiou-se à Escola do Recife, corrente filosófica influente, comandada por intelectuais do porte de Tobias Barreto e Silvio Romero.

Em 1890, foi secretário de governo do Estado do Piauí. No ano seguinte, integrou a Assembleia Constituinte que redigiu a primeira Constituição Republicana do Estado do Ceará, chegando, inclusive, a presidir os trabalhos à época. Renunciou ao mandato, alegando descontentamento por ter sido voto vencido na propositura de um referendo popular para aprovação da Carta (tema atualíssimo, diga-se, que Clovis, visionário, trouxe à baila há 120 anos…).

Sebo do Messias
Código Civil do EUB - Clóvis Beviláqua - Sebo do MessiasO primeiro Código Civil
Retomou suas atividades de professor e articulista de jornais, publicando alguns de seus primeiros livros de literatura, filosofia do direito, história, direito civil e também um sobre economia política, até que, em 1899, foi convidado pelo então ministro da Justiça, Epitácio Pessoa (que depois viria a ser ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente da República), a redigir o projeto de Código Civil Brasileiro.

Aceitando a empreitada, Clovis Bevilaqua mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde passou a residir até sua morte, em 26 de julho de 1944.

Em apenas seis meses, elaborou o projeto encaminhado ao Congresso Nacional. A responsabilidade era enorme, porque algumas tentativas de codificação haviam sido malogradas, incluindo as de autoria de grandes jurisconsultos, como Teixeira de Freitas e Coelho Rodrigues. E mais: continuavam em vigor muitas normas jurídicas anacrônicas, a regular a vida civil brasileira, incluindo antiquados dispositivos legais que integravam as Ordenações do Reino. Não era, pois, tarefa simples sistematizar uma nova legislação civil, ainda mais em prazo curto.

Apreciado no Congresso Nacional a partir da virada para o século XX, o Projeto de Código Civil de Clovis sofreu duros ataques. A começar dos desferidos por Rui Barbosa, que objetou inúmeros reparos ao vernáculo empregado pelo jurista cearense. Travou-se debate público a respeito, e Clovis fez contundente sustentação escrita do projeto, transformada em sua obra Em Defesa do Projeto do Código Civil Brasileiro.

André Koehne/Creative Commons
Rui Barbosa - Caricatura - André Koehne - Creative CommonsPara alguns, Rui foi movido por despeito, pois gostaria, ele mesmo, de ter sido o autor do projeto. Para outros, o que motivou o magistral jurista baiano, principal redator da Constituição Republicana de 1891, foi o zelo com a elaboração legislativa, procurando o debate amplo e detido da matéria, para evitar uma aprovação açodada, que comprometesse o conteúdo de obra de tamanha envergadura, a primeira codificação civil do País.

Houve, entre os parlamentares, aqueles que fizessem reparos ao conteúdo do Código, que consideravam avançado, procurando reformar seus dispositivos, para que tivessem tom mais conservador – com destaque para Andrade Figueira.

Depois de exaustivos debates na Câmara Federal e no Senado da República, o projeto de Código Civil foi finalmente aprovado, em 1º de janeiro de 1916, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917, sobrevivendo até 2002, por 85 anos.

Miguel Reale, autor principal do projeto do novo Código Civil, aprovado em 2002 e que entrou em vigor em 2003, fez questão de assinalar os méritos da vasta produção bibliográfica e legislativa do mestre cearense:

“Clovis Bevilaqua, o artífice incomparável de nosso Código Civil.
(…)
O dom de síntese, que se estadeia em todas as suas obras, desde as suas primeiras monografias sobre o Direito da Família, das Sucessões e das Obrigações até o Direito das coisas, publicado aos 83 anos, derradeira mas não menos valiosa pérola de um precioso colar, atinge o seu momento culminante nos comentários límpidos e sucintos do Código Civil, exemplo admirável de sacrifício do supérfluo para que não houvesse sombras perturbando o pensamento essencial”. (Discurso de posse, em 21 de maio de 1975, na cadeira 14 da Academia Brasileira de Letras, a mesma ocupada por seu fundador, Clovis Bevilaqua)

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    é formado em direito pela USP e em história pela PUC-SP, editor e historiador, é autor, entre outras obras, de "Advocacia Pública - Apontamentos sobre a História da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo".

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