Eficácia das ações

O papel do STF como Corte Constitucional

Autor

  • Carlos Eduardo Ortega

    é advogado em São Paulo e no Paraná especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo pela PUC-PR e membro da Comissão de Direito Tributário e de Precatórios da OAB – Seção Paraná.

30 de outubro de 2009, 8h05

Atualmente o Supremo Tribunal Federal caminha para um sistema precedencialista (stare decisis), como o existente nos países que seguem o sistema da commom law, sem, contudo, limitar o direito de ação ou de petição de todos os jurisdicionados, trazendo para o Poder Judiciário Brasileiro um sistema misto, criando certas vinculações aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, mantendo o livre convencimento de todos os julgadores e sem interferir indevidamente no Poder Executivo.

A postura do Supremo Tribunal Federal, especialmente a partir da Emenda Constitucional 45/2004 é a de valorização das suas decisões, quer seja no controle concentrado de constitucionalidade, quer seja no controle difuso de constitucionalidade, criando, dessa forma, um ambiente de maior segurança jurídica e de estabilidade institucional.

Dentro desse contexto histórico, no qual se busca uma maior efetividade processual, o Supremo Tribunal Federal ressurge de forma renovada no papel de Corte Constitucional, deixando de ser um tribunal de terceira ou quarta instância, assumindo de forma inconteste o seu papel de guarda maior e intérprete final da Constituição Federal.

Não valorizar as decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, mantendo “decisões de instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional (1)”

A propósito, o excelentíssimo ministro Gilmar Mendes, no seu voto no Recurso Extraordinário 328.812 ED/AM, é taxativo ao afirmar não ser admissível que o Supremo Tribunal Federal “aceite diminuir a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à interpretação” formulada pela Corte, pois “se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários” é que o Supremo Tribunal Federal viria apreciá-las, retirando de fato a efetividade do processo e trazendo insegurança jurídica.

Não existe razão para que o Supremo Tribunal Federal tenha que afirmar reiteradamente a correta interpretação que se deve dar à Constituição Federal, motivo pelo qual a Corte cada vez mais valoriza os seus precedentes, admitindo com maior facilidade os chamados leading cases, que apesar de não terem efeitos erga omnes e vinculantes como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a Súmula vinculante e a Repercussão Geral passam a ser utilizados como referência para se interpretar a Constituição Federal.

Essa valorização das decisões do Supremo Tribunal Federal pode ser observada de forma emblemática quando recentemente o excelentíssimo ministro Marco Aurélio suscita questão de ordem na ADC 18 (2), sendo acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandoski e Cezar Peluso, julgamento no qual se salientou que um Recurso Extraordinário deveria ser julgado com precedência em relação à referida ADC, pois a questão de fundo dos dois casos eram idênticas e o Recurso já estava devidamente instruído para julgamento. Julgamento este que resolveria a questão constitucional, trazendo os mesmo efeitos do julgamento da ADC, ou seja, no próprio recurso alcançar-se-ia a correta interpretação do preceito constitucional.

Portanto, observa-se que o Supremo Tribunal Federal vem adotando um caráter misto-precedencialista, vinculando todos às suas decisões prolatadas em sede de ADI, ADC, ADPF, Repercussão Geral e Súmula Vinculante; e preservando todas as garantias processuais dos jurisdicionados nas demais modalidades de ações, tornando-se uma verdadeira Corte Constitucional, guardiã da Constituição Federal, desde que sejam seguidos de forma adequada os precedentes da Corte.

Apesar da relevância da temática até o momento discutida, ela é apenas o intróito para uma questão de maior interesse, que é a utilização da Teoria da Transcedência dos Motivos Determinantes no controle concentrado de constitucionalidade.


A fundamentação de decisão do Supremo Tribunal Federal que resolve ação de controle concentrado de constitucionalidade, que tem efeito erga omnes e vinculante, frise-se, a fundamentação que resolveu a questão de fundo constitucional, deve ser obedecida obrigatoriamente por todos os órgãos do Poder Judiciário e da administração direta e indireta, o que implica na transcedência dos motivos determinantes do julgado, pois, caso contrário, retirar-se-ia a eficácia de ações como a ADI, ADC e ADPF, assim como dos institutos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante, transformando o Supremo Tribunal Federal, que é uma Corte Constitucional, em um Tribunal Ordinário.

Esse posicionamento é seguido pelo excelentíssimo ministro Joaquim Barbosa, na Reclamação 7.048 / PI (3), já admitiu a possibilidade da Transcedência dos motivos Determinantes em Reclamação Constitucional, citando, inclusive, precedentes do Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes:

Inicialmente, destaco que esta Suprema Corte tem, cada vez mais, firmado o entendimento de que é possível uma causa de pedir aberta em sede de reclamação porquanto tal instituto é voltado para a proteção da ordem constitucional (Rcl 6200 MC/RN; Rcl 6207 MC/AM e Rcl 6189 MC/MS). Sobre o tema, vale registrar o seguinte trecho da decisão monocrática exarada pelo presidente desta Corte nos autos da Reclamação 6200 MC/RN (DJU 6.2.2009):

A reclamação constitucional – ‘ sua própria evolução o demonstra ‘ – não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal Federal, mas também constitui-se como ação voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, já adotada pelo Tribunal, confirma esse papel renovado da reclamação como ação destinada a resguardar não apenas a autoridade de uma dada decisão, com seus contornos específicos (objeto e parâmetro de controle), mas a própria interpretação da Constituição levada a efeito pela Corte. A ampla legitimação e o rito simples e célere, como características da reclamação, podem consagrá-la, portanto, como mecanismo processual de eficaz proteção da ordem constitucional, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. E conforme o entendimento que se vem consolidando nesta Corte, quanto à consideração de uma causa de pedir aberta nas reclamações, nada impede a ampliação da análise do presente pedido, para considerar diretamente os fundamentos dos referidos mandados de injunção, ainda que o parâmetro formal de violação apontado pelo reclamante tenha sido a decisão na STA nº 229(…)

Na Reclamação Constitucional  2.363 / PA (4), o excelentíssimo ministro Gilmar Mendes ressalta que nas hipóteses de controle concentrado de constitucionalidade, o efeito vinculante das decisões não pode ficar limitado à parte dispositiva do julgado:

(…) muito embora o ato impugnado não guarde identidade absoluta com o tema central da decisão desta Corte na ADI 1.662, Relator o Min. Maurício Correa, vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados “FUNDAMENTOS DETERMINANTES”(…)” (Sem grifos no original)

Ademais, o Ministro Celso de Mello, admite a tese da Transcêndia dos motivos Determinantes ao julgar o pedido liminar da Reclamação n.º 4.416 / PI (5), que foi fundamentada nas ADIs 541/PI, 171/MG, 301/AC, 304/MA, 464/GO, 465/GO, 549/DF, 774/RS:

“Vê-se, portanto, que os atos judiciais de que ora se reclama parecem haver desrespeitado os fundamentos determinantes da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no julgamento das referidas ações diretas, precisamente porque, em tais oportunidades, o Plenário desta Suprema Corte reconheceu a impossibilidade de equiparação dos vencimentos de Defensores Públicos com aqueles percebidos pelos Membros do Ministério Público.

Na realidade, o caso versado nos presentes autos configura hipótese de violação do conteúdo essencial dos acórdãos proferidos nas aludidas ações diretas de inconstitucionalidade, pois o caráter vinculante, de que se reveste qualquer julgamento desta Corte, em sede fiscalização normativa abstrata, decorre não apenas, do que contém em sua parte dispositiva, mas alcança também, em razão da transcendência de seus efeitos, os próprios fundamentos determinantes das decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal no âmbito dos processos de controle concentrado de constitucionalidade.”


Além disso, a Ministra Cármen Lúcia, na Reclamação 5.389 – AgR / PA (6), assevera “é certo que, em alguma oportunidades, este Supremo Tribunal tem-se manifestado no sentido de que os fundamentos ou os motivos determinantes adotados em decisões proferidas em processos de controle concentrado de constitucionalidade são dotados de eficácia vinculante, e, portanto, capazes de ensejar o ajuizamento de Reclamação, na hipótese de serem desrespeitados por outros órgãos do Poder Judiciário ou da administração pública” tendo citado os seguinte precedentes: Rcl 2.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ 1.04.2005; Rcl 4.692-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJ 14.11.2006; Rcl 4.387-MC, Min. Rel. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ 2.10.2006; Rcl 4.416-MC, Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ 29.09.2006; Rcl 1.987, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.05.2004; e Rcl 2.291-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 1.04.2003.

Portanto, diante de todo o exposto, evidencia-se que, em face das atuais características do Supremo Tribunal Federal, deve vigorar a tese da Transcedência dos motivos determinantes, em relação ao controle concentrado de constitucionalidade, tendo-se em vista o efeito erga omnes desta modalidade de instituto, que vincula todos os órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, valendo frisar que somente devem transcender os motivos determinantes das decisões cujas fundamentações resolveram questões de fundo constitucionais, pois, caso contrário, retirar-se-ia a eficácia de ações como a ADI, ADC e ADPF, assim como dos institutos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante, transformando o Supremo Tribunal Federal, que é uma Corte Constitucional, em um Tribunal Ordinário.

Referências
1.
Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno – Min. Rel. Gilmar Mendes – RE 328.812 ED / AM – Data do julgamento 06.03.2008 – Dje 078 – Divulg 30.04.2008 Public 02.05.2008.
2. Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno – Min. Rel. Menezes Direito – ADC 18 QO / DF – Data do julgamento 04.02.2009 – Dje – 071 – Divulg 16.04.2009 Public 17.04.2009.
3. Supremo Tribunal Federal – Min. Rel. Joaquim Barbosa – Rcl. 7.048 / PI – Data do julgamento 01.04.2009 – DJ do dia 13.04.2009.
4.  Supremo Tribunal Federal – Min. Rel. Gilmar Mendes – Rcl. 2.363 / PA – Data do julgamento 23.10.2003 – DJ do dia 01.04.2005.
5. Supremo Tribunal Federal – Min. Rel. Celso de Mello – Rcl 4.416 / PI – Data do julgamento 25.09.2006 – DJ do dia 29.09.2006.
6. Supremo Tribunal Federal – Min. Rel. Cármen Lúcia – Rcl 5.389 / PA / PI – Data do julgamento 20.11.2007 – DJe 165 Divulg 18.12.2007 Public 19.12.2007.

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