Cúpula do Judiciário

A competência recursal extraordinária do STF e do STJ

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29 de outubro de 2009, 14h47

O Recurso Extraordinário e a competência para julgá-lo, apesar de centenários[1], ainda são vítimas de incompreensões e mal-entendidos que chegam ao ponto de embaraçar o pleno exercício da jurisdição por parte do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça — que também exerce competência recursal extraordinária (CF, art. 105, III) — e distorcer gravemente o funcionamento desses órgãos de cúpula do Poder Judiciário.

Nas últimas décadas, nada contribuiu mais para essa distorção do que a ideia — radicalmente equivocada, como se demonstrará — de que o Supremo e o STJ, no julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial, estão sujeitos aos mesmos limites impostos às partes pelas normas que regulam o cabimento desses recursos.

Apesar de a situação haver-se agravado com o advento da Carta de 1988, o STF, antes mesmo da instalação do STJ, já havia preparado o caminho desse engano, ao se desviar da orientação contida no enunciado 456 da súmula de sua jurisprudência predominante[2], em torno do qual orbitará a maior parte do presente estudo.

Dada a simetria existente entre os artigos 102, III, e 105, III, da Constituição Federal de 88, tudo o que se disser a seguir sobre o Recurso Extraordinário e o Supremo considera-se aplicável, mutatis mutandis, ao Recurso Especial e ao Superior Tribunal de Justiça, e vice-versa.

A disciplina constitucional dos Recursos Extraordinário e Especial
As Constituições brasileiras, desde a de 1934, ao disciplinarem a competência recursal extraordinária do STF[3], utilizaram, basicamente, as mesmas palavras, dizendo caber ao Supremo “julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida…”. Desde a Carta de 1967, em vez de “em Recurso Extraordinário”, o constituinte vem manifestando preferência pela expressão “mediante recurso extraordinário”, não advindo daí qualquer mudança de sentido no comando normativo.

Na Constituição em vigor, o artigo 102, III, dá ao STF competência para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”; e o artigo 105, III, atribui ao STJ competência para “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

A ação de julgar recai sobre o objeto “causas decididas” e não sobre o termo “em (ou mediante) recurso extraordinário”, que tem função de adjunto adverbial. Bem compreendida, a norma estabelece que o julgamento da causa se dará, por meio de recurso extraordinário, se o Supremo entender que a decisão recorrida incidiu numa das hipóteses previstas nas alíneas do permissivo constitucional.

O que significa “julgar as causas decididas”: origens da Súmula 456 do STF
Ao investirem o Supremo de competência para rejulgar causas mediante Recurso Extraordinário, as diversas Constituições republicanas jamais admitiram a possibilidade de o tribunal resolver a questão de direito suscitada no recurso e mandar baixar os autos para o julgamento da causa pelas instâncias inferiores, nos termos da orientação por ele assentada.

Nesse sentido, com relação à Constituição de 1988, é a opinião inconteste de Barbosa Moreira[4]:

Note-se que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, em conhecendo do recurso, não se limita a censurar a decisão recorrida à luz da solução que dê à quaestio juris, eventualmente cassando tal decisão e restituindo os autos ao órgão a quo, para novo julgamento. Fixada a tese jurídica a seu ver correta, o tribunal aplica-a à espécie, isto é, julga “a causa” (rectius: a matéria objeto da impugnação), como rezam o artigo 324, fine, do regimento interno do Supremo Tribunal Federal — que não é mera norma “permissiva” —, e o artigo 257, fine, do regimento interno do Superior Tribunal de Justiça. Nisso se distinguem os nossos Recursos Extraordinário e Especial não apenas dos “recursos de cassação” de tipo francês, mas também do seu equivalente argentino, tal como tem funcionado na prática. Só quando o fundamento do recurso consista em error in procedendo é que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, ao dar-lhe provimento, anula a decisão da instância inferior e, se for o caso, faz baixar os autos, para que outra ali se profira. Salvo nessa hipótese, o acórdão do tribunal ad quem, seja qual for o sentido em que este se pronuncie, substitui, na medida em que se conheça da impugnação, a decisão contra a qual se recorreu: incide o art. 512.[5]

Esse entendimento é preponderante desde, pelo menos, a Constituição de 1934, em cuja vigência escreveu Matos Peixoto[6]:

Portanto, a Constituição investiu a Corte Suprema de jurisdição para julgar não somente a questão federal que dá lugar ao recurso, mas a propria causa em que essa questão seja suscitada. (…)

Investida a Corte Suprema de plena jurisdição para julgar a causa, instaura-se com o recurso extraordinário outra instância, a terminar com a sentença definitiva da mesma Corte.

Essa era também a orientação do próprio STF, sem embargo da limitação contida na parte final do artigo 193 do seu antigo Regimento Interno[7]:

Art. 193. No julgamento do recurso o Tribunal verificará preliminarmente se ocorre algum dos casos em que o mesmo é facultado. Decidida a preliminar pela negativa, não se tomará conhecimento do recurso; se pela afirmativa, julgará o feito, mas sua decisão, quer confirme, quer reforme a sentença recorrida, será restrita à questão federal controvertida.

Vale conferir, a propósito, o levantamento realizado por Augusto Cordeiro de Mello[8]:

Sobre o conceito de julgar a questão federal com a restrição prevista no art. 193 do Regimento, in fine, tem havido muitos pronunciamentos.

O ministro Orosimbo Nonato entendia que acima do dispositivo regimental está a disposição constitucional que manda que o Supremo Tribunal Federal decida a causa conhecido o recurso. E, ao seu ver, “só decidirá a causa, examinando os fatos, de que deriva o direito alegado”.

E argumenta: “Este destaque impõe-se na preliminar do conhecimento. Quando, segundo os fatos apurados soberanamente, a lei não foi ofendida, não se conhece do recurso, a federal question fica inexaminada. Se, porém, o Tribunal conhece do recurso, passa a ‘decidir’ a causa. Esta ‘decisão’ embora circunscrita aos termos da decisão local há de versar sobre o fato e o direito”. RE 7.836 (D.J., DE 24-3-1950, pág. 993).

Ainda o ministro Orosimbo Nonato no RE 14.458, julgado em 1º de junho de 1950, assim se pronunciou: “Constitucionalistas nossos, do mais elevado tomo, como Castro Nunes e Francisco Campos, entendem que, no Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal julga a causa, mas julga-a no plano inalterável de fato estabelecido pela justiça local. Desabraço-me, entretanto, dessa douta opinião para entender que, conhecido o recurso, o Supremo Tribunal julga a causa, como está na lei maior. Êsse julgamento abrange o fato e o direito. Nem a aplicação do direito é possível sem a apreciação do fato, que o origina: o facto jus oritur. (…)”.

Nesse julgamento o ministro Hahnemann Guimarães considerou que “admitido ao conhecimento da Turma o Recurso Extraordinário, transforma-se este tribunal na instância do mérito, em terceira instância de mérito, julgando inteiramente o caso. A Constituição afirma-o expressamente, quando diz no artigo 101, inciso III: ‘Julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância dos outros tribunais ou juízes’. Conseguintemente, admitido ao conhecimento o Recurso Extraordinário, a causa tem de ser julgada no mérito e elemento do mérito, condição da ação, requisito da tutela jurídica, é a legitimidade para a causa. (…) Assim, parece-me que ao Supremo Tribunal é lícito, em grau de recurso extraordinário, apreciar a legitimidade das partes ad causam, a legitimidade ativa ou passiva” (D.J., de 16-4-1952, pág. 1.968).

Decidiu o Tribunal Pleno, por acórdão de 12 de outubro de 1956 no RE 22.179 (embargos), relator o ministro Edgard Costa, que “superada a preliminar do conhecimento do recurso extraordinário, cabe ao tribunal reexaminar a controvérsia, com ampla atribuição de examinar os próprios fatos da causa, se entrosados com a questão federal”.

Também no RE 14.710 julgado em 21 de dezembro de 1949, o ministro Edgard Costa já assim se pronunciara: “Transposta a preliminar do conhecimento do recurso por qualquer dos fundamentos especificados no dispositivo constitucional que o autoriza, a Turma julgará a causa pelo seu merecimento, apreciando tôda a matéria debatida, provas e alegações consideradas na instância local” (D.J., de 27-12-1951, pág. 5.047).

Dessa jurisprudência[9] originou-se a Súmula 456 do STF: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.

“Julgar a causa” significa decidir concretamente a matéria objeto da impugnação, e não simplesmente assentar a tese com base na qual ela será decidida por outro órgão judicial. Como afirma Barbosa Moreira, não se trata de mera faculdade do STF; é sua competência, indelegável como toda competência. Outro órgão que lhe fizesse as vezes, além de proferir decisão passível de ser rescindida por vício de incompetência absoluta (CPC, art. 485, II), estaria usurpando sua competência.

Condições para o julgamento da causa: o que significa “conhecer” do recurso
O reconhecimento de que a decisão recorrida incidiu numa das hipóteses previstas nas alíneas do permissivo constitucional é condição necessária ao julgamento da causa. Neste ponto a competência recursal extraordinária se diferencia da ordinária: o pleno exercício da primeira — entendendo-se por “pleno exercício” a entrega da prestação jurisdicional mediante o julgamento da causa — só tem lugar se o STF reconhece previamente a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no artigo 102, III, da Constituição. Tendo chegado a essa conclusão, julgará a causa, a favor do recorrente ou do recorrido. Diversamente, o julgamento da causa no âmbito da competência recursal ordinária não envolve qualquer juízo prévio sobre a ocorrência, ou não, de contrariedade — ou risco objetivo de contrariedade[10] — ao ordenamento jurídico federal (constitucional ou infraconstitucional).

Uma vez reconhecida a contrariedade ou o risco de contrariedade ao ordenamento federal, o Supremo e o STJ não se limitam a assegurar a vigência ou restabelecer a correta interpretação da norma federal contrariada: a Constituição Federal os obriga a julgar a causa.

O julgamento do RE se divide, portanto, em duas fases. Na primeira, o STF examina, a partir das alegações deduzidas pelo recorrente — a quem o artigo 541, II, do CPC, impõe o ônus de demonstrar o cabimento do recurso —, se a decisão recorrida incidiu em qualquer das hipóteses relacionadas nas alíneas do inciso III do artigo 102 da Constituição. Se verificar que isto ocorreu, concluirá pelo cabimento do recurso e passará à segunda fase, que é a do julgamento da causa. O recurso é cabível desde que propicie o julgamento da causa.

A primeira fase termina com a decisão de conhecimento ou não conhecimento do recurso. Se entender que é cabível, o STF conhecerá do RE. Se entender que não é cabível, dele não conhecerá, ainda que para chegar a tal conclusão, na hipótese de recurso interposto com fundamento na letra ‘a’ do permissivo constitucional, tenha tido de examinar em profundidade a alegação de ofensa a dispositivo da Lei Maior (examinaremos, adiante, as críticas feitas pela doutrina à técnica de julgamento adotada pelo Supremo).

Conhecendo do recurso, o STF passa à segunda fase, que é a do julgamento da causa. Nessa fase, o Tribunal já não se limitará às questões de direito veiculadas no recurso, devendo apreciar todos os aspectos necessários à solução da demanda, respeitados, naturalmente, os limites da matéria impugnada[11]. Se o julgamento da causa for favorável ao recorrente, o Tribunal dará provimento ao recurso; do contrário, negar-lhe-á provimento.

Ausência de premissa fática necessária ao julgamento da causa
Na maioria dos casos, o julgamento, em Recurso Extraordinário, das causas decididas em única ou última instância se realiza sem que o STF necessite considerar outras questões jurídicas além daquelas que dão ensejo ao cabimento do recurso.

Por exemplo: o STF conhece do recurso, por entender que o acórdão recorrido contrariou a norma constitucional invocada pelo recorrente, e julga a causa aplicando essa norma ao caso concreto.

Hipóteses há, todavia, em que a solução da questão constitucional veiculada no recurso é insuficiente para a solução da demanda. O julgamento da causa poderá exigir, por exemplo, a apreciação de premissa fática não estabelecida pela instância ordinária.

Foi o que ocorreu na série de Recursos extraordinários em que se discutia sobre a constitucionalidade do art. 35 da Lei 7.713/88, que trata do imposto de renda devido pelo sócio cotista, acionista ou titular de empresa individual.

Ao enfrentar a matéria, o STF entendeu de fazer uma distinção que os Tribunais Regionais Federais não vinham fazendo: decidiu que o imposto era devido, no caso das sociedades por cotas de responsabilidade limitada, se o contrato social estabelecesse a disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na data do encerramento do período-base; e não era devido se o contrato não estabelecesse tal disponibilidade.

Como os Tribunais Regionais não faziam tal distinção, a premissa fática relativa à existência no contrato de cláusula relativa à disponibilidade do lucro não se achava estabelecida em grande número de processos (o ponto, afinal, só se tornara juridicamente relevante, passando a chamar a atenção do órgão julgador, com a solução dada pelo Supremo ao problema da constitucionalidade do art. 35 da Lei 7.713/88).

Desse modo, no julgamento do leading case (RE 172.058, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 30.06.95), o STF, depois de conhecer do RE — interposto com base na letra ‘b’ contra decisão que havia declarado a inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei 7.713/88 — e de fazer a distinção antes mencionada, determinou que a corte de origem concluísse o julgamento da causa, considerando, de um lado, a orientação assentada pelo tribunal e, de outro, a prova documental existente nos autos (isto é, a existência, no contrato social da empresa recorrida, organizada sob a forma de sociedade por cotas de responsabilidade, de cláusula estabelecendo a disponibilidade imediata do lucro líquido apurado).

Ou seja: o Supremo conheceu do Recurso Extraordinário, mas absteve-se de julgar a causa — o que exigiria o exame da prova documental —, determinando que o órgão de segundo grau o fizesse nos termos da orientação por ele firmada.

Para assim decidir, o Plenário se baseou nos seguintes fundamentos, constantes do voto condutor do julgado:

Por tudo, provejo parcialmente o recurso extraordinário. Havendo o Juízo e o TRF declarado a inconstitucionalidade linear do artigo 35 [da Lei 7.713/88], não tendo apreciado a causa considerado o contrato social da Recorrida, deixo de observar o verbete nº 456 que integra a súmula da jurisprudência predominante desta Corte, segundo o qual ‘o STF conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie’. Faço-o em consideração ao devido processo legal, à defesa das partes, porquanto, até aqui, não dirimida a lide à luz do citado contrato. Baixem os autos à origem para o julgamento cabível.

O ministro Marco Aurélio, relator, acrescentou ainda ao seu voto a seguinte explicação:

Senhor Presidente, integra a Súmula da Corte um verbete, o de nº 456, segundo o qual o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julga a causa, aplicando a lei à espécie.

O verbete pressupõe o julgamento da lide, consideradas as peculiaridades exsurgidas nas instâncias anteriores, o que não ocorre no caso dos autos. O Juízo declarou linearmente inconstitucional o artigo 35, e o Regional confirmou essa decisão. Por isso, entendo que a solução mais adequada para a hipótese concreta é a baixa dos autos para julgamento da lide, assentados os contornos quanto à inconstitucionalidade.

A mesma orientação foi seguida numa infinidade de casos (v.g., nos julgamentos dos RREE 204.205, 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 23.03.98; 185.743, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 04.03.97; 175.275, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10.12.96; 200.972, 2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 21.02.97); 233.486, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 06.10.98).

De acordo, portanto, com a linha seguida nessas decisões, o STF, conhecendo do recurso, só deve julgar a causa — como determina a Súmula 456[12] —, se puder fazê-lo à luz das “peculiaridades exsurgidas nas instâncias anteriores”. Do contrário – isto é, se for obrigado a ir além das premissas estabelecidas pela decisão recorrida, apreciando a prova existente nos autos –, deverá fixar a tese e determinar que o tribunal inferior a aplique ao caso concreto.

Poderes necessários ao julgamento da causa
Esse entendimento, porém, segundo nos parece, diverge da jurisprudência sumulada do próprio STF e contraria o artigo 102, III, da Constituição.

A Constituição, como vimos, dá ao Supremo competência para, mediante recurso extraordinário, julgar as causas decididas em única ou última instância. A Súmula 456, obediente à Constituição, diz que o STF, conhecendo do RE, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.

Assim, reconhecida a ocorrência de qualquer das hipóteses que viabilizam o cabimento do RE, e assentada a orientação sobre a questão de direito que ensejou sua interposição, o STF deve aplicar essa orientação[13] ao quadro fático estabelecido pelo acórdão recorrido.

Mas, se a instância ordinária não houver assentado a premissa fática decisiva para o julgamento da causa — como ocorreu na série relativa ao artigo 35 da Lei 7.713/88 —, o tribunal deverá examinar a prova existente nos autos, sem que daí advenha supressão de instância, cerceamento de defesa, quebra do contraditório ou violação ao devido processo legal.

Será isto possível? Entendemos que sim.

Nem a súmula 279, nem a Constituição proíbem o STF de reexaminar os fatos da causa, desde que isto seja indispensável para o seu julgamento — bem entendido: o julgamento da causa, e não o da questão constitucional veiculada no recurso extraordinário. O que a Súmula 279 estabelece é que “para simples reexame de prova não cabe Recurso Extraordinário”, e isto não se discute.

Uma coisa, porém, é dizer que o recurso é incabível para simples reexame de prova; outra é dizer que o STF, depois de reconhecer que o recurso é cabível, não possa formar um juízo originário sobre a prova, quando isto seja necessário ao julgamento da causa. Em algumas situações — e a série de casos mencionada bem demonstra essa possibilidade —, proibi-lo de formar esse juízo será o mesmo que impedi-lo de julgar a causa, o que infringiria o artigo 102, III, da Constituição.

Quem dá os fins dá também os meios. Se a Constituição deu ao Supremo competência para julgar as causas decididas em única ou última instância, deu-lhe também, forçosamente, o poder necessário para fazer esse julgamento.

As objeções de natureza processual-constitucional que se poderiam levantar ao imediato julgamento da causa pelo STF são facilmente respondíveis. Não seria caso de supressão de instância, pois se supõe que a causa já tenha sido julgada pela instância de origem[14]; não haveria cerceamento de defesa, pois a oportunidade para produzir provas já passou; não haveria quebra do contraditório, já que se cuidaria, unicamente, da aplicação do direito aos fatos provados nos autos; e não haveria, por fim, violação ao devido processo legal, pois na aplicação do direito aos fatos da causa consiste a própria essência da atividade jurisdicional.

Apreciação inevitável da prova no julgamento de Recurso Especial
Outro exemplo, relacionado à competência recursal extraordinária do STJ, pode elucidar melhor o ponto.

Suponha-se que tribunal de segundo grau tenha julgado procedente ação de repetição de indébito, entendendo dispensável a prova da assunção do ônus financeiro do tributo, e que, por haver adotado tal fundamento, não se haja pronunciado concretamente sobre a existência dessa prova nos autos. A fazenda interpõe recurso especial, alegando ofensa ao artigo 166 do Código Tributário Nacional[15]. No julgamento do REsp, a Turma reconhece a ofensa ao dispositivo legal invocado, afirmando a obrigatoriedade da prova dispensada pelo acórdão recorrido. Que faz, então, o STJ?

A Constituição diz que ele deve julgar a causa. Da mesma forma, o Regimento Interno do STJ dispõe, corretamente, no artigo 257, que “no julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.

Para o julgamento da causa, no entanto, é necessário saber se o autor fez a prova da assunção do ônus financeiro do tributo, prova, esta, não apreciada pelo acórdão recorrido. Não há error in procedendo que justifique a cassação dessa decisão.

Ao dizer que compete ao STJ julgar, em recurso especial, as causas especificadas no dispositivo, o artigo 105, III, da Constituição, não lhe dá outra saída: é preciso apreciar a prova. Em tal situação, o STJ seria obrigado a examinar os documentos dos autos para formar um juízo sobre os fatos que constituem a hipótese abstrata descrita em lei. O poder para realizar esse exame decorre da competência para rejulgar a causa.

Conclusão sobre a matéria passível de ser examinada no julgamento da causa
Assim como o exame dos fatos não é incompatível com o exercício da competência recursal extraordinária do STJ, não o é tampouco, nas mesmas condições — isto é, uma vez afirmado o cabimento do recurso —, o exame do direito local, da cláusula contratual, do fato e do direito superveniente, da matéria não prequestionada e de tudo o que seja necessário ao julgamento da causa.

Nada disso pode ser apreciado antes de se concluir pelo cabimento do recurso especial[16]; mas, superada essa fase, o STJ, como o STF, tem de julgar a causa, e não se deve supor que possa fazê-lo, sempre, a partir das premissas assentadas pelo acórdão recorrido. Não lhe é permitido, em princípio, rever as conclusões da instância ordinária sobre matéria de fato e de direito local; mas na falta dessas conclusões, o STJ terá de formar o seu próprio juízo a respeito, sob pena de não poder julgar a causa.

Deve-se insistir na idéia de que, ao estabelecer a finalidade da competência recursal extraordinária do STF e do STJ — julgar as causas decididas em única ou última instância —, a Constituição Federal não podia tê-los privado dos meios para desempenhar essa função. Tanto ao Supremo como ao STJ foi atribuído o poder de rejulgar as causas decididas pelas instâncias inferiores, isto é, as próprias causas, e não só os fundamentos das decisões que as julgaram.

A compreensão da competência recursal extraordinária não deve ser perturbada pelas limitações do instrumento que proporciona o seu exercício. A circunstância de a parte não poder alegar matéria de fato ou de direito infraconstitucional (federal ou local) para fundamentar o cabimento do recurso extraordinário não significa e não pode significar que o STF esteja impedido de examinar tais aspectos, se isto for necessário para o julgamento da causa. Entendimento diverso aleijaria a competência recursal extraordinária do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça.

Julgamento da causa: competência indeclinável do Supremo e do STJ
O entendimento de que a Súmula 456 não permite que o STF se pronuncie sobre matéria de fato, quando necessário ao julgamento da causa, não tem apoio na Constituição Federal e nem, como visto, na jurisprudência mais antiga do Tribunal[17].

Era essa a orientação dominante no STF, até o julgamento do RE 67.284 (Segunda Turma, rel. Min. Thompson Flores, DJ de 29.09.69), quando se decidiu, contra o voto do ministro Eloy da Rocha, conferir ao enunciado da Súmula 456 sentido incompatível com a orientação adotada nos precedentes que lhe servem de referência e com o texto constitucional.

Cuidava-se, então, de RE interposto contra acórdão que julgara improcedente ação revogatória de doação por descumprimento de encargo, sob o fundamento de não haver sido o donatário constituído em mora por meio de interpelação, notificação ou protesto. O STF conheceu do recurso — por divergência e contrariedade ao art. 961 do Código Civil[18] —, afirmando a desnecessidade da interpelação. Mas, em vez de julgar desde logo a causa — o que teria exigido a apreciação das provas relativas ao alegado descumprimento do encargo, matéria não examinada pelo tribunal estadual —, determinou o retorno dos autos à instância de origem a fim de que ali se prosseguisse no julgamento da apelação.

Transcrevo da decisão proferida nesse julgamento trechos do debate e dos votos proferidos pelo Min. Thompson Flores, Eloy da Rocha, Themistocles Cavalcanti e Adaucto Cardoso:

O senhor ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, a Súmula 456 enuncia o princípio: “o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

Quando se cuida de preliminar sôbre questão de prescrição, questão de carência de ação, provido o recurso, volta o conhecimento da causa à instância ordinária. Mas, no caso, o eminente relator examinou a questão de mérito.

O senhor ministro Thompson Flores (relator): O primeiro andaime do mérito.

O senhor ministro Eloy da Rocha: …a constituição em mora ou não. S. Exa. julgou que o devedor ficou constituído em mora (…). S. Exa., assim, entrou no exame e julgamento do mérito. A esta questão de mérito acrescentam-se outras, como a de saber se realmente não foi cumprido o encargo. Esta parte S. Exa. deixa para a instância ordinária. Pergunto: será possível separar-se o julgamento do mérito? Tenho dúvida a êsse propósito.

O senhor ministro Thompson Flores (relator): Procede, por inteiro, a dúvida do eminente ministro Eloy da Rocha. Ela também me angustiou. É porque a Súmula 456 não tem merecido pacífica exegese por parte do Supremo Tribunal Federal, julgados há que admitem que o conhecimento do recurso devolve, totalmente ao Supremo Tribunal Federal o conhecimento das questões; outros há mais reservados.

Filio-me à corrente mais discreta, a qual só aceita a apreciação das questões que mereceram consideradas na Instância a quo. Pensar de outra maneira seria admitir julgamento em instância única e na fase extraordinária. (…)

O senhor ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, proponho que se vote a preliminar: saber se, conhecendo do recurso, a Turma julgará a causa, ou somente parte. Fundou-se o pedido, primeiramente, em que houve mora de pleno direito, porque a obrigação era negativa. Em segundo lugar, em que a donatária não cumpriu o encargo, cabendo, em conseqüência, a revogação. O tribunal local apreciou a primeira questão. O eminente Relator conhece do recurso e lhe dá provimento, por entender que a decisão importou em negativa de vigência de lei, mas não examina a segunda questão.

O senhor ministro Thompson Flores (relator): Senhor Presidente, entendo que não posso ir além. Gostaria de fazê-lo, atento ao princípio da economia processual. Negaria, porém, o princípio da dupla instância. E com ele prefiro ficar.

(…)

O senhor ministro Themistocles Cavalcanti: Acompanho o eminente relator, porque o exame do mérito envolve matéria de fato que, a meu ver, não cabe no recurso extraordinário.

O senhor ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, data venia, mantenho o meu ponto de vista. Assiste razão ao eminente ministro Adauto Cardoso quando afirma que o Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário, não deve examinar os fatos. Essa matéria, apreciada pela instância ordinária, não será objeto de revisão no recurso. Por outro lado, tenho como princípio certo que, no momento em que o Supremo Tribunal Federal conhece, em grau de recurso extraordinário, do mérito, passa a examinar os fatos.

O eminente relator conhece do recurso. Entendo que, no caso, o conhecimento se deve estender à totalidade das questões.

O senhor ministro Adaucto Cardoso: Sr. Presidente, segundo ouvimos dos debates e segundo percebemos dos memoriais, a prova, neste caso, está toda condicionada por fatores de conhecimento de ordem legal: (…). Em suma, um conjunto de fatos cuja prova não terá sido apreciada senão pelo juiz singular e para cuja apreciação a instância ordinária local sem dúvida alguma estará muito mais capacitada. Sempre que o Supremo Tribunal Federal, como instância extraordinária, puder abster-se do exame aprofundado de fato, como em casos dessa natureza, agimos com prudência. Essa a razão pela qual estou de acordo com a preliminar do eminente relator, não usando dos poderes que nos confere a súmula, dado que no seu uso, se deve pôr muita discrição. [19]

A questão é saber se a Constituição admite que o Supremo, por prudência, discrição ou qualquer outro motivo, se abstenha desse exame, quando ele seja necessário ao julgamento da causa.

Como já demonstrado, a resposta é negativa. A Constituição não deu ao STF a faculdade de decidir, em cada caso, se julga ou não a causa. Não há espaço para juízos de conveniência e oportunidade. Competência não se delega; cabe ao legislador estabelecê-la e ao órgão jurisdicional exercê-la dentro dos limites estabelecidos.

Não cabe, em princípio, ao STF, mesmo conhecendo do RE, reexaminar os fatos assentados pela instância ordinária. Mas, se não for possível extrair da decisão recorrida a premissa fática relevante para o julgamento da causa, o STF pode (e, portanto, deve) buscá-la entre as provas produzidas pelas partes. A Constituição Federal não lhe nega esse poder.

Competência recursal extraordinária e técnica de julgamento do RE
A discussão relativa ao significado da regra enunciada pela Súmula 456 do STF se confunde com a questão dos limites da competência recursal extraordinária do Supremo e do STJ, e a solução que se der ao problema condicionará o regime de coexistência dos recursos especial e extraordinário, criado pela Constituição de 1988. Disso falaremos na parte final do presente estudo.

Antes, cumpre examinar um problema que tem sido objeto de muita atenção por parte da doutrina especializada e do próprio STF: a questão relativa à técnica de julgamento do RE interposto com fundamento exclusivo na alínea ‘a’ do permissivo constitucional. Como veremos a seguir, à má compreensão dos limites da competência recursal extraordinária do STF também devem ser creditados muitos dos equívocos cometidos no enfrentamento dessa matéria.

O Supremo sempre entendeu que, uma vez reconhecida a violação à norma federal (hoje constitucional) invocada pelo recorrente, o RE deveria ser conhecido; e, sendo rejeitada a alegação, deveria ser não conhecido, pouco importando que para chegar a tal resultado o tribunal houvesse examinado o mérito do recurso, isto é, houvesse firmado uma tese sobre a questão de direito nele veiculada.

Essa técnica de julgamento tem sido alvo de duras críticas por parte de vários estudiosos do direito processual civil[20], destacando-se entre eles o professor Barbosa Moreira[21]. O STF, por sua vez, depois de muito resistir, acabou aceitando, no julgamento do RE 298.695 (Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06.08.2003), a procedência das críticas.

Cuidava-se nesse importante precedente de Recurso Extraordinário interposto pelo município de São Paulo, com fundamento exclusivo na alínea ‘a’ do permissivo constitucional, imputando à decisão de segundo grau — que reconhecera aos autores direito adquirido a certo reajuste de vencimentos — violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição.

Relator do recurso, o ministro Sepúlveda Pertence entendia que a decisão recorrida, a despeito de haver contrariado o artigo 5º, XXXVI, da CF — conforme orientação assentada pelo STF em casos similares —, deveria ser confirmada por outro fundamento, a saber, o direito dos servidores à irredutibilidade dos vencimentos. “Desse modo, concluiu o Ministro, — embora se lhe transfira a base constitucional, do art. 5º, XXXVI, para o art. 37, XV, da Lei Fundamental — está correto o dispositivo do acórdão recorrido. Portanto, não conheço do RE: é o meu voto.”

Em seguida, o ministro Moreira Alves pediu vista dos autos, “para examinar a possibilidade, em recurso extraordinário, dessa transferência de fundamento para dar como correto o dispositivo do acórdão recorrido que não assentou nele, até porque não foi ele objeto de discussão na causa, tendo o recurso extraordinário atacado o fundamento do acórdão recorrido que foi exclusivamente o da existência, no caso, de direito adquirido ao reajuste”.

E, ao votar, adotou a seguinte orientação:

Sobre essa questão preliminar, não me parece possível, em recurso extraordinário que foi interposto pela letra ‘a’ do inciso III do artigo 102 da Constituição, se deixe de examinar o fundamento dele (inexistência, no caso, de direito adquirido, e, portanto, má aplicação do artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna), que ataca o fundamento exclusivo do acórdão recorrido (reconhecimento da existência de direito adquirido) que lhe serviu de base para chegar ao seu dispositivo que dá pela procedência da ação dos servidores.

Com efeito, o recurso extraordinário se destina a julgar a tese jurídica do acórdão recorrido. Por isso, se o acórdão recorrido não atacá-la, mas versar outra tese jurídica, não pode ele ser conhecido e provido (pela letra ‘a’ do inciso III do artigo 102 da Constituição, o conhecimento do recurso implica necessariamente o seu provimento) por falta de prequestionamento dessa questão; se o acórdão recorrido, porém, se basear numa tese jurídica (assim, por exemplo, na inexistência de direito adquirido) e o recurso extraordinário com base nessa mesma letra “a” atacá-la indicando o dispositivo constitucional do direito adquirido como tendo sido mal aplicado, terá ele de ser julgado com base nessa questão (existir, ou não, direito adquirido) e não com base em outra questão (como a irredutibilidade de vencimentos) que não foi versada nem no acórdão nem no recurso extraordinário. O princípio iura novit curia não se aplica a recurso extraordinário pela natureza extraordinária dele.

(…)

Por assim entender, e considerando que esta é uma questão preliminar, voto no sentido de que o julgamento do presente recurso extraordinário, interposto pela letra ‘a’ do inciso III do artigo 102 da Constituição, tem que se adstringir a examinar o seu objeto (inexistência de direito adquirido) em face a tese jurídica assentada pelo acórdão recorrido (existência de direito adquirido), devendo ser conhecido e provido se, no caso, não houver direito adquirido, e não ser conhecido se, no caso, houver direito adquirido.

Se essa preliminar for acolhida, deverá o julgamento prosseguir com o exame do recurso extraordinário em causa no tocante ao direito adquirido e não com relação à irredutibilidade que não foi o fundamento do acórdão recorrido nem o objeto do recurso extraordinário.

Após o voto do ministro Moreira Alves e antes de nova suspensão do julgamento a pedido do relator, travou-se no plenário o seguinte debate:

O senhor ministro Moreira Alves: (…) Aqui, aplicávamos [a Súmula 456] com relação à letra “d”, em que se conhecia do recurso quando havia dissídio, e então se julgava a causa pelos fundamentos do recurso para dar-lhe ou negar-lhe provimento em face da interpretação que o Tribunal julgava correta.

No caso, teremos uma verdadeira causa petendi aberta em recurso extraordinário pela letra “a”, em que ele foi interposto sob o fundamento de ofensa ao direito adquirido, e se está conhecendo e provendo com base na irredutibilidade de vencimento como se no recurso extraordinário se observasse o princípio jura novit curia.

É certo que há esse problema do STJ, criado justamente pela impossibilidade de uma conjugação perfeita entre recurso extraordinário e recurso especial, recurso esse que se adstringe a norma infraconstitucional, podendo aquela Corte, de ofício, negar-se a interpretá-la se a considerar inconstitucional, apenas para não conhecer do recurso.

O senhor ministro Sepúlveda Pertence (relator): Veja a que situação paradoxal se chega. O STJ não está obrigado a manter um acórdão inconstitucional, mas o STF, guarda da Constituição, estaria!

O senhor ministro Moreira Alves: Se foi interposto pelo fundamento da letra “a”, não há outra solução, porque é expressa a Constituição no sentido de ser necessário demonstrar que houve negativa de vigência por parte do acórdão. Com relação ao STJ, fez-se essa construção — isso foi uma construção nossa — para que tentasse conciliar coisas que não são bem conciliáveis, pois, no Brasil, temos a mania de copiar direito estrangeiro, onde há monopólio, quanto à matéria constitucional, da Corte Constitucional, e, quanto à matéria legal, da Corte de cassação ou semelhante. Aqui, não há monopólio nenhum em matéria constitucional ou legal. Por isso, tivemos que admitir que o STJ, não sendo a questão constitucional alegada no recurso especial que não pode tê-la como objeto, pode levantar, de ofício, a questão da inconstitucionalidade da norma infraconstitucional para, se entendê-la inconstitucional, não conhecer do recurso especial, dispensando-se assim de aplicá-la. Não, porém, para conhecer dele por infringência de norma constitucional invocada, de ofício, pelo relator.

Na continuação do julgamento, o ministro Sepúlveda Pertence proferiu voto do qual extraímos as seguintes passagens:

(…) ouso manter minha posição de que, mesmo no RE, a, ao Supremo Tribunal é dado manter o dispositivo do acórdão recorrido, ainda que por fundamento diverso daquele que o tenha lastreado.

(…)

A dificuldade quando se cuida de RE pela letra a, parece decorrer do dogma de que, então, conhecido, deva ele necessariamente ser provido.

Ouso entender chegada a hora de rever a máxima, construída por motivos pragmáticos, que tenho recordado.

Já denunciada pelo notável Castro Nunes, a confusão entre a admissibilidade e o provimento do RE, a, tem sido objeto de crítica veemente e de inequívoca procedência de Barbosa Moreira.

Vale a longa transcrição do douto e lúcido jurisconsulto:

“Em hipótese alguma é dado à Corte deixar de observar a necessária precedência do juízo de admissibilidade sobre o juízo de mérito, e menos ainda misturá-los. Sempre é de rigor, primeiro, apurar se o recurso é ou não admissível (quer dizer, cabível e revestido dos outros requisitos de admissibilidade), e por conseguinte se dele se há ou não de conhecer; no caso afirmativo, depois, já no plano do mérito, investigar se o recurso é ou não procedente (em outras palavras: se o recorrente tem ou não razão em impugnar a decisão do órgão inferior), e por conseguinte se se lhe deve dar ou negar provimento. Não obstante a técnica peculiar (e imprópria) usada pelo legislador constituinte, ao redigir a letra a do artigo 102, nº III, e os dispositivos correspondentes em Constituições anteriores (…), o julgamento dos recursos nela fundados há de obedecer à mesma sistemática, sem desprezar a distinção entre as duas etapas. É inadequada a maneira por que o Supremo Tribunal Federal costuma pronunciar-se acerca desses recursos, dizendo que deles ‘não conhece’ quando entende inexistir a alegada infração. Desde que se examine a federal question suscitada pelo recorrente, isso significa que se julga o recurso de meritis, pouco importando que se acolha ou se repila a impugnação feita à decisão recorrida; em casos tais, o que se deve dizer é que se conheceu do recurso e, respectivamente, que se lhe deu ou negou provimento.

A praxe até agora adotada leva a conseqüências absurdas. Uma delas consiste em que quando se manifesta divergência entre os Ministros, os que reconhecem a ofensa à Constituição dão provimento ao extraordinário, enquanto os que a negam declaram ‘não conhecer’ do recurso; ora, tomados os votos ao pé da letra, estar-se-ia diante de deliberação sui generis, onde alguns votantes se encontram no plano da preliminar, ao passo que outros já ingressaram no do mérito… É impossível, a todas as luzes — e vem a pêlo recordar a norma do artigo 560, caput, do Código — que se invistam ambos os planos ao mesmo tempo!

Ademais, ao ângulo prático, surgem corolários de extrema gravidade, como por exemplo o que ocorre quando tenha havido adesão. Se o Supremo Tribunal Federal, resolvendo a questão federal em sentido contrário ao pleiteado pelo recorrente principal, disser (com locução imprópria) que não conhece do recurso, ficará impedido, no rigor da lógica, de apreciar o recurso extraordinário adesivo. Ora, a não ser que faltasse a este mesmo algum requisito de admissibilidade, o recorrente adesivo tinha o direito de ver julgado no mérito o seu recurso, desde que admissível (embora não necessariamente fundado) o do litigante adverso. Da forma como se expressa a Corte, uma de duas: ou se prejudica o recorrente adesivo, deixando de conhecer-se do seu recurso em casos em que todos os pressupostos do conhecimento estarão satisfeitos, ou então, para evitar prejuízo, terá de conhecer-se do principal, sempre que essa decisão de não conhecimento (ou antes, sempre que essa decisão dita inadequadamente de não conhecimento) haja apreciado a federal question que o recorrente principal suscitara. Em mais de um julgamento, buscando apoio em suposta distinção entre não conhecimento por motivo de ordem processual e não conhecimento por motivo de mérito. Menos mal para o recorrente adesivo; mas a construção padece de clamoroso artificialismo: por definição, ‘não conhecer’ de um recurso significa, nada mais, nada menos, que abster-se de examinar-lhe o mérito, de sorte que ‘não conhecimento por motivo de mérito’ constitui pura contradição nos termos, em que é constrangedor ver incidir a mais alta corte judiciária do país.”

Ainda, porém, que se pretenda manter a praxe, o certo é que nem dela decorre que, acaso errôneo o fundamento do acórdão recorrido, atacado no RE, esteja o Supremo Tribunal jungido a dele conhecer e lhe dar provimento, ainda que entenda haver fundamento constitucional para manter-lhe o dispositivo, não obstante a erronia da motivação.

A solução contrária, data maxima venia, implicaria impor ao Tribunal — ao qual se confiou, “precipuamente, a guarda da Constituição” (CF, art. 102) — constrangimento ao qual não se submetem outras instâncias.

Basta pensar no caso do Superior Tribunal de Justiça, como recordei ao indicar o adiamento desta decisão.

Com efeito, não cabe àquela alta Corte superior julgar o recurso fundado na arguição de inconstitucionalidade de lei.

Não obstante, no julgamento do recurso especial por contrariedade à lei federal, se o STJ, malgrado o reconhecimento de sua violação, entender que a norma ordinária é incompatível com a Constituição, ninguém lhe contesta a autoridade para declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei invocada e, por isso, manter a decisão recorrida.

Constituiria paradoxo verdadeiramente kafkaniano” que, diferentemente, ao STF — guarda da Constituição — não fosse dado, no julgamento do RE, declarar que a lei questionada é, sim, inconstitucional, embora por fundamento diverso do acolhido pelo acórdão recorrido, e, em conseqüência, estivesse vinculado a aplicar a norma legal que considera incompatível com a Carta Magna.

Advogado, procurador-geral e juiz deste tribunal, desde a sua chegada às sessões da Corte, como procurador-geral da República, faz 32 anos, acostumei-me a respeitar as manifestações do em. Ministro Moreira Alves, indiscutível líder intelectual da Casa, nessas décadas.

Sirvo-me desta primeira oportunidade depois da aposentadoria de S. Exa., para reiterar o testemunho de sua grandeza.

Não obstante, neste caso, peço todas as vênias e persisto no meu voto para não conhecer do recurso extraordinário ou dele conhecer, mas, para negar-lhe provimento: é o meu voto.

O resultado proclamado foi o seguinte: “o Tribunal, por maioria, conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento”.

Análise da decisão proferida no julgamento do RE 298.695
No julgamento que acabamos de recordar, o STF, servindo-se embora de motivação equivocada, reconciliou-se com o verdadeiro significado da Súmula 456, ao mesmo tempo em que lançou as bases para uma profunda revisão do funcionamento do sistema de recursos resultante da articulação dos artigos 102, III, e 105, III, da Constituição.

O próprio STF, todavia, parece não haver compreendido o exato significado e alcance de sua decisão.

Vejamos o que de fato ocorreu no julgamento do RE 298.695.

Como dispõe o artigo 102, III, da Lei Maior, o STF, no exercício de sua competência recursal extraordinária, julga a causa, desde que verifique a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas em suas alíneas.

O Recurso Extraordinário é cabível, como já se observou, quando permite ao Supremo julgar a causa, e é incabível quando não o permite. No primeiro caso, ele é conhecido; no segundo, não conhecido. Isto, afirmamos, em qualquer das hipóteses do inciso III.

O RE interposto com fundamento na letra ‘a’ somente é cabível — isto é, só dá lugar a um novo julgamento da causa —, quando o STF reconhece a procedência da alegação de ofensa à Constituição nele deduzida.

O fato, contudo, de o Supremo reconhecer que o recorrente tem razão ao sustentar que a decisão recorrida ofendeu dispositivo da Lei Maior não significa, necessariamente, que a causa será julgada procedente: procedente é apenas a alegação de ofensa à Constituição. Depois de reconhecê-la, o Supremo ainda terá de julgar a causa.

Não haverá julgamento da causa, se o STF chegar à conclusão de que o acórdão recorrido não ofendeu dispositivo da Constituição. Por isso, em tais hipóteses, diz o Supremo, com absoluta propriedade, que não conhece do recurso extraordinário, mesmo que para assim concluir haja tido de examinar em profundidade a alegada contrariedade ao texto constitucional. RE não conhecido é aquele que, por um motivo ou por outro, não permitiu o julgamento da causa.

Uma vez compreendida a mecânica do recurso previsto no artigo 102, III, ‘a’, da Constituição, é fácil entender o que aconteceu no julgamento do RE 298.695: depois de conhecer do RE por entender que a decisão recorrida contrariou o art. 5º, XXXVI, da Constituição, o Tribunal, aplicando o direito à espécie, julgou a causa a favor dos recorridos. Daí o resultado do julgamento: “o Tribunal, por maioria, conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento”.

A improcedência da crítica dirigida ao STF
Se essa análise está correta, não procede a afirmação de que a técnica de julgamento tradicionalmente adotada pelo STF deixa de atender à distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Ao dizer que não existe a ofensa à Constituição alegada no RE, o STF não está fazendo um juízo de mérito, mas um mero juízo de admissibilidade. Juízo de mérito seria feito no julgamento da causa, se o recurso fosse conhecido.

Considerando que o reconhecimento da ofensa alegada no recurso possibilita unicamente o julgamento da causa (que pode vir a ser desfavorável ao recorrente), não é lícito afirmar, como faz Barbosa Moreira, que “a ocorrência efetiva do esquema consagrado no texto constitucional constitui requisito de procedência” e que, portanto, “seria absurdo exigi-la para declarar admissível o recurso”, já que “não se pode condicionar a admissibilidade à procedência”. Data venia, não é assim.

A ocorrência efetiva da violação ao texto constitucional não é requisito de procedência porque não significa que a causa será julgada a favor do recorrente; significa apenas que será julgada. O reconhecimento da violação ao texto constitucional é, sim, requisito de admissibilidade na medida em que sem ele o tribunal não pode julgar a causa[22]. E, já que a procedência da alegação de ofensa à Constituição não significa necessariamente que o RE será julgado a favor do recorrente (pois isto vai depender do resultado do julgamento da causa), não se pode dizer que a técnica adotada pelo STF condicione a admissibilidade à procedência.

Tendo em vista a circunstância de que, na imensa maioria dos casos, formada de recursos interpostos com base na letra ‘a’, o julgamento da causa a favor do recorrente depende somente de aplicar-se ao caso concreto a norma cuja ofensa é alegada no recurso, a jurisprudência do Supremo acabou identificando indevidamente o conhecimento do RE com o seu provimento. Daí o “dogma” de que, na hipótese da alínea ‘a’, o conhecimento do recurso implica necessariamente o seu provimento, o que não é correto afirmar, pois isto acontece apenas quando o reconhecimento da ofensa alegada no recurso conduz, por si só, ao julgamento da causa a favor do recorrente.

Portanto, no caso do RE da letra ‘a’, assim como não se pode afirmar que o conhecimento do recurso implica necessariamente o seu provimento — pois o RE somente será provido se o julgamento da causa for favorável ao recorrente (o que geralmente, mas nem sempre, acontece, como se viu do julgamento do RE 298.695) —, também não se pode dizer que o Supremo conhece do RE quando rejeita a alegação de contrariedade a dispositivo da Constituição deduzida pelo recorrente, pois, se o RE não propiciou o julgamento da causa, a hipótese é efetivamente de mero não conhecimento[23].

O erro comum a essas duas concepções é supor que o juízo de mérito do recurso consiste na solução da questão constitucional suscitada pelo recorrente, e não no julgamento da causa.

Partindo dessa suposição, Barbosa Moreira dirige ao constituinte e ao STF a seguinte censura:

Note-se que não é homogênea a técnica empregada pelo legislador constituinte nas várias letras do artigo 102, III. Nas letras b e c, ele se ateve a uma descrição axiologicamente neutra: a realização do “tipo” constitucional não implica de modo necessário que o recorrente tenha razão. Uma decisão pode perfeitamente ser correta e merecer “confirmação” apesar de haver declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgado válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição. Quer isso dizer que nas letras b e c se usou técnica bem adequada à fixação de pressupostos de cabimento do recurso extraordinário, isto é, de circunstâncias cuja presença importa para que dele se conheça, mas cuja relevância não ultrapassa esse nível, deixando intacta a questão de saber se ele deve ou não ser provido. Já na letra a, muito ao contrário, a descrição do texto constitucional contém um juízo de valor: a decisão que contrarie dispositivo constitucional é decisão, à evidência, incorreta, e como tal merecedora de reforma. Aí, portanto, se ficar demonstrada a realização do “tipo”, o recorrente não fará jus ao mero conhecimento, senão ao provimento do recurso. Para empregar técnica semelhante à das letras b e c, deveria o legislador constituinte ter dito na letra a: ‘quando a decisão recorrida for impugnada sob a alegação de contrariar dispositivo desta Constituição’.

(…) Se o texto constitucional, querendo indicar hipótese de cabimento, usou, por impropriedade técnica, expressão que já desenha hipótese de procedência, isso não é razão para que, no caso, se deixe de atender à distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito. (…) Requisito de admissibilidade será, então, a mera ocorrência hipotética (isto é, alegada) do esquema textual. Não se há de querer, para admitir o recurso extraordinário pela letra a, que o recorrente prove desde logo a contradição real entre a decisão impugnada e a Constituição da República; bastará que ele a argua.

Não nos parece correta a argumentação.

Como ficou demonstrado no julgamento do RE 298.695, a decisão atacada no recurso extraordinário pode perfeitamente contrariar dispositivo da Constituição e nem por isso ser merecedora de reforma. Portanto, na hipótese da letra ‘a’, a realização do “tipo” constitucional também deixa intacta a questão de saber se o recurso deve ou não ser provido.

A técnica segundo a qual o recurso deve ser conhecido, ante a mera alegação de contrariedade a dispositivo da Constituição, e provido, se reconhecida essa contrariedade, não teria permitido ao Supremo negar provimento ao recurso do Município de São Paulo no julgamento aqui examinado. Se a houvesse adotado, o Tribunal, verificando que a decisão recorrida havia sido impugnada sob a alegação de contrariar o artigo 5º, XXXVI, da Constituição, teria conhecido do RE; e, concluindo, como concluiu, pela procedência dessa alegação, ter-lhe-ia dado provimento, reformando o acórdão recorrido e julgando improcedente a ação, apesar de reconhecer o direito dos servidores à irredutibilidade de vencimentos.

O Supremo, contudo, apesar de haver endossado a crítica de Barbosa Moreira, não a seguiu. Diante da violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição, conheceu do RE; e, passando ao julgamento da causa, lhe negou provimento, por entender que outro dispositivo legal amparava a pretensão dos autores. Ou seja, fez exatamente o que mandam o art. 102, III, ‘a’, da Constituição, e a Súmula 456.

Não existe, portanto, a nosso juízo, qualquer impropriedade técnica no artigo 102, III, ‘a’, da Constituição. O que ali se prevê é um típico recurso de natureza extraordinária, diferente, ao mesmo tempo, dos recursos ordinários — na medida em que o julgamento da causa pelo órgão ad quem está condicionado à verificação prévia da ocorrência de uma contrariedade ao ordenamento jurídico —; dos recursos de cassação — pois o órgão ad quem tem de julgar a causa, e não só a procedência ou improcedência da alegação deduzida no recurso —; e do recurso previsto no artigo 193 do antigo Regimento Interno do STF, que possibilitava o julgamento da causa unicamente à luz da “questão federal controvertida”, vedada a aplicação do princípio jura novit curia.

A técnica adotada pelo constituinte nas diversas alíneas do artigo 102, III, da Constituição é perfeitamente homogênea, pois o juízo de mérito, em todas elas, consiste no julgamento da causa. Falta de homogeneidade haveria se a mera alegação de contrariedade à Constituição viabilizasse o conhecimento do recurso no caso da letra ‘a’, hipótese em que, pela conjugação do inciso com a alínea[24], o STF continuaria tendo de julgar a causa, mas a realização desse juízo já não estaria condicionada ao prévio reconhecimento da contrariedade à Constituição.

Julgamento da questão e julgamento da causa
Como já se observou, não existe coincidência entre aquilo que a parte pode alegar no RE e aquilo que o Supremo pode (e deve) examinar no pleno exercício de sua competência recursal extraordinária. A coincidência só existe na fase preliminar do julgamento, quando se examina o cabimento do recurso. Somente nessa fase não se aplica o princípio jura novit curia.

O campo da competência extraordinária do STF somente se identificaria com o campo do RE se se entendesse (A) que a expressão “causas decididas” é sinônima de “questões decididas” — entendimento que faria do extraordinário um típico recurso de cassação: no seu julgamento, o STF deveria limitar-se à solução da questão, deixando o julgamento da causa para os tribunais inferiores; ou (B) que o STF, depois de conhecer do recurso, só pode julgar a causa com base na disciplina legal questionada, como prescrevia o art. 193 do antigo Regimento Interno do STF e como sustentou o ministro Moreira Alves no julgamento do RE 298.695.

Nestes dois casos, apenas, se poderia dizer que o reconhecimento da ofensa alegada no RE se situa no campo do provimento ou da procedência, e não no da mera admissibilidade.

Contudo, a idéia de que o Supremo não está obrigado a julgar a causa depois de reconhecer que a decisão recorrida ofendeu a Constituição, além de não ser defendida pelo próprio Barbosa Moreira, não é adotada pelo Supremo: mesmo na série de casos relativa ao artigo 35 da Lei 7.713/88, o STF, entendendo — contra a Súmula 456 — que não podia julgar a causa depois de resolver a questão constitucional, já que isto implicaria o reexame da prova ou contrariedade ao devido processo legal, decidiu no sentido de dar provimento apenas parcial aos Recursos Extraordinários.

Provimento parcial, todavia, não significava, nessas hipóteses, a procedência parcial da ação, pois o tribunal inferior poderia vir a julgá-la inteiramente procedente ou inteiramente improcedente, conforme o conteúdo do contrato social da empresa; mas apenas que no julgamento do RE não se procedeu ao julgamento da causa. Se o Supremo entendesse que o julgamento do RE se esgota na solução da questão constitucional, o provimento não teria sido parcial, mas total, eis que reconhecida a ofensa alegada à Constituição.

Em todo caso, a sinonímia entre “causas decididas” e “questões decididas” foi afastada categoricamente, ao admitir-se, no julgamento do RE 298.695, a possibilidade — e, se existe possibilidade, existe obrigatoriedade, pois a Constituição não confere ao STF mera faculdade de julgar as causas decididas em única ou última instância — de confirmar o dispositivo do acórdão recorrido por fundamento diverso. Nesse precedente, o Tribunal nada mais fez do que aplicar, de forma escorreita, a Súmula 456: depois de reconhecer a ofensa à Constituição alegada no recurso, julgou a causa, aplicando o direito — norma diversa da questionada no RE — à espécie.

Por outro lado, o art. 193 do antigo RISTF e a tese sustentada pelo ministro Moreira Alves no julgamento do RE 298.695 — no sentido de que o Supremo está obrigado a julgar a causa com base na disciplina legal cuja ofensa deu margem ao cabimento do recurso, mesmo que essa disciplina não incida no caso concreto —, exporia a parte recorrida (vencedora na instância ordinária) ao risco de vir a perder a demanda em decorrência da falha do órgão a quo em fundamentar adequadamente a decisão que lhe fora favorável e da qual, por esse motivo, não poderia ter recorrido (como ocorreu no RE 298.695).

A injustiça seria flagrante. Para evitá-la, Barbosa Moreira sustenta o cabimento, nessas hipóteses, de recurso extraordinário adesivo condicionado[25] — solução inteligente, sem dúvida, mas considerada desnecessária pelo STF, no julgamento do RE 247.243 (1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14.04.2000), quando o Tribunal, depois de reconhecer a procedência da tese sustentada pelo recorrente, entendeu que seria possível examinar objeção (de natureza constitucional) deduzida pelo recorrido e rejeitada pelo tribunal a quo, apesar de não ter havido recurso adesivo. Lê-se no voto condutor do julgado:

Põe-se, desse modo, o problema de saber se a segunda dessas questões (…), apesar de não ter sido objeto de recurso adesivo, por parte da impetrante, ainda pode ser examinada pelo Tribunal.

O douto Barbosa Moreira entende que não (Comentários ao C.Pr.Civil, Forense, 8a. ed., 1999, V/585, no. 324), verbis:

“Se o julgado do órgão a quo tiver sido impugnado apenas em parte, só no tocante a essa parte se devolve o conhecimento ao Supremo Tribunal Federal. Caso o acórdão recorrido se haja pronunciado sobre questão preliminar, mesmo de mérito (rejeitando, por exemplo, a argüição de prescrição), o recurso interposto no concernente à questão principal não estende seu efeito à preliminar. A menos que se recorra igualmente no que a esta diz respeito, não será lícito ao Supremo Tribunal Federal reexaminá-la, ainda que para tanto exista fundamento. O ponto é muito relevante para a aferição da admissibilidade do recurso adesivo: se o vencido na preliminar foi vitorioso na questão principal, e quanto a esta há recurso extraordinário do outro litigante, surge para o primeiro o risco de que o Supremo Tribunal Federal dê razão ao adversário, sem poder rever a decisão do órgão a quo sobre a preliminar. A situação é diferente da que se configuraria se se tratasse de apelação, em que bastaria o recurso do vencido na questão principal para devolver também ao órgão ad quem o conhecimento da preliminar. Por isso, lá não precisaria o vencedor da matéria principal recorrer adesivamente, ao passo que aqui precisa e, portanto, tem necessidade de aderir (supra, comentário no. 175 ao art. 500).”

Igualmente razoável, no entanto, é entender que a impetrante, não tendo sucumbido, ficou impedida de submeter a matéria em causa ao conhecimento do STF, hipótese em que, afastada a preclusão, incumbiria ao Tribunal — para julgar a causa como lhe impõe a Súmula 456 — examinar os fundamentos invocados e desprezados na decisão recorrida, sob pena de denegar jurisdição.

Seja como for, o RE ou REsp condicionado não resolveria o problema quando a alegação da parte vencedora, não apreciada pelo acórdão recorrido, tivesse fundamento, v.g., em norma de direito local ou em cláusula contratual. Já, pela regra da Súmula 456, o STF, conhecendo do RE da parte vencida e tendo de julgar a causa, está obrigado a examinar a procedência de tal alegação[26], “sob pena de denegar jurisdição”.

O STF como “terceira instância de mérito”
Outra decisão importante para a compreensão dos limites da competência recursal extraordinária do Supremo é a que foi proferida no julgamento do RE 264.289 (Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 03.10.2001).

O recurso, interposto com fundamento exclusivo na alínea ‘a’ do permissivo constitucional, pretendia, sob alegação de contrariedade ao artigo 40, parágrafo 4º, da CF, em sua primitiva redação, a extensão aos recorrentes de vantagem remuneratória concedida por ato normativo local a todos os integrantes da carreira de procurador do município de Fortaleza, mas negada aos que se haviam aposentado antes de sua edição.

Acompanhando o voto proferido pelo relator, o Plenário entendeu que, embora o acórdão recorrido houvesse ofendido o artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição — pois era inequívoco o caráter geral da vantagem pleiteada —, o RE não podia ser “conhecido”, pois era também inequívoca a inconstitucionalidade da norma municipal que instituíra a própria vantagem pretendida pelos recorrentes.

Lê-se no voto condutor da decisão:

Não há dúvida, portanto, de que o tratamento diferenciado concedido aos impetrantes, aposentados antes da lei, ofenderia a garantia do artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição, em sua redação original.

Seria, pois, de rigor, a extensão da vantagem aos impetrantes (…).

A concessão da segurança implicaria, no entanto, a extensão de vantagem manifestamente inconstitucional, como é, a meu ver, essa Gratificação de Aumento de Produtividade.

(…)

Não importa que a constitucionalidade da lei local não haja sido questionada nas instâncias ordinárias. A incidência do artigo 40, parágrafo 4º — objeto de toda a controvérsia — pressupõe a validade da lei instituidora da vantagem para os servidores em atividade, que, em razão da regra constitucional de paridade, se teria de aplicar por extensão aos inativos.

Ora, em hipóteses que tais, até ao STJ, na instância do recurso especial, seria dado declarar incidentemente, e de ofício, a inconstitucionalidade da lei ordinária que, se válida, teria de aplicar. Seria paradoxal que, em situação similar, não o pudesse fazer o Supremo Tribunal, “guarda da Constituição”, porque não prequestionada a sua invalidade.

De concluir-se, portanto, pela inconstitucionalidade formal do decreto que regulamentou a Lei 7.673/95 do município de Fortaleza.

Assim sendo, declaro a inconstitucionalidade do artigo 10 da Lei 7.73/95, do Município de Fortaleza e do Decreto 9.643/95, que o regulamentou, e, diante da impossibilidade de reconhecer o direito dos impetrantes à fruição da vantagem em causa, não conheço do recurso extraordinário: é o meu voto.

A hipótese não era de “não conhecimento”, mas de conhecimento e improvimento do recurso, já que o Tribunal chegou a reconhecer a existência da contrariedade ao texto constitucional alegada no RE, e só depois, ao julgar a causa, verificou que os impetrantes não tinham o direito líquido e certo que alegavam ter, dada a inconstitucionalidade da norma local invocada como fonte desse direito.

Não fosse a inconstitucionalidade da lei municipal, o STF não poderia ter deixado de aplicá-la na espécie, sob pena de denegar jurisdição.

Da mesma forma que a Súmula 279, ao dizer que “o Recurso Extraordinário é incabível para simples reexame de prova”, não impede que o Supremo, conhecendo do RE, aprecie a prova se isto for necessário para o julgamento da causa, a súmula 280, ao estabelecer que “por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”, não impediria que o STF, havendo conhecido do recurso por violação ao artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição, julgasse a causa com base na lei municipal.

O exame da lei local em sede de recurso extraordinário não decorre do exercício do controle difuso de constitucionalidade, mas do dever indeclinável de julgar a causa. Como disse o ministro Hahnemann Guimarães no RE 14.458, acima citado, “admitido ao conhecimento da Turma o recurso extraordinário, transforma-se este Tribunal na instância do mérito, em terceira instância de mérito, julgando inteiramente o caso”.

Da mesma forma, v.g., quando conhece de RE interposto com fundamento na letra ‘b’ e declara a constitucionalidade da lei que deveria ter incidido, o STF, para poder julgar a causa, deverá aplicar essa lei; e para aplicá-la terá de saber se ela de fato incide no caso concreto. Não há dúvida, portanto, de que o STF, por vezes, tem de aplicar a lei ordinária. Em casos como este, o Supremo, ao que saibamos, jamais determinou que a causa fosse julgada por tribunal inferior.

O julgamento da causa pelo STJ: o que significa “aplicar o direito à espécie”
Compreende-se, pois, facilmente — sem necessidade de construções destinadas a conciliar coisas que, bem entendidas, não são inconciliáveis —, que, embora o recurso especial não possa ser interposto por ofensa à Constituição, nada impede que o STJ, reconhecendo a violação à lei federal — isto é, conhecendo do REsp —, venha a declarar, no julgamento da causa, a sua inconstitucionalidade. É que o julgamento da causa — igualmente incluído na competência recursal extraordinária do STJ — não poderia ser feito sem o exame da validade da norma que o STJ houvesse de aplicar ao caso concreto.

Mas não se trata, exclusivamente, de reconhecer ao STJ o poder de realizar, como qualquer outro órgão judicante, o controle difuso de constitucionalidade. Conhecendo do REsp, o STJ está obrigado a julgar a causa e, para fazê-lo, terá de aplicar a norma legal cuja incidência for reclamada pela hipótese concreta, seja qual for a sua hierarquia ou a sua natureza.

Com efeito, depois de reconhecer que o acórdão recorrido contrariou a lei federal, o STJ não está obrigado a aplicar essa lei, ainda que ela não seja inconstitucional. A exemplo do que fez o STF no julgamento do RE 298.695, o STJ, ao julgar a causa, não aplicará a norma questionada no REsp se entender que, apesar de haver sido contrariada pelo acórdão recorrido, ela não incide no caso; aplicará a norma com base na qual a causa houver de ser decidida, seja ela qual for.

Aplicar o direito à espécie significa julgar a causa com base no dispositivo legal aplicável à espécie, seja ele constitucional ou infraconstitucional, federal ou local. Isso vale tanto para o Supremo, como para o STJ.

Nesse sentido, parece-nos equivocado o entendimento adotado pelo Supremo no julgamento plenário do AI 145.589 (AgRg), de cujo voto condutor, da lavra do ministro Sepúlveda Pertence, transcrevemos[27]:

(…) no sistema da Constituição, a decisão do recurso especial só admitirá recurso extraordinário, se a questão constitucional enfrentada pelo STJ for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária.

Ao meu ver, é o que decorre inequivocamente da previsão constitucional paralela de recurso extraordinário e de recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau, que resulta limpidamente dos artigos 102 e 105 da Constituição.

Não se trata de contestar a evidência de que, no âmbito do sistema difuso de controle de constitucionalidade, o Superior Tribunal de Justiça, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício.

O que não é dado, porém, àquela alta Corte é rever a decisão da questão constitucional do tribunal inferior.

A revisão pelo STJ, em recurso especial, da solução do Tribunal a quo às questões [constitucionais] suscitadas na instância ordinária, de duas uma: ou implicaria usurpação da competência do STF, se interposto paralelamente o recurso extraordinário, ou, se não interposto, a ressurreição da matéria preclusa.

Tratava-se, nesse julgamento, de RE interposto contra decisão do STJ que, embora não houvesse conhecido do recurso especial (por não reconhecer a ofensa alegada à lei federal, nem o dissídio na sua interpretação), acabou apreciando a causa em face da Constituição Federal.

Ora, se o STJ não conheceu do recurso especial, não poderia ter julgado a causa; não lhe era permitido, portanto, apreciar questão de direito (constitucional ou infraconstitucional, não importa) estranha ao conteúdo do recurso (aliás, no caso, o não conhecimento do REsp deveria ter-se fundado na Súmula 126 do STJ, pois havia fundamento constitucional suficiente na decisão de segundo grau e a parte vencida não interpusera o recurso extraordinário). E, se não julgou a causa, sua decisão não substituiu a decisão de segundo grau. Logo, o recurso extraordinário interposto era mesmo incabível, dada a prevalência do que decidido pela instância ordinária[28].

Mas, se o REsp houvesse sido conhecido (para o que se deveria supor que o fundamento constitucional suficiente da decisão de segundo grau não estivesse precluso), o STJ, tendo de julgar a causa, deveria fazê-lo também à luz da disciplina constitucional da matéria. Com outras palavras: se a causa houvesse de ser decidida com base em norma constitucional, esta, e não outra norma, é que deveria ser aplicada. Em tal hipótese, seria dado, sim, ao STJ rever a decisão da questão constitucional do tribunal inferior, sob pena de não poder julgar a causa, como determina a Constituição. E, da decisão do STJ que, por julgar a causa, substituísse a decisão de segundo grau, caberia, eventualmente, novo recurso extraordinário para o STF em caso de ofensa à Constituição, sendo irrelevante que a mesma ofensa já houvesse sido alegada no Recurso Extraordinário interposto contra a decisão de segundo grau, já que esse recurso não poderia subsistir diante da substituição operada[29].

A Constituição de 1988 não diz que compete ao STJ “julgar, em recurso especial, as questões decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, etc.” Tal como o Supremo, o STJ não é corte de cassação: vencida a fase de conhecimento do REsp, cabe-lhe o julgamento da causa.

É o que estabelece, ademais, em estrita consonância com o artigo 105, III, da Constituição, o artigo 257 do seu Regimento Interno: “No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível [isto é, se a decisão recorrida contrariou ou negou vigência a tratado ou lei federal, se julgou válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou se deu a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal]. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso [isto mesmo: ainda que se trate de decisão que tenha examinado e repelido a alegação de contrariedade a tratado ou lei federal, o STJ não conhecerá do recurso especial]; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

Ora, que direito deve o STJ aplicar à espécie após conhecer do recurso especial? Apenas o direito federal invocado no recurso especial? Obviamente, não. A “espécie” — seja ela qual for — só pode ser decidida mediante a consideração potencial de todo o ordenamento jurídico, a começar pela Constituição Federal, fundamento de validade de todas as leis, sem a qual o STJ não poderia afirmar sequer a sua competência para o julgamento do recurso especial[30].

É inconcebível que um juiz de primeiro grau, ao julgar uma causa, deva fazê-lo à luz de todo o ordenamento, e o STJ, ao exercer sua competência recursal extraordinária, deva ater-se aos dispositivos questionados no especial.

Portanto, se se entende que o STJ, ao reconhecer que a decisão recorrida incidiu numa das hipóteses previstas no artigo 105, III, da Constituição, deve julgar a causa; e se o julgamento da causa deve ser feito à luz de todo o ordenamento jurídico — pois nenhuma causa pode ser julgada sem a potencial consideração de todas as leis existentes no país, e não é imaginável que a Constituição fosse atribuir logo ao Superior Tribunal de Justiça uma jurisdição mutilada —, ter-se-á de reconhecer que o poder jurisdicional compreendido na competência recursal extraordinária do Supremo e do STJ é o mesmo, e que a Constituição de 1988 não repartiu esse poder — que permanece íntegro —, mas somente a matéria passível de ser alegada pelas partes no recurso que antes propiciava o seu exercício exclusivo pelo Supremo, o antigo Recurso Extraordinário.

Solução de problemas gerados pela má compreensão da competência recursal extraordinária
Essa forma de compreender a competência recursal extraordinária do Supremo e do STJ — única compatível com o sentido literal inequívoco da expressão “julgar as causas decididas em única ou última instância”, utilizada no artigo 102, III, e repetida no artigo 105, III, da Constituição — permite a conciliação daquilo que, de outro modo, continuaria a ser uma fonte inesgotável de perplexidades e problemas teóricos e práticos: a coexistência dos recursos extraordinário e especial.

Entre os problemas gerados por essa coexistência está o da substituição da decisão de segundo grau que possua fundamentos suficientes de natureza constitucional e infraconstitucional pela decisão proferida no julgamento do recurso especial ou do recurso extraordinário.

Por exemplo: decisão que considera indevido determinado tributo por entender que o particular goza de imunidade constitucional, e que, de qualquer sorte, a norma impositiva não incide na espécie. Atenta às Súmulas 283 do STF[31] e 126[32] do STJ, a fazenda pública interpõe os recursos extraordinário e especial. O STJ conhece do REsp e lhe dá provimento unicamente para dizer que a norma impositiva incide na espécie, deixando intocada a questão da imunidade, por entender, como tem entendido, que não lhe cabe decidir sobre matéria constitucional em sede de recurso especial.

Pergunta-se: a decisão do STJ — que se limitou a remover o fundamento infraconstitucional do acórdão recorrido — substitui a que foi objeto do recurso especial? Poderia o STJ julgar a causa a favor da Fazenda Pública sem remover também o fundamento constitucional do acórdão recorrido? Aplica-se o artigo 512 do Código de Processo Civil[33]?

Cremos que, a rigor, não poderia ocorrer o fenômeno da substituição, tendo em vista a subsistência do fundamento constitucional. De acordo com a lógica subjacente às Súmulas 283 do STF e 126 do STJ, desde que não se reconheça ao STJ o poder de julgar a causa à luz de todo o ordenamento jurídico — que é como a causa foi julgada pelo acórdão objeto do recurso especial —, só o provimento sucessivo do REsp e do RE poderia acarretar a substituição de decisão assentada em fundamentos suficientes de natureza constitucional e infraconstitucional.

Tal solução, entretanto, apresenta um gravíssimo inconveniente: se, depois do provimento do REsp, o STF não conhecer do extraordinário ou rejeitar o incidente de repercussão geral, o STJ terá exercido inutilmente a sua jurisdição.

Não é esse, em todo caso, o entendimento que tem prevalecido no STF. Depois de muita discussão, firmou-se a jurisprudência do Supremo no sentido de que ocorre a substituição[34], uma vez que o recurso especial não visa a atacar a motivação do acórdão recorrido, mas o seu dispositivo. Segundo o ministro Marco Aurélio, “se o Superior Tribunal de Justiça prolatou acórdão favorável à parte que interpusera os dois recursos, o extraordinário, que estava em stand by, ficou prejudicado. O acórdão do Superior Tribunal de Justiça, consoante dispõe o artigo 512 do Código de Processo Civil, substitui o proferido na origem.”[35]

Trata-se, ao nosso ver, de solução igualmente insatisfatória, já que o recorrido tinha a seu favor o fundamento constitucional do acórdão da apelação. Diz o Supremo que, nesses casos, cabe à parte vencida no julgamento do REsp interpor recurso extraordinário dessa decisão. Ocorre que, se o STJ não pode decidir sobre matéria constitucional, será impossível a configuração do requisito do prequestionamento para o recurso extraordinário.

Na prática, entendendo-se que incide o artigo 512 do CPC, não restará à parte vencida senão aguardar o trânsito em julgado da decisão do STJ e ajuizar a ação rescisória, por violação à norma constitucional. Assim, o que deixou de ser examinado no julgamento do recurso especial terá de sê-lo no julgamento da rescisória…

Todas essas dificuldades desapareceriam a partir do momento em que o STJ, conhecendo do REsp, julgasse a causa à luz de todo o ordenamento jurídico.

Partindo-se da concepção de que a competência recursal extraordinária do Supremo e do STJ compreende, não só o julgamento da questão, mas também o julgamento da causa, conclui-se facilmente que a decisão recorrida, no exemplo formulado, seria necessariamente substituída pela decisão que primeiro viesse a julgar a causa.

Se essa decisão for proferida pelo STF, nada mais haverá a ser feito (quanto à matéria decidida); se o for pelo STJ com fundamento em norma constitucional, poderá ser cabível novo recurso extraordinário.

Em caso de interposição simultânea de RE e REsp, os desdobramentos seriam os seguintes:

A — se o STJ, conhecendo do REsp, julga a causa à luz de todo o ordenamento jurídico, sua decisão substitui a decisão recorrida no ponto objeto da impugnação (CPC, art. 512), prejudicando, nesse ponto e em tudo que dele dependa, o RE simultaneamente interposto. Nesse caso, o processo somente chegaria ao Supremo se, possuindo o acórdão do STJ fundamento constitucional, a parte vencida interpusesse recurso extraordinário contra essa decisão; ou

B — se o STJ não conhece do REsp, pouco importa se examinando, ou não, a alegação de ofensa à lei federal, e, portanto, não julga a causa, não há substituição; logo, o RE subsiste e deve ser julgado pelo Supremo, que dele, entretanto, não conhecerá, se entender que o fundamento infraconstitucional da decisão recorrida, impugnado no REsp, é suficiente para sustentá-la (Súmula 283);

O REsp deverá, em princípio, ser julgado antes do RE, já que a decisão do STJ que porventura julgar a causa com fundamento em norma constitucional poderá ser revista pelo STF em caso de novo RE, enquanto que da decisão proferida pelo STF com fundamento na lei federal não poderá ser interposto recurso especial para o STJ. Seja como for, a decisão que primeiro julgar a causa acarretará a perda de objeto do recurso ainda não julgado, no ponto em que houver substituído a decisão recorrida e em tudo que dele dependa.

Julgar a causa significa enfrentar e decidir todas as questões necessárias à solução do ponto controvertido. As de fato, em princípio, já terão sido resolvidas pelas instâncias ordinárias. Restam as questões de direito relativas ao objeto da impugnação, ainda não alcançadas pela preclusão. O STJ não poderia julgar a causa — isto é, a matéria impugnada no REsp —, se não pudesse examinar inclusive os fundamentos de natureza constitucional existentes na decisão recorrida e impugnados no recurso extraordinário simultaneamente interposto.

Outro nódulo de perplexidade que se desfaz com a adequada compreensão da competência recursal extraordinária do Supremo e do STJ é o que decorre da não rara circunstância de a disciplina jurídica de determinada questão ser feita simultaneamente pela Constituição e pela lei federal, como ocorre, por exemplo, com a questão do direito adquirido. Cabendo a ambos os Tribunais o julgamento da causa, aquele que primeiro conhecer do recurso examinará toda a disciplina, legal e constitucional, da matéria.

Também se resolve a hipótese problemática da incidência do artigo 462 do CPC[36], no âmbito da competência recursal extraordinária. Não há dúvida de que, sendo necessário ao julgamento da causa, as modificações relevantes ocorridas na situação de fato ou na disciplina legal da matéria deverão ser tomadas em consideração, sem qualquer embaraço por parte das Súmulas 279, 280 e 282 do STF.

Em suma, a compreensão abrangente da competência recursal extraordinária do STF e do STJ parece equacionar de modo satisfatório vários problemas práticos e teóricos até hoje não resolvidos — ou, data venia, mal resolvidos —, relativamente aos recursos extraordinário e especial, sobretudo os advindos de sua coexistência.

Considerações finais
No julgamento, já mencionado, do RE 194.382, o ministro Marco Aurélio afirmou o seguinte:

O grande mal é não estar previsto na alínea “a” do inciso III do artigo 105 da Constituição o cabimento do especial, como ocorre em relação ao recurso de revista, ou no tocante ao recurso especial para o Tribunal Superior Eleitoral, por violência à Constituição Federal.

Estamos de pleno acordo. A possibilidade — e a eventual necessidade — da interposição simultânea dos Recursos Extraordinário e Especial sempre nos pareceu uma fonte de problemas incomparavelmente maiores que os benefícios que dela se poderiam esperar.

De lege lata, porém, entendemos que o grande mal está em considerar que o STJ, no exercício de sua competência recursal extraordinária, não pode ir além da questão federal veiculada no REsp, quando a Constituição Federal é expressa ao dizer que lhe cabe julgar as causas decididas; o grande mal está em aplicar à competência recursal extraordinária do STJ as limitações do instrumento que proporciona o seu exercício; está em não compreender que o constituinte, ao mesmo tempo que restringiu a matéria passível de ser alegada pelas partes no recurso especial, atribuiu ao STJ a mesma competência dada ao Supremo para julgar as causas decididas, o que órgão nenhum do Judiciário pode fazer sem a consideração potencial de todo ordenamento jurídico, a começar pela Constituição Federal.

Diante do texto inequívoco da Constituição de 1988; da interpretação histórica desse texto; da opinião unânime da doutrina, de ontem e de hoje, no que tange à premissa de que o Supremo, conhecendo do recurso, deve julgar a causa; da jurisprudência tradicional e sumulada do próprio STF; e das inconsistências de sua jurisprudência mais recente, é forçoso concluir que o sistema de recursos excepcionais resultante da articulação dos artigos 102, III, e 105, III, da Constituição Federal, não está funcionando como deveria.

Para que isto ocorra, basta que o Supremo Tribunal e o STJ reencontrem o caminho trilhado pela jurisprudência que deu origem à Súmula 456 e que decorre de norma expressa da Constituição Federal.


[1] A primeira Constituição Republicana (1891) já os previa no art. 59, § 1º, mas o recurso ainda não era chamado de extraordinário.

[2] Súmula 456: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

[3] A de 1934, no art. 76, 2, III; a de 1937, no art. 101, III; a de 1946, no art. 101, III; a de 1967, no art. 114, III; a EC 1/69, no art.119, III; e a CF/88, no art. 102, III.

[4] Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 2003, págs. 596/597.

[5] A última afirmação é, a nosso ver, equivocada. Como será demonstrado, o acórdão do tribunal ad quem só substitui a decisão recorrida se julgar a causa. Seja como for, de acordo com a sistemática hoje adotada pelo Supremo e pelo STJ, a incidência do art. 512 do CPC, quando há interposição simultânea dos recursos extraordinário e especial contra decisão que possua fundamentos suficientes de natureza constitucional e infraconstitucional, pode envolver problemas de difícil solução.

[6] Recurso Extraordinário, Livraria Editora Freitas Bastos, 1935, págs. 273/274. O autor observa que, mesmo na vigência da Constituição de 1891 – que, segundo a doutrina, não permitia que o Supremo fosse além do julgamento da questão – “a jurisprudencia mais seguida do Supremo Tribunal tem-se opposto a essa limitação da sua jurisdicção, decidindo em innumeros arestos que a Côrte pode, se o entender, julgar logo a causa”.

[7] Publicado no DJ de 28.02.1940.

[8] O Processo no Supremo Tribunal Federal, Livraria Freitas Bastos S.A., 1964, págs. 799/800.

[9] Referimo-nos à orientação e não especificamente aos precedentes que deram origem à súmula, os quais, a propósito, dela não destoam.

[10] Como ocorre nas hipóteses do art. 102, III, alíneas ‘b’, ‘c’ e ‘d’; e do art. 105, III, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição.

[11] Naturalmente, se a questão constitucional suscitada no RE diz respeito a um error in procedendo, o conhecimento não autoriza o STF a julgar o mérito da causa; da mesma forma, se o recurso veicular irresignação relativa a pretensão acessória, o julgamento da causa ficará limitado a essa pretensão.

[12] Até a aprovação da Emenda Regimental nº 21/2007, o Regimento Interno do STF dispunha expressamente em seu artigo 324: “No julgamento do recurso extraordinário, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma ou o Plenário não conhecerá do mesmo; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.” O fato de o Regimento Interno do STF não mais reproduzir o disposto na Súmula 456 não significa, obviamente, que ela tenha sido revogada.

[13] Desde que a causa tenha de ser julgada com base na regra cuja ofensa foi reconhecida, o que nem sempre acontece.

[14] Se se tratasse de error in procedendo, evidentemente, o órgão ad quem não poderia julgar o mérito da causa.

[15] Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

[16] No julgamento do REsp 609.144 (1ª Turma, rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 25.05.2004), o STJ, mesmo sem examinar se o acórdão recorrido havia ofendido a norma legal invocada no recurso (interposto com base na letra ‘a’ do permissivo constitucional), dele “conheceu” para declarar, de ofício, a nulidade do acórdão recorrido. Isto, data venia, entendemos que o Tribunal não poderia ter feito, pois, segundo o art. 105, III, ‘a’, da Constituição, o STJ só julga a causa depois de reconhecer que a decisão de segundo grau contrariou tratado ou lei federal.

[17] Além dos acórdãos citados no levantamento de Augusto Cordeiro de Mello (op. cit.), ver também a decisão proferida num dos precedentes da Súmula 456 (AI 23.496, 2ª Turma, rel. Min. Victor Nunes, DJ de 06.09.61): “…o Supremo Tribunal Federal não entra no exame das provas, para apreciar o cabimento do recurso, mas tão sòmente, depois que conhece do recurso, para julgar a questão federal envolvida.”.

[18] Art. 961. Nas obrigações negativas, o devedor fica constituído em mora, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster.

[19] O STJ adotou a mesma orientação no julgamento do REsp 5.178 (3ª Turma, rel. p/ ac. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 25.11.1991). Lê-se no voto condutor do acórdão: “Não há dúvida de que o Superior Tribunal de Justiça, assim com o Supremo Tribunal Federal, não se constituem em cortes de cassação. Cabe-lhes – o texto constitucional é expresso – julgar as causas que, por via do especial ou do extraordinário, lhes sejam submetidas. Para fazê-lo, entretanto, pode ser necessário examinar questões que não o foram pelas instâncias ordinárias. (…) Parece-me que não há impedimento algum a que, conhecido o especial, examine o Tribunal os demais fundamentos da defesa, de que não se cuidou, por desnecessário, já que seria bastante o que foi acolhido. (…) Considero, porém, que a norma constitucional, a determinar o julgamento da causa pelo Superior Tribunal de Justiça deva ser interpretada dentro do sistema e em atenção às funções dessa Corte. A base empírica do julgamento será a oferecida pelas instâncias ordinárias. Salvo violência a norma de direito probatório, os fatos a considerar serão os acertados no Tribunal que proferiu a decisão recorrida. Não se coaduna com o papel constitucional deste Tribunal sopesar provas. Tenho, pois, como adequados os parâmetros estabelecidos no julgamento do RE 67.284, acima mencionado. Se o julgamento da causa condicionar-se ao exame de provas, para verificar quais os fatos a serem considerados, deve a matéria ser devolvida à apreciação do Tribunal de origem.”

[20] Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 2001, pág. 156 e 184; José Afonso da Silva, Do Recurso Extraordinário no direito processual brasileiro, Revista dos Tribunais, 1963, pág. 300, 302/3; Bernardo Pimentel de Souza, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, Saraiva, 2004, pág. 610/611 e 660; Tereza Arruda Alvim Wambier, Controle das decisões judiciais por meio de recurso de estrito direito e de ação rescisória, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág.173/179.

[21] Op. cit., págs. 580/582 e 612/615.

[22] E, se a causa não é julgada, a decisão do STF não substitui a decisão recorrida (CPC, art. 512).

[23] Ainda que se possam estabelecer diferenças entre conhecimento com ou sem exame da questão de direito suscitada no recurso, como faz a pacífica jurisprudência do STF a propósito da competência para o julgamento da ação rescisória (Súmula 249: “É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida.”).

[24] Caberia ao STF “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (a) for impugnada sob a alegação de contrariar dispositivo desta Constituição.”

[25] Op. cit. pág. 326/327; Direito Aplicado II: pareceres, Forense, 2000, pág. 249/272.

[26] Desde que ela não tenha sido expressamente rejeitada pelo tribunal a quo. Do contrário, pensamos, deve prevalecer o que decidido pela instância ordinária. Por exemplo: se o autor fundamenta o pedido em direito proveniente de norma estadual e norma constitucional, e a ação é julgada procedente sem exame do primeiro fundamento, o STF, se entender que a decisão recorrida ofendeu a Constituição, não pode deixar de apreciá-lo ao julgar a causa, “sob pena de denegar jurisdição”. Mas, se o acórdão recorrido houver rejeitado expressamente tal fundamento, o Tribunal deverá abster-se de rever a questão, uma vez que, nesse particular, mesmo que o autor houvesse sucumbido, a decisão recorrida não poderia dar margem a recurso extraordinário ou especial. Entretanto, se o fundamento rejeitado fosse apto a ensejar o cabimento de recurso extraordinário ou especial, que só não foi interposto ante a falta do requisito da sucumbência – como ocorreu no RE 247.243 –, o STF deverá examiná-lo ao julgar a causa.

[27] Acórdão publicado no DJ de 24.06.1994. A despeito de haver adotado tese, a nosso ver, equivocada, o Tribunal decidiu corretamente a causa, pois, na hipótese, a decisão de segundo grau possuía fundamento constitucional suficiente e a parte vencida não interpusera o recurso extraordinário.

[28] O que parecia ser fundamento constitucional da decisão do STJ era, na verdade, simples obiter dictum. Fundamentos eram apenas aqueles que motivaram o não conhecimento do REsp relativamente às alegações de ofensa à lei federal e de dissídio na sua interpretação.

[29] No julgamento ora comentado, ficou vencido o Min. Marco Aurélio, por entender que a matéria constitucional não havia sido alcançada pela preclusão, a despeito de não haver sido interposto o recurso extraordinário; e que, sendo assim, o STJ poderia tê-la examinado ao julgar a causa. Para que isto ocorresse, no entanto, segundo entendemos, seria necessário que o STJ houvesse reconhecido a ofensa à lei federal ou a divergência alegada no recurso especial, o que não aconteceu. Ao conhecimento do REsp se antepunha, ademais, a regra da Súmula 126 do STJ.

[30] Segundo a pacífica – mas, d.v., equivocada – jurisprudência do STJ, não cabe a esse tribunal, em julgamento de recurso especial, “examinar matéria constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação de competência expressamente atribuída pela Constituição Federal ao STF (EDcl no AgRg na Pet 6106/SC, 1ª S., Min. Castro Meira, DJe de 15/09/2008; EDcl nos EDcl no CC 45572/RJ, 2ª S., Min. Massami Uyeda, DJ de 17/05/2007; EDcl nos EREsp 465538/RS, 1ª S., Min. Herman Benjamin, DJe 25/08/2008; EDcl no AgRg no Ag 771468/PR, 4ª T., Min. Luis Felipe Salomão, DJe 08/09/2008; EDcl no AgRg no REsp 883722/PE, 6ª T., Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2008)” (EDcl no REsp 1.092.206-SP, DJe de 18.06.2009).

[31] Súmula 283: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.”

[32] Súmula 126: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.”

[33] Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

[34] RE 194.382, Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 25.04.2003. Nesse julgamento – que é importantíssimo porque mostra claramente a inconsistência do sistema de recursos extraordinários, tal como vem sendo compreendido e aplicado –, o Min. Marco Aurélio, depois de ouvir do Min. Moreira Alves que “a Constituição criou algo que é inaudito em matéria constitucional”, completou: “Criou um pandemônio”.

[35] AI 622.510-AgRg (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 08.06.2007).

[36] Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

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