Projeto de anistia

Incentivos para repatriamento de recursos no exterior

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24 de outubro de 2009, 8h12

No final do mês passado o Projeto de Lei 5.228/05 foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, chamando a atenção dos brasileiros.

O referido PL seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), apesar do Requerimento de Urgência solicitado pelo autor do projeto de lei, deputado José Mentor.

O objetivo de tal projeto era o de, originalmente, instituir “anistia fiscal sobre a legalização ou o repatriamento de recursos mantidos no exterior não declarados” de brasileiros, bem como “extinguir a punibilidade dos delitos a eles relativos”.

Em razão do equívoco do termo empregado no projeto, isto é, “anistia”, a Comissão de Finanças e Tributação acertadamente substituiu tal termo por “remissão”. E o que parece ter sido somente uma correção de imprecisão terminológica demonstrou ser, na realidade jurídica, a formalização da verdadeira intenção do PL: a de tributar à uma alíquota menor os ativos não declarados no exterior por residentes no Brasil.

Ora, se é sabido que a anistia atinge apenas a infração praticada, ao passo que a remissão atinge o tributo devido e as penalidades. Assim, na remissão ocorre o fato gerador, i.e., o nascimento da obrigação tributária, sendo concedida uma dispensa legal do crédito tributário. Já na anistia tem-se uma infração e, consequentemente, o direito de sanção o que implica um perdão somente da infração.

Normalmente, o que se espera nos casos relacionados a ativos não declarados às autoridades governamentais no exterior, isto é, Banco Central e Receita Federal, são verdadeiras anistias, culminando no perdão das penalidades por infrações.

Sob a ótica da Receita Federal, portanto, os tributos (Imposto de Renda, Imposto sobre Operações Financeiras e Contribuições Sociais) seriam devidos. Já sob a ótica do Banco Central, a dispensa das multas não levaria a extinção da punibilidade, para fins de crimes financeiros e econômicos.

Mas de acordo com a nova redação do artigo 1º, após a emenda da Comissão de Finanças e Tributação, resta evidenciado que o depósito ou a custódia dos valores não declarados e mantidos no exterior, em instituição bancária no Brasil, será o ato suficiente e necessário para não só reduzir drasticamente a tributação sobre tais valores, mas também extinguir a punibilidade dos crimes a eles relacionados.

A extensão de tal benefício na esfera penal chega, inclusive, a se aplicar nos casos em que já existe de inquérito policial, processo administrativo ou judicial instaurados.

Sob a ótica fiscal, os benefícios são inúmeros. Além de serem perdoadas as multas e juros, a alíquota de Imposto de Renda, tanto para as pessoas físicas como para as jurídicas, sofreu sensível redução: 10% e 15%. Ficam sujeitas a primeira alíquota as pessoas físicas ou jurídicas que repatriarem os recursos para o Brasil, ao passo que os contribuintes que optarem por manter tais ativos no exterior arcarão com 15% de sua renda ao Fisco Federal.

Sem dúvida alguma, estas alíquotas são consideravelmente mais vantajosas dos que os 27,5% aplicáveis às pessoas físicas, e os 34% às pessoas jurídicas (já considerada a Contribuição Social sobre o Lucro).

Além da sensível redução tributária, o sigilo fiscal é garantido, na medida em que fica vedada a divulgação ou utilização das informações relativas a repatriamento de recursos para fins fiscais, bem como não haverá identificação do sujeito passivo na emissão do documento de arrecadação da dívida.

Portanto, o contribuinte que incorreu em ilícito criminal e tributário tem duas opções, caso tal projeto se transforme em lei:

(i) trazer os recursos para o Brasil, não responder por qualquer crime, e pagar 10% de “tributo”, desde que mantenha tais recursos aplicados no Brasil por 2 anos; ou

(ii) manter os recursos no exterior, não responder por qualquer crime e, pagar um acréscimo de 5% sobre o “tributo geral”, para poder aplicar tais recursos em qualquer outro mercado internacional.

Neste ponto cabe um questionamento. Se uma das principais finalidades do PL era a de repatriar parcela dos R$ 90 a R$ 150 bilhões que foram remetidos ilegalmente ao exterior ao longo das últimas décadas, qual o motivo da dispensa dos tributos? Por que não somente uma anistia relativa às penalidades criminais?

Ao criar uma isenção parcial para o Imposto de Renda, este projeto de lei encampa tacitamente a premissa de que com “altas alíquotas” os contribuintes infratores não teriam estímulo para repatriar seus ativos não declarados. Será que o problema é a falta de declaração ou a alta tributação? Ou seriam ambos?

Ao adicionar no “pacote” a extinção da punibilidade para crimes como sonegação fiscal e evasão de divisas, o Legislativo dá indícios de que a mera arrecadação não é, de fato, o único e verdadeiro intuito do projeto de lei.

Na esfera penal, uma redução da pena ou a aplicação de penas alternativas a depender do caso, poderia ser uma alternativa. Existem, evidentemente, diversas outras.

O já polêmico PL despertou diversas alegações de violação da isonomia, premiação dos sonegadores e criminosos, bem como incentivo à ilicitude, por parte dos cidadãos.

À parte de qualquer alegação política temos que, juridicamente, uma pseudo-isonomia tentou ser aparentemente concedida no artigo 4º da redação original do projeto, que assim dispõe:

Art. 4º O contribuinte ou responsável poderá promover a legalização dos recursos não declarados mesmo na hipótese em que os mesmos já tenham, na data da promulgação desta Lei, ingressado no Brasil mediante operação simulada de empréstimo com pessoa física ou jurídica localizada em país com tributação favorecida.

Ao aplicar os efeitos da lei de forma retroativa, para operações simuladas — termo utilizado pelo próprio PL — evidencia-se a incongruência absoluta com que o Poder Legislativo trata a questão tributária no Brasil.

De um lado, desde a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), promovida pela Lei Complementar 104 de 2001, o que se verifica é uma verdadeira caça às bruxas ao planejamento tributário feito através de simulações.

A norma que, originalmente, foi editada para evitar precisamente a simulação relativa, ou dissimulação, na esfera fiscal foi abruptamente desvirtuada pelo Poder Executivo para punir estruturações negociais lícitas elaboradas pelos cidadãos que almejam reduzir a (inaceitável) elevada carga tributária brasileira (cerca de 37% do PIB brasileiro).

Após a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 do CTN que, diga-se de passagem, até hoje não cumpriu a condição suspensiva de regulamentação pelo Executivo, por ele prevista — as autoridades fiscais entenderam ter embasamento legal para rechaçar o uso de atos e negócios lícitos que contenham o único propósito de reduzir, mitigar ou diferir a carga tributária sobre as atividades que praticam.

A retomada do PL 5.228/05 seguiu, sem dúvida, a tendência internacional de combate aos crimes financeiros e utilização danosa dos paraísos fiscais, ratificada pela recente reunião do G-20 e a enxurrada de acordos internacionais de troca de informações fiscais vivenciada pelos países com tributação favorecida (nos últimos meses).

Contudo, para alguns, o projeto pecou na proporcionalidade da medida de fomento, ultrapassando o liame do socialmente aceitável para, sob o fito de fomentar substancialmente a economia nacional por força do ingresso de capitais e pagamento parcial de tributos, ultrapassar importante limite político e jurídico, isto é, de atenuação desarrazoada de ilícitos penais.

Ninguém nega que a atual conjuntura econômica clamava pelo aumento de receitas. Também não se nega que, no direito comparado, existiram experiência similares em relação a leis de anistia (e até remissão parcial), em países como Alemanha, Itália e outros, os dois primeiros inclusive citados na justificativa do projeto de lei.

Todavia, nos países em que foram adotadas tais medidas de incentivo fiscal, não houve tamanha amplitude, seja tributária seja penal. E, ainda que houvesse, sustenta-se que a realidade fática de cada Estado é que deve servir de norte para proporcionalizar a abrangência do perdão jurídico, não servindo de argumento para simplesmente “importar” medidas de direito estrangeiro para direito brasileiro, sem a necessária análise de comparabilidade e adaptabilidade.

Neste ponto é que o PL 5.228/05 destoa da tendência mundial aplicável ao Brasil. A necessidade de incentivos fiscais e financeiros para o repatriamento de recursos detidos veladamente no exterior é palpável. Entretanto, a forma com que o Legislativo brasileiro aparenta tratar o tema parece destoar dos princípios basilares de igualdade, boa-fé e justiça fiscal.

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