Sala do juiz

Anamages questiona Estatuto da Advocacia

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30 de outubro de 2009, 11h14

A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) resolveu questionar a constitucionalidade de artigo do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) no Supremo Tribunal Federal. De acordo com a instituição, ao determinar que juízes recebam advogados, a lei cria uma obrigação aos magistrados. A entidade afirma que o pedido, no entanto, tem o objetivo de preservar o direito dos advogados.

O argumento da Anamages se baseia em decisão do  Supremo Tribunal Federal determinando que enquanto não for promulgado a Lei Complementar prevista no artigo 93 da Constituição Federal, que prevê o Estatuto da Magistratura, aplica-se o disposto pela Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/79). “Assim todas as obrigações dos magistrados que não estiverem previstas na Lei Orgânica da Magistrado somente poderão ser regulamentadas por meio de outra Lei Complementar”, afirma. Segundo a associação, não é possível criar obrigações para os magistrados por meio de uma lei ordinária, como ocorreu no caso da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia). 

A entidade ressalta que a Ação Direta de Inconstitucionalidade pretende adequar o direito do advogado de ser recebido pelo magistrado “aos princípios da ampla defesa, do contraditório e da razoabilidade”. “Há que se ressaltar que a declaração da inconstitucionalidade formal do inciso VIII do artigo 7º da Lei nº. 8.906/94 não extingue o direito dos advogados dirigirem aos magistrados pessoalmente. Pelo contrário, garantirá que a prerrogativa seja legitimamente exercida, em conformidade ao que preleciona a Constituição”, explica.

Leia o pedido.

EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

nos termos do art. 102, I, ‘a’, da C.F/88 c/c art. 2º, IX, da Lei 9.868/99.

em face do artigo 7°, inciso VIII da Lei n° 8.906/94, por ofensa aos artigos 5°, inciso LV, 5º, LXXVIII, 37, caput e 93, caput, todos da Constituição da República de 1988, e ao Princípio da Razoabilidade, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

  1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A NORMA IMPUGNADA

A presente ação direta de inconstitucionalidade tem como objetivo garantir que o exercício do direito previsto no art. 7°, inciso VIII da Lei n° 8.906/94 (direito de o advogado dirigir-se diretamente aos magistrados, independente de qualquer condição), seja exercido em conformidade com os preceitos constitucionais.

Busca-se, pois, defender os interesses da magistratura e dos advogados, de forma que a relação entre os representantes das referidas classes, que exercem funções de tamanha relevância para a justiça, seja a mais transparente possível.

O artigo art. 7°, inciso VIII da Lei n° 8.906/94 assim dispõe:

“Art. 7°. São direitos do advogado:

(…)

VIII – dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada”

A norma impugnada consiste, pois, em lei ordinária que, além de criar um direito para os advogados, impõe um dever para os magistrados, qual seja, o de receber os advogados a qualquer momento.

Os Magistrados, enquanto servidores públicos, possuem seus direitos e deveres estabelecidos em estatuto próprio, sendo que, por expressa disposição constitucional (art. 93, caput), o Estatuto da Magistratura deve ser previsto em lei complementar.

Não se pode criar obrigações para os magistrados através de lei ordinária, como ocorreu no caso da Lei nº. 8.906/94. Todas as obrigações devem constar de Lei Complementar, como é o caso da LC nº. 35/75, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN).

É de se observar que a LOMAN, em seu art. 35, IV, também prevê o dever de os magistrados receberem os advogados pessoalmente. A desnecessidade de prévio agendamento, no entanto, é restrita às situações de urgência.

Dessa forma, o que se busca através da presente ação direta de inconstitucionalidade é a adequação do direito do advogado ser recebido pelo magistrado aos princípios da ampla defesa, do contraditório e da razoabilidade.


Nesse contexto, é de extrema relevância que se condicione o exercício do direito previsto no art. 7°, inciso VIII da Lei nº 8.906/94 a um prévio agendamento e comunicação da parte ex adversa, exceto nos casos que se comprove a urgência, nos termos da CR/88.

2 – DO CABIMENTO

2.1 DA LEGITIMIDADE ATIVA – DA NATUREZA DE ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL DA AUTORA

Conforme estabelece o art. 103, caput, da CF/88, bem como o art. 2º, IX, da Lei 9.868/99, entidade de classe de âmbito nacional possui legitimidade ativa para propor ação direta de inconstitucionalidade.

Art. 103 da CF/88: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (…)

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Art. 2º da L. 9868/99: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (…)

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Analisando o art. 2º do estatuto da entidade autora, devidamente registrado, verifica-se que a ANAMAGES possui como finalidade institucional a defesa dos direitos da classe dos Magistrados Estaduais de todo o país, além de obviamente buscar, por meio de sua atividade associativa, a defesa e o aperfeiçoamento do funcionamento dos Poderes Judiciários Estaduais:

“a) defender os direitos, garantias, prerrogativas, autonomia, interesses e reivindicações dos magistrados que integram a Justiça dos Estados da Federação, ativos e aposentados, e de seus pensionistas;

b) defender o fortalecimento das Justiças estaduais como instituições indispensáveis à preservação do federalismo, da ordem jurídica e do regime democrático;

c) defender os princípios e garantias da Magistratura Estadual, sua independência e autonomia financeira, administrativa e orçamentária, e a preservação de sua competência própria, inerente ao regime federativo;

d) promover a representação e a defesa judicial e extrajudicial dos direitos e interesses dos seus associados, podendo, para tanto, ajuizar mandado de segurança, individual ou coletivo e outras ações judiciais, independentemente de autorização de assembléia;”

Como visto, o objeto da presente ADI é o art. 7°, inciso VIII da Lei n° 8906/94, que dispõe sobre o recebimento dos advogados pelos magistrados independentemente de prévio agendamento. Como será oportunamente demonstrado, o direito previsto no referido dispositivo deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, garantindo-se que o acesso aos magistrados seja exercido em observância ao Princípio da Ampla Defesa e do contraditório, exceto nas hipóteses em que ficar devidamente demonstrada a urgência, consoante dispõe o art. 35, IV da LOMAN.

É certo que a jurisprudência dessa corte tem restringido bastante a legitimidade de entidades de classe para propor ação direta de inconstitucionalidade como, por exemplo, exigindo que a entidade defenda interesses de categoria profissional, cujo conteúdo seja “imediatamente dirigido à idéia de profissão, – entendendo-se classe no sentido não de simples segmento social, de classe social, mas de categoria profissional” [ADI n. 89-3-DF; Rel. Min. Néri da Silvera]. Além do mais, não tem reconhecido legitimidade à entidade de classes de âmbito nacional compostas de pessoas jurídicas (verdadeiras associações de associações) [ADI n. 151-5/RS; Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 10 de maio de 1996, p. 15129]. No entanto, estas restrições não atingem a legitimidade da entidade autora.

Aliás, há precedentes desse Egrégio Supremo Tribunal Federal que admite como parte legítima para figurar no pólo ativo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, Associação de Magistrados de âmbito nacional.

Cite-se como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 2136 –DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, ajuizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), tendo sido a decisão de deferimento da medida liminar publicada no DJ nº. 27 do dia 09.02.2004.

É importante esclarecer que a referida Associação (AJUFE), assim como a autora (ANAMAGES), representam determinadas classes de Magistrados (a primeira os Juízes Federais e a segunda os Juízes Estaduais de todos os Estados do Brasil), ambas de âmbito nacional.


Podem-se mencionar ainda as seguintes ADI ajuizadas pela Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA): ADI 3291, DJMG 01.10.2004, Relatora Ministra Ellen Gracie; ADI 3308, Relator Ministro Gilmar Mendes; ADI 3250, DJMG 02.08.2004, Relator Ministro Marco Aurélio; ADI 3172, DJMG 18.05.2004, Relatora Ministra Ellen Gracie; e ADI 2885, DJMG 15.05.2003, Relatora Ministra Ellen Gracie.

Rememorem-se, ainda, ações diretas de inconstitucionalidade propostas pela própria autora, reiterando-se, portanto, a legitimidade ativa da ANAMAGES: ADI 3321, ADI 3486, ADI 3493. Enfim, conforme estatuto em anexo, a ANAMAGES tem a finalidade de defender os interesses de todos os magistrados integrantes da Justiça Estadual de primeiro e segundo grau em âmbito nacional. Assim, a ANAMAGES é entidade legitimada constitucionalmente a propor ADI.

2.2 DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA

A pertinência temática é requisito objetivo que consiste na existência de relação entre a atividade de representação da entidade legitimada como autora e o objeto próprio da ação.  Exige-se, portanto, que a entidade autora tenha interesse jurídico na pretensão que formula perante o Supremo Tribunal Federal.

Apesar de não haver norma expressa quanto a essa exigência, a jurisprudência dessa Corte já consolidou entendimento no sentido de que as entidades de âmbito nacional devem demonstrar a prova de pertinência temática para questionar a constitucionalidade de uma determinada norma: ver ADI 1.096-4 – RS – DJ, 22/09/95 p. 30.589, Rel. Celso de Mello.

Na presente ação, a pertinência temática é evidente, haja vista que o art. 7°, inciso VIII da Lei nº. 8. 906/94 cria uma obrigação para o magistrado, qual seja, receber o advogado a qualquer hora, independentemente de prévio agendamento. Cabe à ANAMAGES, pois, zelar para que a referida obrigação seja exercida em conformidade com os preceitos constitucionais.

Dessa forma, não há dúvidas acerca da pertinência temática e, consequentemente, do cabimento da presente ADI.

DO MÉRITO

3.1 DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ART. 7°, INCISO VIII DA LEI N° 8.906/94 – OFENSA AO ART. 93, CAPUT DA CR/88.

A Lei 8.906/94 passou a integrar o ordenamento jurídico com o fim de regulamentar a liberdade de exercício profissional contida no art.5º, XIII da CR/88, que é um direito pleno, mas passível de restrição por lei posterior, uma vez que se trata de norma constitucional de eficácia contida.

No entanto, embora a Lei ordinária Federal 8.906/94 regulamente o exercício profissional da advocacia estabelecendo direitos e obrigações para os advogados, o seu art. 7º, VIII, criou prerrogativa profissional que institui diretamente obrigação para os magistrados, qual seja, de receber advogados a qualquer momento, independente de qualquer condição.

Percebe-se, pois, que esse dispositivo criou relação jurídica bilateral, constituindo um direito para os Advogados e um dever para os magistrados.

Ocorre que o art. 93 caput da CR/88 reserva a Lei Complementar matéria que diga respeito a direitos e obrigações da magistratura. Esse Egrégio Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento no sentido de que enquanto não for promulgada a lei complementar prevista no art. 93, caput da CR/88, aplica-se à magistratura nacional o disposto na Lei Complementar nº. 35/79:

"Até o advento da lei complementar prevista no artigo 93, caput, da Constituição de 1988, o Estatuto da Magistratura será disciplinado pelo texto da Lei Complementar n. 35/79, que foi recebida pela Constituição." (ADI 1.985, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-3-05, DJ de 13-5-05). No mesmo sentido: ADI 2.580, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 26-9-02, DJ de 21-2-03; AO 185, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-6-02, DJ de 2-8-02)

Assim todas as obrigações dos magistrados que não estiverem previstas na LOMAN, somente poderão ser regulamentadas por meio de outra Lei Complementar.

Portanto, na medida em que o art. 7º, VIII da Lei 8.906/94 cria, através de Lei Ordinária, obrigação para os Magistrados, não há dúvidas de que atenta contra o art. 93, caput da CR/88, que reserva à Lei complementar a criação de obrigações para a Magistratura em geral.


O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que é inconstitucional, por ofensa ao art. 93 da CR/88, lei ordinária que regulamente os direitos e deveres dos magistrados:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Provimento n. 004, de 25-2-2005, da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que dispõe sobre o horário em que o magistrado pode exercer o magistério. Procedência, em parte. Constitucionalidade do art. 1º, que apenas reproduz o disposto no art. 95, parágrafo único, I, da Constituição Federal. Inconstitucionalidade formal, contudo, do seu artigo 2º, que, ao vedar ao magistrado estadual o exercício de docência em horário coincidente com o do expediente do foro, dispõe sobre matéria de competência reservada à lei complementar, nos termos do art. 93, da Constituição Federal, e já prevista no art. 26, § 1º, da LOMAN." (ADI 3.508-MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 27-6-07, DJ de 31-8-07)

Quando do Julgamento da referida ADI (nº 3.508) o Exmo. Ministro Carlos Brito, foi enfático ao reconhecer a impossibilidade de se interpretar conforme a constituição matéria formalmente inconstitucional:

“Senhora Presidente, a matéria é de reserva complementar. O consenso estaria no reconhecimento de que a matéria é de conformação legislativa complementar.”

O referido entendimento está consubstanciado no fato de que, ainda que inexista hierarquia entre as normas, em caso de antinomia, não se pode colocar no mesmo plano Leis Ordinárias e Leis Complementares. Assim, não se aplica aos conflitos entre tais atos normativos o previsto no art. 2º, § 1º da Lei de Introdução do Código Civil, que utiliza o critério temporal para solucionar as divergências entre Leis da mesma espécie (lei posterior revoga lei anterior).

É que a Lei Complementar trata de matéria distinta da Lei Ordinária. Enquanto aquelas (Leis Complementares) tratam sobre matéria determinada pela Constituição, as Leis Ordinárias tratam de matéria residual, ou seja, de tudo aquilo que a CR/88 não coloca como questão que dependa do quorum qualificado da Lei Complementar para aprovação.

Nesse sentido, são os ensinamentos de Alexandre de Moraes:

“(…)O segundo argumento, tecnicamente corretíssimo, corresponde a um das diferenças entre lei complementar e lei ordinária. Enquanto a primeira tem reservadas as matérias pelas quais poderá ser editada, a segunda possui um campo residual de competência. Ocorre que o Direito como ciência não é estanque, e determinada matéria reservada à lei complementar poderá possuir tantas subdivisões, que em uma delas poderá acabar confundindo-se com outra residual a ser disciplinada por lei ordinária”.[1]

Nesse contexto, a Exma. Ministra Ellen Grace, quando do julgamento da ADI nº 2285 asseverou que é formalmente inconstitucional ato normativo diverso de Lei Complementar que discipline condutas inerentes à atividade judicante, por ofensa ao art. 93, caput da Constituição:

“Assim, entendo possuir o assunto em exame nítido caráter estatutário, intimamente ligado à conduta, à disciplina e aos demais deveres e vedações inerentes à atividade judicante, matéria prevista na Lei Orgânica da Magistratura (LC nº 35/79), cuja nova regulamentação estará sempre sujeita à regulamentação de Lei Complementar, conforme dispõe o art. 93, caput, da Constituição Federal(…)”

Observa-se que o art. 7º, VIII do Estatuto da OAB também trata de um dever inerente à atividade judicante, qual seja, da obrigação de receber advogados a qualquer momento, independentemente de qualquer condição:

“Art. 7°. São direitos do advogado:

(…)

VIII – dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada.”

No entanto a matéria nele tratada (recebimento de advogados pelos magistrados) encontra-se disciplinada no art. 35, IV da Lei complementar nº 35/79 (LOMAN):

Art. 35 – São deveres do magistrado: IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.


Dessa forma, não há dúvidas de que a promulgação do art. 7º, VIII da lei 8.906/94, configurou afronta ao art. 93 caput da CR/88. Cabe agora a esse Egrégio Supremo Tribunal Federal, no seu papel de último interpretador da constituição, resguardar a integridade do ordenamento jurídico brasileiro, reconhecendo a necessidade de a matéria ser prevista em Lei Complementar.

Há que se ressaltar que a declaração da inconstitucionalidade formal do inciso VIII do art. 7º da Lei nº. 8.906/94 não extingue o direito dos advogados dirigirem aos magistrados pessoalmente. Pelo contrário, garantirá que a prerrogativa seja legitimamente exercida, em conformidade ao que preleciona a Constituição.

Portanto, requer seja julgada procedente a presente ADI, de forma que somente nos casos de urgência o recebimento de advogados seja realizado sem prévio agendamento, nos termos do art. 35, VI da LOMAN.

3.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 7°, INCISO VIII DA LEI N° 8.906/94 – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DA RAZOABILIDADE.

O objeto da presente ação é o artigo 7°, inciso VIII da Lei n° 8906/94, que garante aos advogados o direito de dirigir-se diretamente aos magistrados, independentemente de requerimento prévio, o que ofende aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

É inegável que o art. 133 da CR/88 estabelece ser o advogado essencial à administração da Justiça. Suas prerrogativas de função são inafastáveis para a manutenção do Estado Democrático de Direito e balizamento do Poder Judiciário. Nessa esteira já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, por meio dos votos dos Ministros Maurício Correa e Gilmar Mendes, que reiterararam a imprescindibilidade do Advogado para acompanhamento de processo judicial e seu papel fundamental para o bom funcionamento do Judiciário, verbis:

“O artigo 133 da Constituição Federal disse-o indispensável à administração da justiça. Reconheceu que este profissional presta serviço público essencial ao funcionamento do Poder Judiciário.” HC n. 81517-1/SP

“ a Constituição Federal em seu artigo 133 e a Lei 8.906/1994, art.2º, definem a indispensabilidade do advogado no processo judicial – sendo esse direito líquido e certo a ser tutelado.” RMS- AgR-24.634-4/SP

A essencialidade do papel do advogado para o devido andamento da prestação jurisdicional é resguardada pelas prerrogativas elencadas no Capítulo II do Estatuto da Advocacia. No entanto, insta ressaltar que compreender tais prerrogativas como garantias absolutas levará fatalmente ao prejuízo de princípio fundamental da CR/88. Não há que se falar em Direito e Garantia Absolutas em um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, é o entendimento preconizado pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto proferido no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade:

“Em última análise, conforme pude demonstrar, o desempenho do munus público atribuído à Ordem dos Advogados deve ser compreendido de modo que o seu exercício esteja diretamente relacionado à realização e à garantia judicial efetiva de direitos individuais, coletivos e difusos constitucionalmente reconhecidos (CF, art.5º, XIII,XXXVI).” ADI 3.026-4 –DF 

No mesmo sentido o voto do Ministro Sydney Sanches no julgamento da ADI 1.127-8 – DF:

“ É certo que o art.133 da C.F. estabelece: o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Mas, obviamente, os limites da lei não podem desrespeitar os da Constituição, inclusive os já referidos, segundo os quais a honra de qualquer pessoa é inviolável e, se for violada, cabe ao ofendido o direito à reparação civil e à provocação da sanção penal.”       

O que se questiona na presente ADI é a necessidade de se compatibilizar o exercício da advocacia (princípio basilar do Estado Democrático de Direito) com os demais princípios da Constituição, sobretudo os princípios da ampla defesa e do contraditório, previstos no art. 5º, LV da CR/88.


É de clareza hialina que o princípio do contraditório e ampla defesa não podem ser prejudicados em virtude de entendimento que considere a prerrogativa do art. 7º, VIII, do Estatuto da Advocacia inquestionável e absoluta.

A manutenção da prerrogativa de acesso ao juiz sem prévio agendamento pode dar azo a provimento elaborado por juiz e advogado francamente prejudicial à parte ex adversa.

Os princípios, enquanto normas generalíssimas dentro do sistema são as imposições deontológicas que legitimam todo o ordenamento jurídico.

Nesse sentido dispõe brilhantemente o administrativista mineiro Desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, em seu artigo “O acesso dos advogados aos magistrados” publicado no sítio eletrônico:

“(…) a hermenêutica contemporânea consagra a aplicação dos princípios, com superioridade normativa às regras. Princípios são idéias gerais e abstratas, que expressam em maior ou menor escala todas as normas que compõe a seara do Direito.”[2]

O princípio do contraditório (inerente ao direito de defesa) decorre da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação.

Já o princípio da ampla defesa, também constitucionalmente garantido, deve abranger não só a defesa técnica, mas também a defesa efetiva, ou seja, a garantia e a efetividade de participação da defesa em todos os momentos do processo.

Cabe destacar as palavras de Jessé Torres Pereira Júnior no livro “O Direito à Defesa na Constituição de 1988 – O Processo Administrativo e os Acusados em Geral” (Renovar, 1991, p. 83):

“O art. 5º, LV, da Constituição Federal promulgada aos 05.10.88, assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País o direito à ampla defesa, cuja titularidade é cometida a dois sujeitos: a) os litigantes, tanto em processo judicial quanto administrativo; b) os acusados em geral.

O estudo que se empreenda acerca da disposição constitucional comporta dois grupos de conclusões, porquanto: a) os litigantes exercerão o direito à defesa sempre perante o Estado, quer tenha o processo por objeto controvérsia entre particulares ou entre estes e o próprio Estado; b) os acusados em geral exercerão o direito à defesa perante o Estado ou entidades cujos atos sejam de regência estatutária, tais como associações civis, estabelecimentos de ensino, organismos de controle das profissões, partidos políticos, condomínios, corporações religiosas, sindicatos.”

Tratando-se de processos judiciais, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório devem ser respeitados e consagrados em todas as suas etapas, pois são inerentes à garantia do devido processo legal.

Cabe, nesse sentido, destacar as palavras do Exmo. Ministro Eros Grau no Julgamento do RE-AgR.527.814-0/Paraná:

“Ademais, acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência fixada pelo Supremo no sentido de que os princípios do contraditório e ampla defesa, ampliados pela Constituição de 1988, incidem sobre todos os processos judiciais ou administrativos, não se resumindo a simples direito, da parte, de manifestação e informação no processo, mas também à garantia de seus argumentos serão analisados pelo órgão julgador, bem assim o de ser ouvido também em matéria jurídica. Nesse sentido, o MS nº23.550, Redator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 31.10.01, e o AI nº481.015, Relator o Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ de 8.9.06, entre outros.”         

Os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório podem ser definidos também pela expressão audiatur et altera parte, que significa “ouça-se também a outra parte”. É um colorário do princípio do devido processo legal, caracterizado pela possibilidade de resposta e a utilização de todos os meios de defesa em Direito admitidos. Assim, é inconcebível que um advogado tenha acesso ao magistrado, ao passo que o representante legal da outra parte não.


Em um estudo aprofundado sobre a Matéria, o já citado administrativista Rogério Garcia Medeiros de Lima, ao discorrer sobre a garantia do contraditório e ampla defesa no seu artigo “O acesso dos advogados aos magistrados”, fez a seguinte ponderação, analisando o Direito em outros países, que, assim como no Brasil, possuem em sua base constitucional a garantia da ampla defesa e do contraditório:

(…) Nesse sentido, prestigiando os princípios da ampla defesa e do contraditório, ao contrário do que prevê a ordem jurídica brasileira, nas cortes e juízos de primeiro grau, federais e estaduais dos Estados Unidos, o advogado somente é recebido pelo magistrado para entrevista previamente agendada e desde que acompanhado pelo advogado da parte contrária.

Semelhantemente ao previsto no Direito Americano, a Suprema Corte Argentina editou ato normativo prevendo que o advogado somente seja recebido pelo ministro em entrevista previamente agendada e desde que acompanhado pelo advogado da parte contrária.

A ampla defesa e o contraditório não são uma benesse do Estado aos seus governados, pois são uma questão de ordem pública, essenciais a qualquer país democrático.

O que se busca na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade é que o dever do magistrado e a prerrogativa do advogado prevista no art. 7º, VIII do Estatuto da OAB, respeitem os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Cabe aqui, ressaltar, as considerações da Ministra Fátima Nancy Andrighi quando da edição da Ordem Interna nº 01, do Superior Tribunal de Justiça, que tratou, entre outras questões, da necessidade de prévio agendamento para o recebimento de advogados:

“ Considerando, outrossim, que a ausência de uma disciplina legal acerca de tal prática apenas incrementa a necessidade de se garantir, em um procedimento informal, as mesmas garantias de paridade de armas que os litigantes têm em suas demais manifestações processuais, ainda em respeito aos incisos LV e LX do art. 5º da CF, sendo verdadeiro dever constitucional proporcionar tratamento isonômico entre as partes, conforme reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça no Projeto de Código de Ética da Magistratura, segundo o qual "O juiz, no desempenho de sua atividade, deve dispensar às partes tratamento materialmente igualitário, vedada qualquer espécie de indevida discriminação"

Além de ser importante e, diga-se de passagem, relevante, que o juiz receba advogados, é de extrema importância também que se garanta a transparência na atuação do Poder Judiciário.

Essa transparência somente pode ser alcançada através de um tratamento igualitário entre as partes, em observância ao princípio da Isonomia.

Portanto, o prévio agendamento não só tem o condão de cumprir os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, como também garantir maior credibilidade do Magistrado perante a sociedade, acabando com a má impressão que gera o recebimento de partes do processo às escuras em situações não-urgentes.

Nota-se que o prévio agendamento e a comunicação da parte contrária somente visam a dar efetividade à garantia do direito previsto no art. 7º, VIII da Lei nº.8.906/94, para que a relação direta entre o advogado e o magistrado respeite o que prevê a nossa Lei Maior.

É relevante observar que o exercício do referido direito em conformidade ao texto Constitucional não implica a possibilidade do perecimento de direitos que reclamam uma análise urgente.

É que continuará legalmente previsto, especificamente no art. 35, IV da LOMAN, a possibilidade de os advogados se dirigirem pessoalmente aos magistrados, condicionando a inexistência de prévio agendamento e comunicação à parte contrária às hipóteses que necessitam e possibilitem solução urgente.

         Requer, pois, seja julgada procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade para que o direito previsto no art. 7º, VIII do Estatuto da OAB seja exercido à luz dos princípios da ampla defesa e do contraditório, com o prévio agendamento e a comunicação da parte contrária, exceto nos casos de efetiva urgência, nos termos do art. 35, IV da LOMAN.


3.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 7°, INCISO VIII DA LEI N° 8.906/94 – OFENSA AO PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E AO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

É notório que o Poder Judiciário se encontra com uma estrutura administrativa defasada, razão pela qual um só magistrado é obrigado a acumular em suas mãos inúmeros processos. Esta situação faz com que a tramitação processual seja cada vez mais lenta, o que demanda maiores gastos pelo Poder Público.

Diariamente é noticiado que o CNJ vem implementando medidas que visam à desconstituição do velho brocardo “A justiça tarda mais não falha”.

Tais medidas têm como fundamento a garantia da duração razoável do processo, que, com o advento da Emenda Constitucional nº45/04, ganhou status Constitucional, passando a integrar o rol de direitos fundamentais do cidadão:

Art. 5º (omissis) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Ocorre que a regra prevista no art. 7º, VIII do Estatuto da OAB insurge em face da garantia da duração razoável do processo, tendo em vista que não só cria mais uma obrigação para o magistrado, mas uma obrigação deve ser priorizada em relação às demais.

Dessa forma, mesmo que o Juiz esteja em reunião ou se dedicando à prolação de uma sentença que demande um estudo criterioso dos autos, ele tem o dever de atender um advogado que lhe procure, vendo-se obrigado a reiniciar os trabalhos anteriormente executados.

Nesse sentido, explana o Exmo. Desembargador do TJSP Edison Vicentini Barroso:

Assim, abstração feita ao quanto já referido, mesmo na recepção de advogados para uma “conversa fora dos autos”, haver-se-á de adotar critérios, sob pena de se instaurar confusão. Está na Constituição Federal: meu direito vai até onde comece o do outro. Isto, sim, é democracia. Portanto, se um advogado, promotor ou juiz estiver em meio a uma reunião, ou mesmo à frente dum trabalho que, momentaneamente, se não possa interromper, não se deve forçar encontro, que, a par de inoportuno, seria contraproducente. Entender-se o contrário, respeitada da opinião, para mim, é remar contra a maré natural das coisas da vida – no que condiz àquilo que normalmente sucede.

Nesse contexto, não pairam dúvidas quanto ao fato de que a regra prevista no inciso VIII do art. 7º do Estatuto da OAB também é inconstitucional por ofensa ao art. 5º, LXXVIII da CR/88.

Mas não é só.  O Princípio da Eficiência, contido no art. 37, caput da CR/88, também traz ínsita a idéia de celeridade e simplicidade, sem descumprimento de prazos e outros meios que possam impedir que o processo cumpra sua finalidade.

Nesse sentido, são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:

A eficiência é, pois, antônimo de morosidade, lentidão, desídia. A sociedade de há muito deseja rapidez na solução das questões e dos litígios, e para tanto cumpre administrar o processo administrativo com eficiência. (CARVALHO FILHO, 2005, P. 60-61)

Cumpre ao magistrado, portanto, em atendimento ao princípio da eficiência, zelar pelo cumprimento dos prazos processuais, de forma que se garanta uma tramitação célere do processo. Assim, na medida em que a obrigação do magistrado atender ao advogado a qualquer momento impossibilita a observância dos prazos previstos na legislação processual, insurge-se também em face do art. 37, caput da CR/88.

Dessa forma, requer seja julgada procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 7º, VIII da Lei 8.906/94 por constituir ofensa aos princípios da eficiência e da duração razoável do processo.

4. DA MEDIDA LIMINAR

Quanto ao fumus boni iuris, há que se ressaltar que este se encontra devidamente demonstrado acima, em razão da ofensa ao art. 5º, LXV, ao art. 5º LXXVIII, ao art. 37 e ao art. 93, todos da Constituição de 1988.

Quanto ao periculum in mora, é evidente a necessidade da intervenção imediata do Supremo Tribunal Federal no intuito de suspender a eficácia do art. 7°, inciso VIII da Lei 8906/94.


Inicialmente, há que se ressaltar que a possibilidade do advogado dirigir-se ao magistrado independentemente de um prévio agendamento e da notificação à parte contrária configura ofensa a princípios basilares do Estado Democrático de Direito: o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Portanto, na medida em que são nulos os atos processuais praticados sem a observância de tais princípios, a futura declaração de inconstitucionalidade do dispositivo impugnado pode gerar a nulidade de diversos processos em trâmite.

Ademais, a enorme quantidade atribuições exercidas pelos Juízes impede a celeridade na tramitação dos milhões de processos que tramitam nos tribunais pátrios.

Ocorre que, o disposto no art. 7º, VIII da CR/88, não se apresenta como uma mera atribuição do magistrado, mas como um dever que prejudica o fiel e célere cumprimento das demais obrigações que competem aos Julgadores.

Atualmente, a adoção de medidas que “desafoguem” o Poder Judiciário apresentam-se ainda mais relevantes. É que foram criadas pelo CNJ metas que obrigam aos magistrados dar vazão a processos antigos, em observância à garantia da razoável duração do processo.

Destaca-se que no 2° Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram estabelecidos compromissos que tenham por objetivo a celeridade na prestação jurisdicional pelos Tribunais, entre os quais se encontra a Meta de Nivelamento n° 2, pretendendo identificar e julgar, na sua integralidade, os processos judiciais mais antigos, distribuídos até 31.12.05.

Como decorrência desse compromisso, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução Conjunta n° 01, de 04.8.09, determinando que os Tribunais, no que lhes coubesse, adotassem diversas medidas "voltadas à agilização e concretude da prestação jurisdicional”.

Dessa forma, não há dúvidas de que, diante do quadro atual, a suspensão dos efeitos do art. 7º, VIII da Lei 8.906/94 é de extrema relevância, de forma a permitir uma atuação eficiente pelos magistrados, garantindo-se o cumprimento das metas estabelecidas pelo CNJ.

Outrossim, é notório que o Poder Judiciário passa por um momento de descredibilidade, sendo que uma maior transparência na prestação de serviços, inclusive no que tange ao recebimento de advogados, é uma medida que trará benefícios imediatos à magistratura e a toda sociedade.

Assim, torna-se necessária a suspensão liminar e imediata do dispositivo em apreço, de forma que os processos sejam conduzidos em conformidade aos corolários previstos na Constituição da República.

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