Língua padronizada

Acordo ortográfico e o processo de implantação

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28 de outubro de 2009, 6h08

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990, é um tratado internacional criado com a finalidade de estabelecer uma ortografia única para a língua portuguesa em todos os países que a adotam como língua oficial.

Diversos países subscreveram o referido tratado, como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, tendo este último aderido ao tratado posteriormente.

A divergência ortográfica da língua portuguesa remonta a mais de um século de reformas feitas de forma individualizada pelos países que a adotam como língua oficial. Portugal, por exemplo, efetuou uma grande reforma em 1911.

Verificando-se a necessidade de reduzir as diferenças ortográficas e, consequentemente, promover a unidade intercontinental do português, a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa promoveram um acordo ortográfico entre Brasil e Portugal, aprovado em 1931. Ante a baixa eficácia do referido tratado, elaborou-se, em 1943, uma nova Convenção Ortográfica.

Em 1945, em Lisboa, em novo encontro promovido entre tais instituições, elaborou-se a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de1945.

Alterações legislativas unilaterais levaram Brasil (1971) e Portugal (1973) a alterarem sua língua de molde a reduzir as diferenças ortográficas.

Em nova tentativa de unificação, a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa elaboraram um projeto de pacto, em 1975, que não chegou a ser adotado oficialmente. Nova tentativa de acordo é feita em 1986, no “encontro do Rio de Janeiro”, dessa vez envolvendo os países africanos lusófonos. Mais uma vez, porém, por questões de ordem política, o acordo não é oficializado.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa nasce da reunião de delegações de Angola, Brasil, Cabo Verde, Galiza, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, realizada em Lisboa, entre os dias 6 e 12 de outubro de 1990.

Em seu projeto inicial, entraria em vigor em 1º de janeiro de 1994, mas a falta de ratificação em massa levou à postergação de sua implementação. Em julho de 2004, foi firmado o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, que permitiu a adesão de Timor-Leste e estabeleceu que, em lugar da ratificação por todos os países, bastaria que três membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ratificassem o Acordo.

O texto original do Acordo estabelecia a necessidade de elaborar um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível.

Ainda se encontra pendente a realização desse feito. De forma isolada, a Academia Brasileira de Letras publicou uma edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, em março de 2009, adaptado às regras do Acordo. O que se sabe, porém, é que não foi elaborado um vocabulário ortográfico oficial comum. Há, portanto, uma lacuna que precisa ser preenchida.

 

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, apesar de possuir pontos positivos na unificação da língua e, consequentemente, na ampliação da importância da língua portuguesa no mundo, possui falhas técnicas e jurídicas que merecem destaque e divulgação.

Do ponto de vista técnico, encontram-se diversos pontos controversos que não contribuíram para a simplificação da língua. Diversas palavras mereceram grafias múltiplas, já que algumas alterações se mostraram facultativas. Ademais, não houve consenso quanto à supressão das consoantes mudas, do acento diferencial e do trema, bem como em relação às novas regras de hifenização.

Sob o aspecto jurídico, há diversas manifestações no sentido da inconstitucionalidade do Acordo. Em Portugal, por exemplo, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (Apel) identifica inconstitucionalidades no Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa[2]. Discussões relacionadas à soberania e à legitimidade democrática da imposição da nova grafia são apresentadas ante a desnecessidade de aceitação unânime de algumas das modificações.


Sob o aspecto econômico, não faltaram acusações no sentido de que o Acordo era justificado meramente por interesses econômicos unilaterais.

Base normativa
Segundo o texto constitucional brasileiro “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil” (artigo 13, caput).

 

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 54/1995, que possui a seguinte redação:

Artigo 1º É aprovado o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990.

Parágrafo único. São sujeitos à apreciação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do referido acordo, bem como quaisquer atos que, nos termos do artigo 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Artigo 2º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

(Grifo nosso)

O Decreto Legislativo 120/2002 aprovou o texto do Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, feito em Praia, em 17 de julho de 1998. A redação da norma é a seguinte:

Artigo 1º Fica aprovado o texto do Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, feito em Praia, em 17 de julho de 1998.

Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do referido Acordo, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do artigo 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Artigo 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

(Grifo nosso)

O Decreto 6.583/2008 promulgou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa nos seguintes termos:

O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, inciso IV, da Constituição, e

Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo 54, de 18 de abril de 1995, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990;

Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação do referido Acordo junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, na qualidade de depositário do ato, em 24 de junho de 1996;

Considerando que o Acordo entrou em vigor internacional em 1º de janeiro de 2007, inclusive para o Brasil, no plano jurídico externo; 

Decreta:

Artigo 1º O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, entre os Governos da República de Angola, da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República de Guiné-Bissau, da República de Moçambique, da República Portuguesa e da República Democrática de São Tomé e Príncipe, de 16 de dezembro de 1990, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. 

Artigo 2º O referido Acordo produzirá efeitos somente a partir de 1º de janeiro de 2009. 

Parágrafo único.  A implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida. 

Artigo 3º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do artigo 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. 

Artigo 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. (Grifo nosso)

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990, possui a seguinte redação:

Considerando que o projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional, 


Considerando que o texto do acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos Países signatários, a República Popular de Angola, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde, a República da Guiné-Bissau, a República de Moçambique, a República Portuguesa, e a República Democrática de São Tomé e Príncipe, acordam no seguinte: 

Artigo 1º

É aprovado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que consta como anexo I ao presente instrumento de aprovação, sob a designação de Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) e vai acompanhado da respectiva nota explicativa, que consta como anexo II ao mesmo instrumento de aprovação, sob a designação de Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990). 

Artigo 2º

Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas. 

Artigo 3º

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1o de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa. 

Artigo 4º

Os Estados signatários adotarão as medidas que entenderem adequadas ao efetivo respeito da data da entrada em vigor estabelecida no artigo 3º.

Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente credenciados para o efeito, aprovam o presente acordo, redigido em língua portuguesa, em sete exemplares, todos igualmente autênticos. (Grifo nosso)

Como se pode perceber, os atos normativos que internalizaram o tratado, seguindo a tradição brasileira, privilegiaram o papel que o Congresso Nacional possui na aprovação de alterações ou ajustes complementares. Tal previsão representa o respeito à democracia na imposição das regras linguísticas.

Para que possamos avaliar juridicamente o Acordo Ortográfico de 1990, é importante que façamos um cotejo do procedimento de internalização dos tratados com o princípio democrático.

Procedimento de internalização dos tratados e convenções internacionais

O rito de aprovação dos tratados internacionais pode ser considerado um ato complexo, já que envolve a atuação de diversos órgãos.

Podemos sistematizar da seguinte maneira o procedimento de internalização dos tratados e convenções internacionais[3]:

negociações preliminares ► assinatura do tratado pelo presidente da República ► aprovação de decreto legislativo ► ratificação por meio de decreto do presidente da República

Como podemos perceber, o procedimento de internalização inicia-se com a fase das tratativas preliminares, momento em que o texto do tratado será discutido entre os futuros signatários.

A segunda fase refere-se à assinatura ou adoção do tratado ou da convenção internacional pelo Presidente da República. Essa fase tem um caráter precário, já que ainda não vincula o Estado Brasileiro, limitando-se a demonstrar a intenção do país de aderir ao tratado. A partir da assinatura, é proibida a alteração do texto do tratado, cabendo apenas a possibilidade de apresentar reservas no momento de internalizar a norma.

Cuida-se de competência privativa do Presidente da República, descrita no artigo 84, VIII, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Artigo 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(…)

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

A referida assinatura poderá, segundo a Convenção de Viena de 1969, ser feita por signatário legalmente habilitado por meio de carta de plenos poderes (plenipotenciários), assinada pelo chefe do Executivo e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores. Outros requisitos listados referem-se à existência do mútuo consentimento e objeto lícito e possível. A existência da carta de plenos poderes, por óbvio, é dispensada quando se trata de tratado assinado pelo próprio chefe de Estado, que possui a chamada capacidade originária.[4]


A terceira fase diz respeito à aprovação do Poder Legislativo mediante referendo. Tal atribuição, em nosso país, é conferida ao Congresso Nacional, que o fará mediante aprovação de Decreto Legislativo, norma que prescinde de submissão à fase de deliberação executiva, ou seja, não se submete à sanção presidencial. Disciplinando tal competência, temos o disposto no artigo 49 da CF:

Artigo 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

A quarta fase é satisfeita com a ratificação do tratado internacional pelo Presidente da República. Cuida-se de ato administrativo unilateral e discricionário que vincula o ordenamento jurídico interno dos países signatários. Somente nesse momento o tratado internacional está apto a produzir efeitos, passando, assim, a compor nosso ordenamento jurídico. Antes da ratificação, porém, o tratado já produz efeitos entre as partes, vinculando os agentes dentro do plano internacional[5].

A democracia e Estado Democrático de Direito
As raízes históricas da democracia remontam à Grécia, local onde se desenvolveu o liberalismo clássico, influenciado pelas ideias de Aristóteles e de Cícero. A democracia moderna, tal qual se apresenta nos dias atuais, possui como marco o liberalismo – tendência que valorizava o indivíduo acima da religião, da Igreja (Humanismo) ou de qualquer outra instituição –, o que leva a uma crescente valorização da participação dos cidadãos nos negócios do Estado. Outros valores difundidos à época também decorreram desse conceito, tais quais a supremacia da lei, a liberdade de expressão intelectual e a não intervenção do Estado na economia, difundidos na obra Dois Tratados sobre o Governo (LOCKE, 2005).[c2]

John Locke ganha o título de teórico da democracia ao difundir, influenciado pela segunda Revolução Inglesa (Revolução Gloriosa, 1689), as ideias liberais em contraposição ao absolutismo defendido por Thomas Hobbes. Segundo Locke, a finalidade do Estado é a defesa dos direitos fundamentais do indivíduo (inerentes à natureza humana, presentes no chamado “estado de natureza” pré-social), devendo, para tanto, se submeter aos impérios da lei. De acordo com essa tendência, o povo pode rebelar-se diante de uma tentativa do Estado de ofender os direitos fundamentais, o que remonta, em análise pormenorizada, à ideia de constitucionalismo perverso, hoje desenvolvida pela sociologia jurídica.

Dessa forma, democracia deixa de ser encarada apenas como um mero procedimento de votação popular para estabelecer-se como um elemento capaz de impor que as decisões políticas sejam adequadas à vontade da sociedade. Cuida-se do conceito de democracia substancial.

É muito comum identificar a democracia como um mero método de tomada de decisões. Essa visão, porém, mostra-se incompleta. A democracia deve ser vista sob duas óticas: formal e substancial (FERRAJOLI, 2009, p. 1)[6]. O aspecto formal (ou procedimental) da democracia diz respeito a um método de formação de decisões coletivas, tomado muitas vezes como o próprio conceito de democracia. Essa ideia de democracia, porém, não pode ser empregada de forma isolada, sem que seja condicionada a qualquer aspecto substancial, de conteúdo.

Segundo Luigi Ferrajoli (2009, p. 2), as decisões precisam ser legitimadas não apenas pelo seu procedimento de decisão, sob pena de a maioria consistir em um poder absoluto, o que não se coaduna com o Estado Constitucional de Direito. Conceder aos métodos democráticos um caráter absoluto poderia levar até mesmo à utilização desses mecanismos para suprimir os próprios métodos democráticos, o que ousamos denominar autofagia democrática.

A democracia não é, por si só, um regime justo e garantista. A história demonstra que em regimes democráticos é possível que a maioria venha a suprimir direitos de liberdades e inclusive o direito à vida.

Sendo assim, Ferrajoli (2009) indica que um regime verdadeiramente democrático requer que se subtraia da maioria o poder de suprimir as minorias, dando à democracia conotação substancial, que leva em conta o conteúdo das decisões e não apenas o método democrático. Essa limitação do poder das maiorias teria como aliada a rigidez constitucional, que eleva certos valores a um patamar superior, não passível de modificação sob o aspecto meramente legislativo.

O estudo da teoria de Luigi Ferrajoli, de democracia substancial, se mostra extremamente importante, pois demonstra que as decisões majoritárias não são absolutamente soberanas. Existem valores superiores à democracia e que sobre ela se impõem, restringindo a esfera de deliberação democrática.

Assim, a verdadeira democracia mostra-se configurada a partir da razão instrumental que adquire o Estado frente aos direitos fundamentais, protegendo-os e tornando-os efetivos.[7]

A Academia Brasileira de Letras e seu papel na definição do repertório lexical
O vocabulário ortográfico brasileiro tem sido, de certa forma, imposto pela Academia Brasileira de Letras, instituição privada que edita periodicamente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP. O referido vocabulário é reconhecido como um instrumento de definição, no Brasil, da forma de aplicação do Acordo Ortográfico.

É responsável pela publicação a Comissão de Lexicografia e Lexicologia da ABL. Tal comissão, porém, não possui legitimidade para regulamentar o tratado internacional do qual o Brasil é signatário.

Verifica-se, portanto, que há uma omissão estatal quanto ao cumprimento do tratado, o que acaba por abrir campo a que uma entidade de cunho eminentemente privado substitua o Estado nessa função.

Compete ao Estado pugnar pela correta execução de leis e tratados. Existe uma estrutura capaz de cumprir essa função de forma muito mais técnica e democrática.

Falamos em democracia, aqui, em sua acepção formal e substancial, ambas desrespeitadas até o momento.

Ainda que se admita que a ABL venha a estabelecer notas explicativas sobre o Acordo Ortográfico, deve-se ter em mente que tais notas não podem extrapolar o que contido no tratado. Nesse caso, invadimos o campo da ilegalidade.

Isso é, infelizmente, o que vem ocorrendo recentemente, nesse momento de adaptação de nossa língua à proposta de uniformização.

A edição do VOLP de 2009 recebeu uma nota explicativa que promove alterações que ferem o disposto no tratado. Isso desobedece ao estabelecido em todos os atos normativos supratranscritos, que expressamente impõem que todas as modificações ao tratado sejam submetidas ao Congresso Nacional.

Citaremos algumas dessas modificações:

1) Restabelecer o acento gráfico nos paroxítonos com os ditongos éi e ói quando incluídos na regra geral dos terminados em -r: Méier, destróier, blêizer.

2) Restabelecer o acento circunflexo nos paroxítonos com o encontro ôo quando incluídos na regra geral dos terminados em -n: herôon.

3) Incluir na regra geral de acentuação os paroxítonos terminados em -om: iândom, rádom (variante de rádon).

4) Incluir o emprego do acento gráfico na sequência ui de hiato, quando a vogal tônica for i, como na 1ª pessoa do singular do pretérito do indicativo: arguí.

5) Limitar as exceções de emprego do hífen às palavras explicitamente relacionadas no Acordo, admitindo apenas as formas derivadas e aquelas consagradas pela tradição ortográfica dos vocabulários oficiais, como passatempo, varapau.

6) Incluir no caso 1º da Base XV o emprego do hífen nos compostos formados com elementos repetidos, com ou sem alternância vocálica ou consonântica de formas onomatopeicas, por serem de natureza nominal, sem elemento de ligação, por constituírem unidade sintagmática e semântica e por manterem acento próprio: blá-blá-blá, reco-reco, trouxe-mouxe.

7) Incluir no caso 3º da Base XV, relativo às denominações botânicas e zoológicas, as formas designativas de espécies de plantas, flores, frutos, raízes e sementes, conforme prática da tradição ortográfica.

8) Excluir do emprego do hífen as formas homógrafas de denominações botânicas e zoológicas que têm significações diferentes àquelas: “bico de papagaio”, “nariz adunco”, “saliência óssea”.

9) Excluir o prefixo co- do caso 1º, a), da Base XVI, por merecer do Acordo exceção especial na Obs. da letra b) da mesma Base XVI e por também poder ser incluído no caso 2º, letra b), da Base II (coabitar, coabilidade etc.). Assim, por coerência, co-herdeiro passará a coerdeiro.

10) Incluir, por coerência e em atenção à tradição ortográfica, os prefixos re-, pre- e pro- à excepcionalidade do prefixo co-, referida na Obs. da letra b) do caso 1º da Base XVI: reaver, reeleição, preencher, proótico.

11) Registrar a duplicidade de formas quando não houver perda de fonema vocálico do 1º elemento e o elemento seguinte começar por h-, exceto os casos já consagrados, com eliminação desta letra: bi-hebdomadário e biebdomadário, carbo-hidrato e carboidrato, mas só cloridrato.

12) Incluir entre as locuções, portanto não hifenadas, as unidades fraseológicas constitutivas de lexias nominalizadas do tipo de deus nos acuda, salve-se quem puder, faz de conta etc.

13) Excluir o emprego do hífen nas expressões latinas quando não aportuguesadas: ab ovo, ad immortalitatem, carpe diem, in octavo, mas in-oitavo.

14) Excluir o emprego do hífen com o prefixo an- quando o 2º elemento começar por h-, letra que cai, à semelhança do que preceitua o texto do Acordo para os prefixos des- e in-: anistórico, anepático. Na forma a-, usa-se o hífen e não se elimina o h-: a-histórico.

15) Excluir o emprego do hífen nos casos em que as palavras não e quase funcionam como prefixos: não agressão, não fumante, quase delito, quase irmão.

Segundo o art. 49 da Constituição Federal, é competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa. Sendo assim, não é possível que a definição da língua oficial da República Federativa do Brasil seja delegada a um ente privado que não possui qualquer legitimação democrática e que não promove um adequado diálogo com a sociedade.

Não é admissível que em nosso Século, no qual se abandonou definitivamente a possibilidade de imposição autoritária de regras de comportamento, ainda seja tão maltratada aquela que Olavo Bilac carinhosamente chamou de “última flor do Lácio, inculta e bela”.

Podemos verificar que duas situações indesejadas precisam ser urgentemente corrigidas. Em primeiro lugar, há que se pôr um fim no estado de letargia em que se encontra o Poder Público, a fim de ser designado um órgão estatal, competente, tecnicamente preparado e democraticamente legitimado para especificar em que termos o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa deve ser aplicado.

Em segundo lugar, caso se entenda que a ABL possui legitimidade para tratar de tais temas, é imperioso que cada alteração lexical seja precedida de análise do Congresso Nacional, expurgando-se quaisquer tentativas de alterar aquilo que foi ratificado pelo Congresso Nacional perante a comunidade internacional.

Por fim, incumbe ao Estado brasileiro, respeitando sua soberania, pugnar pela pronta elaboração do vocabulário comum da Língua Portuguesa, que conferirá segurança jurídica às milhões de pessoas que a utilizam diariamente.


[1] Procurador da Fazenda Nacional, acumula uma longa experiência em cursos universitários, preparatórios e de aprimoramento profissional em órgãos públicos. Autor de diversas obras publicadas, também leciona a distância, por meio dos cursos online disponibilizados pela Vestcon Editora. Bacharel em Direito, possui formação em magistério superior e é especialista em Direito Constitucional pela Unisul e pela Universidad Castilla-La Mancha, na Espanha.

[2] Fonte:

[3] Sistemática adotada por Valério de Oliveira Mazzuoli (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público: parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 60-65).

[4] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público: parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 62.

[5] Nesse sentido, o decidido na ADI 1.480-MC/DF-STF, Rel. Min. Celso de Mello, Sessão Plenária de 4/9/1997, do qual destacamos o seguinte trecho: “O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. […]” (Com grifos no original).

[6] FERRAJOLI, Luigi. El paradigma normativo de la democracia constitucional. Texto base da aula proferida por Luigi Ferrajoli no dia 13 de janeiro de 2009 no curso de pós-graduação em Direito da Universidad de Castilla-La Mancha, Toledo, Espanha.

[7] Nesse sentido, leciona Luigi Ferrajoli (2009, p. 11): “[…] Y es en esta relación entre medios institucionales y fines sociales y en el consiguiente primado del punto de vista externo sobre el punto de vista interno, de los derechos fundamentales sobre los poderes públicos, de las personas de carne y hueso sobre las maquinarias políticas y sobre los aparatos administrativos, en lo que consiste el significado profundo de la democracia. Por lo demás, en tiempos como los que vivimos, es precisamente esta concepción garantista de la democracia la que debe ser afirmada y defendida, contra las derivas mayoritarias y tendencialmente plebiscitarias de la democracia representativa y sus degeneraciones video-cráticas”.

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