Direitos difusos

Considerações sobre a Defensoria e as ações coletivas

Autores

  • Felipe Pires Pereira

    é defensor público no estado de São Paulo doutorando em Direito Civil pela PUC-SP e professor de Direito Processual Civil e Prática Jurídica Civil na Universidade Católica de Santos.

  • Tiago Fensterseifer

    é defensor público no estado de São Paulo doutor e mestre em Direito Público pela PUC-RS e professor.

27 de outubro de 2009, 14h50

O presente artigo objetiva lançar alguns argumentos (e luzes!) na discussão a respeito da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da ação Civil Pública, especialmente no tocante à tutela de direitos difusos, já que, em relação aos direitos individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito, a polêmica parece já superada. Assim, há um debate importante sobre a questão impulsionado por entidades ligadas ao Ministério Público, em oposição à inclusão da Defensoria Pública no rol dos entes legitimados para a propositura da Ação Civil Pública, o que foi levado a cabo inicialmente através da Lei 11.448/07 — que alterou a redação do artigo 5º, inciso II, da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

Após a edição do diploma legislativo referido acima, o debate passou a tomar assento junto ao Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943, interposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) contra o referido dispositivo, já com parecer do Procurador-Geral da República pela sua inconstitucionalidade. A mesma atitude contrária à legitimidade da Defensoria Pública, fomentada por entidades representativas do parquet, foi tomada ao longo da tramitação e aprovação da “nova” Lei Orgânica da Defensoria Pública (diante das alterações trazidas pela Lei Complementar 132/09 à Lei Complementar 80/94), a qual consagrou como função institucional da Defensoria Pública a promoção de “Ação Civil Pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes” (art. 4º, VII).

E, mais recentemente, as entidades de classe do Ministério Público voltaram-se contra a legitimidade da Defensoria Pública para a atuação coletiva no âmbito do sistema prisional, haja vista o trâmite em curso no Senado do Projeto de Lei Complementar 43/09, que modifica a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).

Em linhas gerais, a Defensoria Pública exerce um papel constitucional essencial na tutela e efetivação dos direitos fundamentais — de todas as dimensões ou gerações — da população necessitada, pautando-se, inclusive, pela perspectiva da integralidade, indivisibilidade e interdependência de todas as dimensões.[1] Assim, da mesma forma que a Defensoria Pública atua na tutela dos direitos liberais (ou de primeira dimensão), conforme se verifica especialmente no âmbito da defesa criminal, movimenta-se também, e de forma exemplar, no sentido de tornar efetivos os direitos sociais (ou de segunda dimensão), o que se registra nas ações que pleiteiam medicamentos e tratamentos médicos (direito à saúde), nas ações e defesas possessórias (direito à moradia) e nas ações que reivindicam vaga em creche ou no ensino fundamental (direito à educação), em vista sempre do seu dever constitucional de tutelar a dignidade da parcela pobre e vulnerável da população brasileira.

Nessa linha, com o surgimento dos direitos fundamentais de solidariedade (ou de terceira dimensão), como é o caso da proteção do ambiente e dos direitos dos consumidores, automaticamente a tarefa constitucional de zelar por eles é atribuída à Defensoria Pública, em razão de que à população pobre também deve ser garantido o desfrute de suas vidas em um ambiente saudável e equilibrado, e, portanto, digno. As dimensões de direitos fundamentais, na sua essência, materializam os diferentes conteúdos integrantes do princípio da dignidade humana, o qual se apresenta como o pilar da arquitetura constitucional e objetivo maior a ser perseguido na atuação da Defensoria Pública. Onde houver violação a direitos fundamentais e à dignidade da população necessitada, a Defensoria Pública estará legitimada constitucionalmente para fazer cessar tal situação degradadora dos valores republicanos.

Para certificar o atual perfil constitucional da atuação institucional da Defensoria Pública no âmbito do Estado de Direito brasileiro, registra-se a sua já referida inclusão no rol dos entes legitimados para a propositura da Ação Civil Pública (art. 5º, II, da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 11.448/07). Tal mudança legislativa transpõe para o plano infraconstitucional o novo perfil dado à Defensoria Pública a partir da Reforma do Poder Judiciário, levada a cabo através da Emenda Constitucional 45/2004, a qual fortaleceu a sua dimensão jurídico-constitucional no Estado de Direito brasileiro, conferindo à instituição autonomia institucional (funcional, administrativa e financeira), recentemente regulamentada no plano infraconstitucional através da Lei Complementar 132/09).


E, nesse prisma, o reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública força ainda mais a abertura do Poder Judiciário às demandas coletivas da população brasileira necessitada, ampliando e garantindo o seu acesso à justiça. Como assevera Marinoni, “quanto mais se alarga a legitimidade para a propositura dessas ações, mais se intensifica a participação do cidadão — ainda que representado por entidades — e dos grupos no poder e na vida social”.[2]

A “abertura das portas” do Poder Judiciário, alinhado com as garantias constitucionais do acesso à justiça (art. 5º, LXXIV) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), toma o rumo traçado pelo espírito democrático-participativo da nossa Lei Fundamental de 1988. E tal “abertura de portas”, ampliando o acesso das pessoas, especialmente daquelas que antes não ingressavam nas nossas Cortes de Justiça por impossibilidade econômica e técnica, está diretamente relacionada à legitimidade para a propositura de ações judiciais, além, é claro, de outras questões estruturais e organizacionais do nosso sistema de justiça.

A partir do enfoque da instrumentalidade do processo, Dinamarco defende a modificação do sistema processual de modo a torná-lo aberto ao maior número possível de pessoas. Pela trilha instrumentalista, o sistema processual deve adotar técnicas capazes de “dotar o processo de maior carga de utilidade social e política”.[3] Através de instrumentos como o Mandado de Segurança Coletivo e a Ação Civil Pública, amplia-se a via de admissão em juízo e, consequentemente, o acesso à justiça, permitindo a abertura do sistema, de modo proporcionar benefícios a indivíduos e grupos sociais.[4]

O reconhecimento da legitimidade ativa da Defensoria para a propositura da Ação Civil Pública ruma nessa direção, consolidando entendimento doutrinário e jurisprudencial[5]. Alinhados a tal compreensão, Didier e Zaneti acentuam que a nova redação conferida ao artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), determinada pela Lei 11.448/07, prevendo expressamente a legitimidade ativa da Defensoria Pública (art. 5º, II) para a propositura da Ação Civil Pública, atende à evolução da matéria, de modo a democratizar a legitimação, bem como revelar a tendência jurisprudencial que já se anunciava.[6]

Na mesma linha processual-constitucional, Castro Mendes, ao referir o “espírito” subjacente à inclusão da Defensoria Pública como legitimado ativo para a propositura da ação civil pública no Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, destaca que o caminho trilhado foi no sentido de democratizar o acesso à justiça, fortalecendo as ações coletivas a partir da ampliação do rol de legitimados, de modo a romper com os sistemas tradicionais que procuram atribuir com certa exclusividade tal legitimidade.[7]

A legitimidade, em linhas gerais, define “quem” pode atuar em juízo na tutela de determinado direito material. Por vezes, como ocorre comumente nas ações coletivas, não há identidade entre “quem” atua em juízo na defesa de determinado direito e o “titular” do direito em si. Em que pese a divergência doutrinária a respeito da natureza de tal legitimidade, há a chamada por alguns de legitimação extraordinária por substituição processual[8], diferentemente da legitimação ordinária (art. 6º do CPC), que é a regra nas ações individuais e caracteriza-se pela identidade entre o autor da ação e o titular do direito.

De certa forma, quanto maiores e em maior número forem os canais de acesso ao sistema de justiça, especialmente para o caso das demandas coletivas, com a descentralização de tal “poder” e a atribuição de tal função a um maior número de instituições públicas (como o Ministério Público e a Defensoria Pública) e de instituições privadas (como as associações civis ou mesmo o próprio cidadão individualmente), maiores serão as chances de que as violações a direitos transindividuais alcancem o Poder Judiciário e, consequentemente, melhores serão as condições para a efetividade de tais direitos.


Do contrário, privar a Defensoria Pública do uso de tal instrumento processual representaria o mesmo que, em termos caricaturais, não disponibilizar a determinado operário de uma indústria máquinas e técnicas hoje existentes e capazes de aperfeiçoar e trazer maior economia e produtividade ao seu trabalho. Quando voltamos o olhar para os “operadores” do sistema de justiça (e o Defensor Público se coloca entre eles, assim como o Promotor de Justiça), tal técnica implica justamente maior economia e celeridade processual, bem como maior efetividade de direitos.

No entanto, na contramão da História e de forma contrária à evolução da matéria em termos constitucionais e processuais, por fundamentos que mascaram pretensões puramente corporativas têm se posicionado entidades vinculadas ao Ministério Público, conforme verificado na já mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943.

A exclusão da Defensoria Pública do rol dos entes legitimados para a propositura da Ação Civil pública, notadamente para a hipótese dos direitos difusos, segue o caminho inverso do ideal democrático-participativo e da ampliação do acesso à justiça, pois pretende concentrar, e não descentralizar, tal “poder” de intervenção judicial em questões atinentes a direitos difusos. Tal descentralização do “poder” para o ajuizamento da Ação Civil Pública é salutar à manutenção das bases democrático-participativas que alicerçam axiologicamente os instrumentos processuais de tutela coletiva e o sistema processual coletivo como um todo.

Conforme registrou a professora Ada Pelegrinni Grinover, em parecer ofertado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943, “seria até mesmo um contra-senso a existência de um órgão que só pudesse defender necessitados individualmente, deixando à margem a defesa de lesões coletivas, socialmente muito mais graves”, bem como que “fica claro, assim, que o verdadeiro intuito da requerente, ao propor a presente ADI, é simplesmente o de evitar a concorrência da Defensoria Pública, como se no manejo de tão importante instrumento de acesso à justiça e de exercício da cidadania pudesse haver reserva de mercado”. [9]Ao fim e ao cabo, a exclusão da legitimidade da Defensoria Pública para manusear Ação Civil Pública na tutela de direitos difusos traria como consequência a vedação da sua atuação em matérias sensíveis e visceralmente atreladas à sua vocação constitucional, como é o caso de ações civis públicas movidas para assegurar a efetividade de direitos sociais, como é o caso, por exemplo, da saúde e da moradia.

No tocante à moradia, de acordo com os dados oficiais (Ibge,Pnad), o déficit habitacional no Brasil atinge 7,9 milhões de moradias, sendo que 96,3% deste déficit habitacional está concentrado na população com faixa de renda da até 5 salários mínimos[10]. Portanto, negar legitimidade à Defensoria Pública para tutela da ordem urbanística, direito difuso por excelência, é destituir a aplicabilidade das normas de ordem pública inseridas no Estatuto da Cidade que elencam a regularização fundiária e urbanização das áreas ocupadas pela população de baixa renda como diretriz geral da política urbana, e permitem a tutela coletiva de uma “nova ordem urbanística popular”[11]. O asseguramento de condições mínimas de bem-estar (saúde, higiene, alimentação, etc.) no âmbito do sistema penitenciário também se enquadra no plano dos direitos sociais referido acima.

Nesse prisma, convém frisar que o pleito judicial dos direitos sociais legitima-se justamente em decorrência da hipossuficiência econômica ou organizacional dos indivíduos ou coletividade privada de tais direitos, o que conduz tais demandas de forma direta à atuação institucional da Defensoria Pública. O direito envolvido em tais questões, quando não se trata de uma demanda unicamente individual, toma a forma, muitas vezes, de um direito difuso, pois atende ao interesse de um grupo indeterminado de pessoas que fazem uso de tais serviços públicos essenciais (ex. rede pública de ensino ou de saúde). Por exemplo, na hipótese de uma epidemia de dengue, como registrado recentemente no estado do Rio de Janeiro, imaginar que a Defensoria Pública não tenha legitimidade para tutelar a saúde pública é subverter a sua finalidade institucional consagrada pela nossa Lei Fundamental, uma vez que o principal atingido por qualquer violação à rede pública de saúde e à saúde pública em si é o cidadão necessitado, que não pode valer-se da rede privada de serviços de saúde por falta de recursos econômicos.


Aliás, é bom ressaltar, como ficou documentado no Relatório do Ministério da Justiça sobre a “Tutela Judicial dos Interesses Metaindividuais”[12], a atuação do Ministério Público, para dizer pouco, deixou muito a desejar na seara dos direitos sociais. Talvez isso ocorra pela falta de proximidade que o Ministério Público guarda com a população pobre e os movimentos sociais que os representam. Afinal de contas, não são os promotores de Justiça, e sim os defensores públicos, que atendem todo dia nas sedes da Defensoria Pública, aos milhares, as pessoas necessitadas, desprovidas que são do acesso aos seus direitos fundamentais mais básicos, e acima de tudo, de uma vida digna.

Por sua vez, causa estranheza que o Ministério Público nunca tenha levantado a sua voz contra a constitucionalidade da legitimidade dos demais entes arrolados no rol do artigo 5º da LACP, mas apenas da Defensoria Pública agora. É provável que assim tenha ocorrido em razão de que a legitimidade dos demais entes, praticamente nunca saiu do papel, sendo que, até hoje, mais de 90% das ações civis públicas são (e sempre foram!) ajuizadas pelo órgão ministerial. [13] Na prática, consolidou-se um “monopólio”, o qual se vê hoje ameaçado pela atuação crescente da Defensoria Pública.

Há sempre que existir um aparato de controle da atuação do poder público, bem como a criação de instrumentos tendentes à sua descentralização e democratização. Tal foi o caminho perseguido pelo legislador infraconstitucional ao incluir a Defensoria Pública no rol do artigo 5º da LACP, recentemente ratificado pela Lei Complementar 132/09, conforme referido anteriormente. Interpretar a norma do artigo 5º, II, da LACP de forma restritiva no caso da legitimidade para a propositura da Ação Civil Pública na tutela de interesses difusos é interpretá-la contrariamente ao princípio da maior eficácia possível dos direitos fundamentais, consagrado no artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição.

De tal sorte, como destacam Didier e Zaneti, uma interpretação restritiva da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública contraria os princípios da tutela coletiva.[14] Não há que se falar, portanto, em sobreposição de atribuições entre o Ministério Público e a Defensoria Pública. Ambas as instituições públicas desempenham funções constitucionais da mais alta relevância no âmbito do nosso sistema de justiça, sendo a Ação Civil Pública apenas um instrumento processual (entre tantos outros!) capaz de dar vazão e efetividade às suas vocações institucionais em termos de tutela de direitos.

Uma questão colocada como entrave ao reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública para a Ação Civil Pública, especificamente na tutela de direitos difusos, diz respeito à impossibilidade da individualização dos titulares do direito em questão e, por conta disso, também a impossibilidade de identificar se as pessoas beneficiadas seriam pessoas necessitadas ou não, de modo a legitimar ou não a atuação da Defensoria Pública.

No entanto, tal questão pode ser facilmente superada, já que o caso concreto sempre trará elementos fáticos capazes de indicar a existência — ou não! — de interesses de pessoas necessitadas, o que ocorre, por exemplo, quando tal Ação Civil Pública objetiva suprimir a ausência de saneamento básico geradora de degradação ambiental em área pobre de determinado município, evitar a contaminação química próxima à área industrial (já que geralmente os trabalhadores vivem na cercania dos pólos industriais), regularizar ou evitar o corte do fornecimento de energia e água, assegurar transporte público e condições de acessibilidade a pessoas deficientes, proibir a poluição sonora provocada por festas em determinada favela, exigir a disponibilidade de vagas em creche ou escola da rede pública, exigir a disponibilização de determinado medicamento ou tratamento médico na rede pública de saúde, assegurar condições mínimas de bem-estar em determinado presídio ou cadeia pública, entre outras situações em que direitos de pessoas necessitadas estarão evidenciados.


Portanto, com base no caso concreto, há sempre como identificar ou não a “pertinência temática” da Defensoria Pública para a propositura de determinada ação civil pública na defesa de direitos difusos. Em termos gerais, deve prevalecer o entendimento de que a Defensoria Pública encontra-se perfeitamente legitimada a propor determinada Ação Civil Pública sempre que tal medida possa beneficiar pessoas necessitadas, mesmo que apenas potencialmente. Tal situação, por óbvio, não ocorreria em uma Ação Civil Pública proposta para tutelar os direitos de consumidores de carro importado, impondo-se obrigatoriamente a ilegitimidade da Defensoria Pública.

Por fim, a “barreira” posta por entidades vinculadas ao Ministério Público à legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública é, antes de qualquer coisa, uma “barreira” contra o acesso à justiça da população que mais dela necessita e que, historicamente, foi mantida à margem do nosso sistema de justiça[15]. As ações e defesas judiciais individuais, assim como a atuação extrajudicial, a mediação e prevenção de conflitos, a educação em direitos, entre outras práticas realizadas cotidianamente pelos Defensores Públicos são — e vão continuar a ser! — a essência da nossa atuação. A legitimidade para a Ação Civil Pública, nessa perspectiva, tem apenas a função de potencializar e levar a um número cada vez maior de pessoas necessitadas a tutela dos seus direitos e, acima de tudo, o resguardo da sua dignidade.

Por vezes, a atuação da Defensoria Pública, em termos coletivos, possibilitará a transformação social e a inserção de tais pessoas no pacto político-constitucional delineado pela nossa Lei Fundamental de 1988. As entidades públicas encarregadas de tutelar interesses da mais alta relevância social no âmbito do nosso sistema de justiça, como é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública[16], devem somar esforços, e não procurar neutralizar a atuação um do outro, afinal de contas, infelizmente, há mazelas sociais de sobra para serem enfrentadas através de Ações Civis Públicas propostas pelas duas entidades. Quiçá, por vezes, até mesmo em co-autoria. Portanto, é pobre tanto de espírito quanto de fundamento jurídico qualquer postura corporativa que objetive enfraquecer e afastar a Defensoria Pública do papel constitucional que lhe foi conferido no Estado de Direito brasileiro: a tutela extrajudicial e judicial das pessoas necessitadas, tanto individual quanto coletiva.


[1] Nesse prisma, merece destaque a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), promulgada na 2ª Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, a qual estabeleceu no seu art. 5º que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”, reconhecendo que as diferentes dimensões de direitos humanos conformam um sistema integrado de tutela da dignidade humana. Sobre o tema, v. WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 117-121.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 199.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 362

[4] DINAMARCO, “A instrumentalidade do processo…”, p. 331.

[5] REsp 55.111/RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 05.09.2006. Mais recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, seguindo tal entendimento, reconheceu a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública em defesa de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individual homogêneo. “Ação civil pública intentada pela Defensoria Pública do estado de São Paulo. Tutela de interesse difuso, coletivo e individual de pessoas carentes. Legitimidade ativa. LC 988/06. Concessão de liminar para impedir a desocupação dos moradores da favela do viaduto Atílio Fontana. Admissibilidade. Presença dos requisitos exigidos. Aplicação do conceito de interesse público primário. (…) (TJSP, AI 711.429-5/5-00, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Reinaldo Miluzzi, julgado em 10.12.2007.)


[6] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual. Volume 4 (Processo Coletivo). Salvador: Editora Juspodivm, 2007, p. 219.

[7] CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves de. “O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos: visão geral e pontos sensíveis”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves de; WATANABE, Kazuo (Coords.). Direito processual coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 23.

[8] Nesse sentido, v. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 147.

[9] Disponível em: http://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/4820/Documento10.pdf. Acesso em: 21 de outubro de 2009.

[10] Déficit habitacional do Brasil é um estudo realizado pela Fundação João Pinheiro com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2005, desenvolvido pelo IBGE.

[11] A exigência de um ordenamento que conduza à regularização fundiária e urbanística das ocupações populares existentes introduz um condicionante novo e transformador em nosso direito urbanístico. Até então a incompatibilidade entre as ocupações populares e ordem urbanística ideal tinha como conseqüência a ilegalidade daquelas (sendo a superação desse estado um dever dos responsáveis pela irregularidade – isto é, dos próprios ocupantes). Com o Estatuto a equação se inverte: a legislação deve servir de não para impor um ideal idílico de urbanismo, mas para construir um urbanismo a partir da vida real. Desse modo, o descompasso entre a situação efetiva das ocupações populares e a regulação urbanística terá como conseqüência a ilegalidade desta última, e não o contrário. (SUNDFELD, Carlos Ari. “O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais”. In: DALLARI, Adilson Abreu; e FERRAZ, Sérgio (Coords.). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal nº 10.257/01). 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 59-60).

[12] Tais dados podem ser deduzidos das informações constantes do Relatório do Ministério da Justiça sobre a “Tutela Judicial dos Interesses Metaindividuais”, divulgado em setembro de 2007. Disponível em: http://www.mj.gov.br/main.asp?View={597BC4FE-7844-402D-BC4B-06C93AF009F0}. Acesso em: 21 de outubro de 2008.

[13] Idem.

[14] DIDIER JR.; ZANETI JR., “Curso de direito processual…”, p. 218.

[15] Há quarenta anos, CAPELLETTI e GARTH já identificavam o acesso à justiça como “requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar direitos”, concluindo “que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação”. CAPELLETTI, Mauro; e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12.

[16] Com tal enforque, é bom ressaltar que, se o Ministério Público é responsável pela tutela dos direitos da totalidade sociedade brasileira, a Defensoria Pública, conforme registrado pelo II Diagnóstico da Defensoria Pública (p. 22-23), realizado pelo Ministério da Justiça, é responsável pela tutela dos direitos de mais de 85% da população brasileira, já que tal percentual da população estaria enquadrado na condição socioeconômica atendida pela instituição (até 03 salários mínimos). Disponível em: http://www.mj.gov.br/main.asp?View={597BC4FE-7844-402D-BC4B-06C93AF009F0}. Acesso em 21.10.2009.

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  • Brave

    é defensor público no estado de São Paulo.

  • Brave

    é defensor público no estado de São Paulo. Mestre em Direito Público pela PUC-RS, professor-convidado da Especialização em Direito Constitucional da PUC-SP. Autor da obra “Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008)”.

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