Direito coletivo

A legitimidade para demandar ação civil pública

Autor

27 de outubro de 2009, 17h30

A tutela dos direitos coletivos está em festa. Mais um protagonista foi escalado para o seu patrocínio. Desta vez, a convocada foi a Defensoria Pública. A boa inovação legislativa veio assentada tanto na própria Lei Ordinária 7.347/85, que, por excelência, introduziu e regulamenta a ação civil pública em nosso ordenamento, como na nova Lei Complementar 132, recém-sancionada, que promoveu a Reforma da Defensoria Pública Nacional, adaptando-a à nova realidade democrática e constitucional.

Mas, os réus, os demandados nas tutelas coletivas, também estão em festa. Explico. É porque ao invés do elenco de legitimados para a propositura da ação civil pública se confraternizarem, se emparelharem, na busca da felicidade geral e da promoção do bem-estar de todos, optaram por fazer eclodir verdadeira guerra de vaidades, criando-se verdadeira doutrina hostil de todos os lados.

A preliminar de ilegitimidade ativa nessas demandas moleculares será uma constante. Pobre Superior Tribunal de Justiça, quando achava que quase tudo na jurisprudência infraconstitucional já se encontrava uniformizado, terá agora que fazer o papel das forças de paz das Nações Unidas para conter essa batalha de ciúmes dos legitimados para a ação civil pública. Não serão poucas as súmulas que serão editadas sobre o tema. É claro, também vai acabar sobrando para o Supremo Tribunal Federal, afinal, quase tudo se encontra em nossa analítica e costurada Constituição.

E o povo? Ah, para responder a esta indagação fico com Elizabeth Santos Leal de Carvalho, a nossa Beth Carvalho: “E o povo como está? Está com a corda no pescoço. É o dito popular, Deixa a carne e rói o osso. Mas a vida dessa gente, aposto que está um colosso. Mas da fruta que eles gostam. Eu como até o caroço”. Ora, o povo que espere, afinal de contas, a doutrina vanguardista sequer lançou suas obras sobre esse árduo tema. Quanto a jurisprudência, é preciso ter calma, os Tribunais também se ocupam de outras causas. Acho que daqui uns vinte anos a coisa fica mais resolvida. O povo, já disse, tem que esperar, não apressem.

Bom, acho que a coisa, do jeito que está, pelo que tenho lido por aí, deve ficar mais ou menos assim: antes de ajuizar uma ação civil pública o órgão de execução do ente ou instituição legitimada deverá, por um critério de exclusão, verificar um direito ou interesse o qual nenhum outro dos legitimados ativos poderia insinuar algum interesse. Por exemplo, o Ministério Público teria interesse para ajuizar demanda visando o corte de árvore que ameace desabar em sua sede social, enquanto a Defensoria Pública proporia ação visando dar alguns sanduíches a um grupo de necessitados famintos que se encontra em determinada rua. Ainda assim, nos exemplos dados, alguma Associação que inclua nas suas finalidades institucionais a proteção às arvores doentes, ou o Município que preste ativamente a assistência social aos seus habitantes, poderiam ser imputados, respectivamente, como os verdadeiros legitimados ativos para o ajuizamento dessas demandas não individuais.

Por certo, a primeira coisa que vem à mente, é que nenhum outro co-titular ativo ousará, nesses exemplos dados acima, a discutir no processo o melhor ou mais conveniente legitimado, afinal, o que interessa é que o imbróglio tem que ser resolvido. Nem uma árvore pode cair na cabeça de quem quer que seja, nem um grupo de pessoas deve morrer de forme.

Mas, alto lá. A questão da discussão prática da legitimidade ativa para demandar a ação civil pública é, e sempre será, matéria a ser arguida pela defesa, pelo demandado nesta ação coletiva. É o réu que deverá se desdobrar para assegurar ao julgador, antes de adentrar ao mérito da questão, que aquele autor não é o vocacionado sublime para aquela determinada causa, ou, então, que aquele que ajuizou a ação é o que reúne menos elementos entre suas finalidades institucionais para o ajuizamento da ação. E dessa decisão, por óbvio, sempre caberá recurso, e outro recurso, e por aí vai. Tudo, para se atingir o melhor legitimado ativo, o ungido.

Sugerir uma assistência, um litisconsórcio ativo, até agora não li nada sobre essa hipótese. Bem que essa forma de alteração superveniente do pólo ativo da ação coletiva resolveria qualquer problema. As chances do demandado obter uma sentença terminativa seria zero, nenhuma. E o bem ou interesse coletivo restaria incólume, ou, na pior das hipóteses, estaria recuperado com seu retorno ao estado anterior.  

Mas, está todo mundo de mal. Tocar nesse assunto de intervenção de terceiros ou litisconsórcio ativos em ação civil pública pode ecoar como sugerir co-autoria entre o Tom e Jerry para qualquer coisa. E, curiosamente, alguém já leu alguma doutrina ou artigo, qualquer produção literária feita por costumeiros e conhecidos demandados em ações civis públicas a respeito da rigidez da legitimidade ativa para a tutela dos direitos e interesses coletivos? Faça uma breve consulta na internet. A constatação é surpreendente. A discussão é travada entre os próprios titulares ativos dessas ações moleculares. Não há outro ringue. Os próprios juízes, alheios à essa batalha de ciúmes, mantêm-se preocupados é mesmo em entregar a prestação jurisdicional, em dar a cada um o que é seu, ou, em dar a muitos o que é deles, e ponto final. E os Tribunais Superiores, com intenso altruísmo e compromisso social, trilham o mesmo caminho das instâncias inferiores de todos os cantos do Brasil. Parabéns Poder Judiciário.

A sociedade brasileira está em colapso. Acaba de ser derrubado pela primeira vez na história, com um tiro de bazuca, lança-foguetes, ou sei lá o que, um helicóptero da polícia militar carioca, morrendo três de seus ocupantes. A questão da exploração sexual infantil, da pedofilia, incestuosa ou não, chegou a pontos inaceitáveis para um país que se diz o supra-sumo da América Latina, a bola da vez, parece que isso é coisa natural. Os assaltos, com vários homens armados, mediante sequestro de vítimas, é uma constante em todos os Bairros, nem se faz mais boletins de ocorrência, sair vivo já é a glória. A visão apocalíptica de João de que nos fins do tempo será mãe contra filho e filho contra mãe já está em cena,  parece que não pode ser rebobinada.

E o que fazem os legitimados ativos para a propositura da ação civil pública? Criam uma Faixa de Gaza jurídica. Não há troca de informações ou idéias para melhor instrução destes feitos, não há confecção conjunta de provas e pareceres, entre outras tantas cooperações que seriam importantíssimas para o ajuizamento e deslinde desses pleitos. É como se estivéssemos no Jardim do Édem, como se o que importasse mesmo fosse a contemplação ou reflexão do perfeito. A execução prática da idéia, em busca de um mundo melhor e mais justo, deve ficar mesmo enterrada debaixo da vaidade.

Boa sorte, Brasil! E o povo, espere sentado, "com a corda no pescoço".

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!