Barreira de ferro

Tramitação de projetos do pré-sal divide Congresso

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1 de setembro de 2009, 21h05

Os quatro projetos que definem o novo marco regulatório do petróleo devem ser aprovados o mais rápido possível pelo Congresso Nacional. Esta é a avaliação do presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB-AP), que considera mais que suficientes os 90 dias estabelecidos pela Constituição para que Câmara e Senado deliberem sobre os projetos. Sarney defendeu a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de utilizar o instrumento da urgência constitucional para acelerar a tramitação dos projetos no Congresso. As informações são da Agência Brasil.

“Se o presidente não tivesse mandado com urgência, dentro do Congresso iríamos transformá-los em projetos de urgência porque há, em todos nós, a consciência de que esse é um problema que quanto mais rápido a gente resolver e entregar ao governo os instrumentos de tocar o pré-sal, tanto melhor para o Brasil”, afirmou Sarney.

O presidente Lula afirmou nesta terça-feira (1/9) que, apesar do caráter de urgência do projeto de lei sobre o marco regulatório do pré-sal, é o Congresso Nacional que definirá o seu tempo de tramitação. Ele disse que não vai interferir no processo, mas pediu que sua aprovação seja feita “o quanto antes”.

O DEM, o PSDB e o PPS decidiram contra-atacar. Em reunião conjunta feita nesta terça, as lideranças afirmaram que tentarão obstruir todas as votações do plenário e das comissões da Câmara dos Deputados como forma de protesto pelo pedido de urgência constitucional do governo aos quatro projetos de lei.

Segundo o líder do PSDB, José Anibal (SP), a primeira medida será pedir ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), para conversar com o governo sobre a possibilidade de retirar o pedido de urgência na tramitação dos projetos. “Queremos o tempo necessário para discutir melhor as propostas do marco regulatório do pré-sal. O governo levou quase dois anos discutindo a matéria e quer que o Congresso vote em 90 dias. Isso não é possível. A obstrução vai até o governo abrir negociação sobre a retirada da urgência constitucional”, disse Aníbal.

Para o líder do PPS, Fernando Coruja (SC), o Congresso não pode votar uma matéria dessa natureza sem uma ampla discussão, até mesmo porque a proposta pretende mudar o modelo de exploração do petróleo. “Está ficando evidente que o projeto é eleitoreiro. O novo modelo só vai dar frutos lá para 2020. A urgência tem que ter uma justificativa, o objetivo não pode ser eleitoral”, afirmou Coruja.

O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), disse que é “inaceitável" a Câmara ser "atropelada" pelo Executivo, que impõe aos deputados 45 dias para votar os projetos do pré-sal. Segundo Caiado, a decisão dos partidos de oposição de obstruir as votações deve-se ao fato de não ser possível votar as matérias em 45 dias porque não dá para discuti-las nesse prazo. Só para as comissões especiais serem instaladas, são necessários em torno de três semanas e só aí vão mais de 20 dias, disse o deputado. “Estamos preparados para o debate e para a obstrução”, afirmou.

Já o líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP), defendeu a manutenção da urgência constitucional dos projetos como uma forma de não desviar o foco das discussões da proposta e dar celeridade a sua votação. “A urgência impede que sejam apensados outros projetos e evita a mudança de foco. As atenções ficarão voltadas para os projetos do marco regulatório.”Segundo o petista, a orientação do governo é não desfigurar os quatro projetos do pré-sal, embora o governo aceite mudanças do Congresso que visem a melhorar os textos, “mas sem alterar o eixo central das propostas”. Em relação à obstrução deflagrada pelo DEM, PSDB e PPS, o petista afirmou que respeita a decisão da oposição e considera que ela é legítima. “Essa não é a primeira, sem será a última vez que oposição vai obstruir votações.”

Vaccarezza informou que ainda não está definida a tramitação dos quatro projetos do pré-sal e nem quantas comissões especiais serão criadas para a análise das matérias. Segundo ele, já há certeza de que pelo menos para dois projetos serão criadas comissões especiais. No entanto, em relação aos outros dois ainda não tem uma definição.

Devem ser criadas uma comissão especial para analisar o projeto que cria o fundo, uma espécie de caixa que captará os recursos oriundos da exploração do pré-sal, e outra para analisar o que trata das regras de exploração do petróleo em regime misto com partilha e concessão.

De acordo com Vaccarezza, não está havendo briga pela relatoria dos projetos. Mas informou que se tiver quatro relatorias, o seu partido deve ficar com duas delas. Em relação aos dois projetos que já estão definidos que serão analisados por comissão especial, o líder disse que o PMDB deverá ficar com a relatoria do projeto que trata da partilha e o PT com o do fundo.

Interlocutores dos partidos da base governista dizem que o caso o PT fique com duas relatorias deverá indicar para os postos os deputados Arlindo Chinaglia (SP), ex-presidente da Câmara, e o deputado Antonio Palocci (SP), ex-ministro da Fazenda, por serem parlamentares de grande projeção.

Esses interlocutores dão como certa a escolha do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), como relator do projeto que cria regras de exploração com regime misto de partilha e concessão. Caso haja quatro comissões especiais, o PMDB poderá abrir mão da segunda relatoria para um deputado de partido da base aliada.

Em relação às presidências das comissões especiais, caberá ao presidente da Câmara, ouvindo os líderes partidários, definir os nomes que vão ocupar esses cargos.

Barreira constitucional
A distribuição de royalties para estados e municípios produtores está fixada na Constituição Federal e, por isso, não cabe ao Congresso Nacional mudar essa condição, pois as regiões produtoras têm domínio sobre o que fazer com o dinheiro. A opinião é do advogado Jorge Folena, do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Sociedade Brasileira de Geografia. A proposta do governo federal foi de que todos os estados e municípios participassem da distribuição dos royalties, sem privilégios aos produtores. Diante da resistência de alguns governadores, o presidente Lula recuou e decidiu beneficiar no projeto estados onde as reservas estão localizadas.

A regra constitucional, conforme Folena, procura compensar os estados que recebem os derivados de petróleo pela perda de receita porque, pela Constituição, não podem cobrar Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Impacto ambiental
A exploração da camada pré-sal vai liberar pelo menos três vezes mais gás carbônico que a camada pós-sal, de acordo com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. No entanto, o ministro afirmou que, “apesar de significativas”, as emissões elevadas não inviabilizam a exploração das novas reservas. Os textos enviados ao Congresso Nacional pelo Executivo não preveem nenhum tipo de esforço adicional para aumentar o controle de emissões de efeito estufa.

A saída, segundo Minc, é o desenvolvimento de tecnologias para garantir que o carbono do pré-sal não chegue à atmosfera. A mais cogitada e já em estudo pela Petrobras é a captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês). Em linhas gerais, o mecanismo permite retirar o carbono e “enterrá-lo”.

Na mão dos parlamentares
Os projetos de lei que instituem a exploração de petróleo na camada do pré-sal foram publicados no Diário Oficial da União desta terça. Os quatro projetos encaminhados pelo governo ao Congresso Nacional alteram a legislação atual que regulamenta a política energética nacional e as atividades referentes ao monopólio do petróleo.

A primeira proposta muda o sistema de exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos para o regime de partilha, quando o produto extraído é dividido entre o governo e a empresa responsável pela exploração. Atualmente, vigora o sistema de concessão, em que a empresa exploradora paga royalties sobre o produto extraído.

O segundo projeto autoriza a criação da empresa pública denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. (Petro-sal), que vai administrar a exploração do petróleo. O terceiro projeto cria o Fundo Social (FS), para onde irão os recursos obtidos pelo governo na exploração do pré-sal. Os rendimentos desse fundo vão financiar projetos sociais, ambientais e tecnológicos.

O quarto projeto autoriza a União a transferir os direitos de exploração para a Petrobras, em troca de pagamento em dinheiro ou títulos públicos. Na mensagem encaminhada ao Congresso, o governo propõe ao Senado autorização para contratar operação de crédito externo entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) para financiar parcialmente o Programa de Saneamento Ambiental dos Mananciais do Alto Tietê (Programa Mananciais).

Custo da exploração
O presidente Lula disse não estar preocupado com a descoberta de poços secos no pré-sal. Segundo ele, as informações existentes até o momento sobre as reservas “são as melhores possíveis”. “Só para você ter uma ideia, na Bacia de Campos, foram perfurados 13 poços e todos eles têm 100% de possibilidade de serem economicamente muito rentáveis para o Brasil, para a Petrobras e para os brasileiros.” As afirmações foram feitas em entrevista coletiva, depois do encerramento de encontro de empresários brasileiros e alemães, em Vitória, no Espírito Santo.

A exploração do petróleo da camada pré-sal deve exigir da Petrobras, nos próximos cinco anos, um investimento adicional de cerca de US$ 10 bilhões, além do orçamento previsto para o período, que é de US$ 30 bilhões. A informação foi dada pelo diretor financeiro da estatal, Almir Barbassa. “Não temos uma estimativa pronta, mas esses cinco bilhões [de barris de petróleo que serão destinados pela União à estatal, sem licitação] devem representar mais cerca de 30% do nosso orçamento, ou seja, mais US$ 10 bilhões”, afirmou Barbassa.

De acordo com o diretor, o montante não tem um impacto significativo nos próximos anos. No futuro, avaliou, a empresa terá condições de estimar mais claramente os custos da nova produção do pré-sal. “O impacto maior virá no futuro, quando teremos uma produção muito diferente da de hoje, com um fluxo de caixa maior, um rebalanceamento do conjunto de projetos. O pré-sal ganha mais peso no nosso portfólio, enquanto as demais áreas começam a diminuir.”

Segundo Barbassa, a Petrobras deve fazer uma capitalização para financiar essa exploração assim que o Congresso Nacional aprovar o novo marco regulatório do setor, enviado pelo governo, em regime de urgência. “Vamos trabalhar para ficarmos prontos para a capitalização, tão logo tenhamos a lei aprovada”, disse. Ele informou que a operação pode ser feita em até menos de um mês” após a aprovação do projeto.

Privilégio estatal
O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, rebateu críticas sobre a  participação do Estado na exploração do pré-sal e defendeu o novo marco regulatório do setor enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional. Pela proposta, a Petrobras será a única operadora dos blocos abaixo da camada de sal. "Não tem menos transparência. Haverá um processo licitatório em que as empresas vão licitar a maior participação do lucro que vão dar a União", afirmou em relação ao modelo e partilha, no qual a empresa contratada empreenderá por sua conta as operações exploratórias e será reembolsada pelo governo com óleo e gás.

Para Gabrielle, o fato de o Estado aumentar a sua presença na gestão e no ritmo de desenvolvimento das atividades na área de petróleo é um fenômeno que está acontecendo no mundo inteiro. "Hoje, estamos vivendo uma situação de que o futuro apresenta uma grande possibilidade de escassez de petróleo. Ter acesso a reservas é um problema que interessa a todos os governos. Os estados produtores tentarão extrair o máximo possível da renda petrolífera. Quem pensar que o livre mercado vai determinar decisões de investimentos está em horizonte equivocado", completou.

Gabrielle também defendeu a participação da Petrobras na exploração do óleo abaixo da camada de sal, devido à capacidade de financiamento da empresa e, principalmente, ao acúmulo tecnológico na extração do óleo em águas profundas. Além disso, ressaltou que a estatal pode influenciar a cadeia produtiva do petróleo no país. "Somos, no mercado de águas profundas, o maior comprador do mundo de equipamentos e sistemas importantes. Dessa maneira, teremos um valor de escala gigantesco, que seria uma irresponsabilidade empresarial e nacional se não usássemos como poder de barganha para viabilizar a expansão da capacidade protutiva da cadeia de forncedores no Brasil", ressaltou.

José Sergio Gabrielli também disse que as oscilações das ações da estatal nesta segunda (31/8), dia em que as regras da exploração foram divulgadas, não estavam relacionadas ao envio do projeto de lei do novo marco regulatório do pré-sal pelo governo ao Congresso Nacional. De acordo com o presidente da empresa, a queda nas ações é normal diante do anúncio de alguma capitalização, que será necessária para financiar a exploração de 5 bilhões de barris do pré-sal, transferidos pelo União à Petrobras, como consta do novo marco regulatório.

“A grande queda ocorreu antes do anúncio”, disse Gabrielli, ao rebater a relação entre as cotações das ações e a apresentação do projeto de lei. Segundo Gabrielli, até o fim da manhã de hoje, as ações mostraram recuperação, em alta, “com três upgrades da Petrobras no relatório de analistas”, informou. “A queda tem muito a ver com que aconteceu na China no dia anterior e com o preço do petróleo”, explicou. “As ações hoje estão em alta. Então, não posso acreditar nessa suposição de que o mercado reagiu negativamente.”

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