Lacuna na lei

Os direitos autorais nas obras intelectuais sob encomenda

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29 de outubro de 2009, 9h20

São inúmeras as situações em que se faz a produção de obras intelectuais para outrem, sobretudo quando de vínculos empregatícios ou contratuais; argumentar a importância de estudá-las é, pois, irrelevante, especialmente porque, sobretudo com as novas tecnologias da informação e da comunicação, hodiernamente, a questão da titularidade e do exercício dos direitos autorais sob encomenda adquire crescente importância.

Tem-se, na doutrina, que o contrato de trabalho para produção de obra intelectual é aquele pelo qual o prestador, em troca de uma retribuição monetária, se obriga a criar, frente ao comitente, uma obra intelectual. Conceitualmente, há, numa análise macro, três formas de se conceber uma criação intelectual no escopo do trabalho ou da prestação de serviço:

· Na primeira, o resultado obtido pelo trabalho criativo é aquele previsto antes de sua realização, ou seja, decorre da própria natureza do trabalho acordado;

· Na segunda hipótese, o resultado ou produto obtido não tem qualquer relação com o contrato de trabalho ou prestação de serviço e, além disso, para sua feitura, não se utilizou recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador ou contratante;

· Na terceira e última situação, a criação realizada ou o resultado obtido decorre de uma contribuição pessoal do empregado ou prestador de serviço, desvinculada do que fora acordado entre as partes, mas há a utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador ou contratante.

No Brasil, essas regras aparecem, tal qual ou proximamente, disciplinas no artigo 4º da Lei 9.609/98 (Lei do Software) e nos artigos 88, 90 e 91 da Lei 9.279/96 (Lei de Marcas e Patentes), para as quais a titularidade da obra, na ausência de cláusula contratual em contrário, pertenceria exclusivamente ao empregador ou contratante (primeiro caso), exclusivamente ao empregado ou prestador de serviço (segundo caso) ou a ambos (terceiro caso). Contudo, no que rege Lei de Direitos Autorais, laguna subsiste, de modo que a Lei n.º 9.610/98 se omitindo a respeito.

Em diferentes legislações internacionais, os entendimentos a essa questão se mostram bifurcados. Em países de tradição jurídica anglo-saxônica, o direito de autor sobre obras realizadas em virtude de um contrato de prestação de serviço ou vínculo empregatício pertencem inicialmente ao empregado/contratado mas são considerados como cedidos ao empregador/contratante. Por outro lado, já na tradição do direito romano, o direito autoral, nas mesmas condições de feitura, pertence ao autor, a menos que o contrato de trabalho ou prestação de serviço estipule outra coisa.

Contudo, ainda que se dê ausência te tal estipulação, parece bastante conveniente a observância do costume regente, sobretudo, nas relações de subordinação jurídica, elemento caracterizador do próprio vínculo empregatício e de prestação de serviço. Nela se atribui ao empregador todo o resultado do trabalho assalariado, mediante a retribuição praticamente tão só consubstanciada numa remuneração.

Essa subordinação jurídica caracterizadora da relação existente entre o criador da obra sob encomenda e aquele que a encomenda (citada acima) parece, notadamente, ser o preceito norteador, mormente já haver sido explicitada na antiga Lei de Direitos Autorais (Lei 5.988/73, artigo 36) e ainda presente nas regras dos direitos autorais do /software/ e àquelas relacionadas às invenções e aos modelos de utilidade.

Todavia, ainda que haja a figura da titularidade autoral moral em relação à pessoa jurídica em diversas outras legislações, tais como a francesa, a espanhola e a russa, no Brasil a titularidade à pessoa física mostra-se regra.

Autor é a pessoa física criadora e o mero fato de encontrar-se numa situação de relação de contrato de trabalho ou prestação de serviço não muda sua natureza jurídica.

Esse entendimento corrobora-se com o próprio ensejo da criação do “espírito”, na proteção das relações pessoais e ideais do autor para com a sua obra, sem prejuízo dos direitos autorais de exploração que, segundo Pontes de Miranda, juntamente com os direitos autorais de personalidade e os direitos autorais de nomeação, formariam os três direitos básicos do autor, tríade, essa, geradora da estrutura dicotômica atualmente presente, cuja natureza jurídica bifurca-se num caráter híbrido: direito da personalidade — pelo atributo moral — e direito patrimonial — quanto ao aproveitamento econômico da obra.

Nesse sentido, o primeiro ponto — indiscutível — reside na titularidade moral da obra encomendada que, pela própria estrutura normativa e natureza jurídica será, notoriamente, do empregado ou prestador de serviço.

No que tange à titularidade patrimonial, na nova Lei de Direitos Autorais, em relação a esse mote, solução deve estar negociada no contrato de trabalho ou de serviço.

De qualquer forma, como linha mais coerente, entende-se pertencente ao empregado o direito autoral nos casos de obras produzidas durante o expediente, mas fora do escopo do contrato de trabalho, diferentemente daquelas produzidas dentro do acordado contratualmente — quer feitas no horário de trabalho ou fora dele – para o qual se credita titularidade ao empregador.

Reputa-se, ao empregado, o prestador de serviço, assim como ao empregador, o contratante. Nesse sentido, a lacuna da lei poder-se-ia ser resolvida com base na subordinação jurídica caracterizadora das relações de emprego e prestação de serviços, explanado alhures.

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