Paradoxo econômico

Concentração é importante, mas traz instabilidade

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23 de outubro de 2009, 16h25

Toda empresa, como atividade econômica organizada para produção e circulação de bens ou serviços para o mercado, possui como finalidade o crescimento e diversificação de sua produção. Para tanto, pode optar por integrar-se a outros agentes econômicos, provocando assim uma concentração.

Como o termo indica, concentração é um fortalecimento econômico nas mãos de dois ou mais agentes que atuam no mesmo mercado, decorrente de uma operação ou acordo firmado. [1]

A concentração econômica é a soma de poder resultante de um ato jurídico de integração. Forgioni conceitua concentração econômica como “aumento de poder econômico de um ou mais agentes que atuam no mercado relevante”[2]. Fonseca, por sua vez, determina simplesmente ser um aumento de riqueza em poucas mãos.[3]

Ressalte-se que o processo de concentração, em regra, é uma legítima expressão dos princípios da livre iniciativa e da liberdade de contratação. Ocorre que os atos de concentração têm, potencialmente, efeitos negativos (exercício de controle do mercado pela empresa concentrada, prática de preços abusivos dentre outros) e positivos (economia de escala, redução de custos de transação etc), e, portanto, tal ato poderá ou não ser considerado de efeitos danosos à concorrência.

Neste sentido, Stanlake afirma que um grau mais elevado da concentração pode trazer benefícios sob a forma de economias de escala, com o aumento da eficiência e um nível de progresso técnico mais rápido. Mas, pode também, trazer desvantagens, sob a forma de diminuição da concorrência [4].

Assim, haverá operação de concentração sempre que houver, em princípio, no mínimo dois agentes econômicos autônomos que tenham alterado seu controle para a titularidade de apenas um deles ou ainda para um terceiro agente, ou na hipótese de modificação da estrutura societária ou de gestão de um desses agentes.

Nusdeo considera a concentração econômica como uma falha de mercado, pois inibe os mecanismos definidores e controladores do mercado. Em um mercado altamente concentrado, a alta de preços proveniente de um aumento da procura não levará, necessariamente, a um aumento da oferta, pelo simples fato de ser mais fácil para as poucas unidades nele atuantes unirem-se em conluio para elevar os preços. Com efeito, os preços poderão subir por simples conluio entre os agentes econômicos, sem qualquer relação com uma possível elevação da procura.[5]

Do ponto de vista econômico, tem-se que concentrações empresariais possibilitam maior investimento tecnológico e maior publicidade, gerando reflexos sociais, demográficos e técnicos, além de gerar eficiência, uma vez que a economia de escala leva à padronização dos produtos e à produção a menor custo unitário.

A despeito dos acordos entre agentes econômicos serem potencialmente determinantes de maior poder econômico aos integrantes, tem-se que, para fins de Direito Antitruste, o termo concentração advém de situações em que haja perda da autonomia dos agentes, constituição de nova sociedade, aquisição, por parte de um agente, de ativos ou parcela do patrimônio de outro agente, ou ainda, alienação do poder de controle do agente econômico.

Várias são as razões da concentração, a saber: tentativa de neutralização da concorrência entre os agentes econômicos, uma vez que a concorrência prejudica o concorrente, sendo certo que sua ausência coloca a situação do agente econômico detentor de poder econômico em posição monopolista, ocasionando prejuízos ao mercado, aos consumidores e à economia; viabilização de economias de escala e melhor aproveitamento dos recursos; preservação da atividade empresarial; opção de investimento de capital; aumento de mão-de-obra qualificada; atração de crédito no mercado etc.[6]


De outra parte, porém, tem-se que a concentração de capitais em um ou alguns agentes econômicos pode provocar um avanço tecnológico do país, redução de custos e incremento da produtividade, fortalecimento do mercado de capitais, redução de preços de venda no mercado interno, fortalecendo a economia, especialmente no que concerne à concorrência internacional, com a conquista e ampliação de mercados externos.[7]

Ainda para Forgioni, a constatação dessas afirmações torna-se ainda mais evidente quando relacionada à necessidade dos países (ou blocos econômicos) de aumentar seu grau de competitividade em um mercado globalizado. Justifica-se, então, a postura favorável da própria União Européia em face do processo de concentração de empresas.[8]

Comparato e Salomão Filho indicam que é menos custoso ao agente investir recursos para adquirir o controle de um empreendimento alheio do que investir internamente em sua própria atividade empresarial.

O primeiro ponto de contato relevante, que tem influência direta no preço sem sentido próprio, econômico, da concentração, é a relevância do capital votante em relação ao capital total da empresa. Como será visto em detalhe mais adiante, relevante para o Direito Concorrencial é o domínio do agente econômico sobre a organização empresarial alheia. É o domínio da organização empresarial que lhe dá o poder de determinar o comportamento concorrencial alheio. Ora, se assim é, tanto mais conveniente (e mais barato) será para o empresário a concentração empresarial (em detrimento do crescimento interno) quanto menos capital for necessário despender para adquirir o controle da organização empresarial alheia.[9]

Verifica-se, assim, que há um paradoxo: a concentração de capitais é essencial ao progresso e à eficiência do sistema produtivo e acarreta instabilidade desse próprio sistema.

Como é sabido, a partir da Lei 8.884/94, foram criadas condições para melhor e maior garantia da concorrência no Brasil, com a finalidade de evitar-se a concentração de mercado e que grandes empresas e conglomerados abusassem de suas posições dominantes por meio de fusões com seus concorrentes. A criação e manutenção de regras concorrenciais foram, assim, reconhecidas como necessárias à garantia da própria existência do mercado.

Tem-se, recapitulando, que concentração empresarial refere-se a uma mudança estrutural duradoura, sendo certo que os agentes concentracionistas passam a atuar como um agente único nas relações econômicas entabuladas. Esta unicidade econômica traduz-se, precipuamente, pela unidade de comando, pela unidade de controle.[10]

Algumas das formas mais usuais de concentração utilizadas são, dentre outras, os consórcios, grupos, companhias coligadas, holdings, etc. Porém, são as espécies concentracionista de fusão, incorporação, cisão e a joint venture as mais utilizadas, em face de suas características de constituição e exteriorização no mercado.

Assim, deve haver uma política jurídico-econômica de incentivo à criação de estruturas fortes e dinâmicas, advindas da concentração empresarial. Carvalhosa indica que em nosso país sempre se tendeu à excessiva proliferação de empresas, desprovidas de poder de competição, pela insuficiência de escala. Mais ainda, como revelam os estudos do Ipea e de outros órgãos, em grande número de ramos industriais, o que se via era a presença de uma ou poucas empresas estrangeiras, com escala satisfatória, ao lado de uma multiplicidade de empresas nacionais, pequenas e fracas.[11]

O sistema capitalista moderno incentiva a prática de concentração empresarial, especialmente para fazer frente às empresas transnacionais.

A concentração leva o agente econômico a atuar em uma proporção maior de mercado, de forma a permitir uma atuação sólida e eficaz perante o seu mercado relevante. Esta vantagem pode ser perfeitamente lícita, sem tolher a livre concorrência.


Não se reprime, portanto, o monopólio natural resultante da capacidade legítima da empresa em conquistar mercados.

Bibliografia
BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1984.

CARVALHO, Leonardo Arquimimo de; VERENHITACH, Gabriela Daou. Manual de Direito da Concorrência. São Paulo: IOB Thomson, 2005.

FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

NUSDEU, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2003.

___________. Direito Concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 2007.

____________. O novo direito societário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

STANLAKE, George Frederik. Introdução à Economia. Trad. Paula Maria Ribeiro de Seixas. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1993.


[1] CARVALHO, Leonardo Arquimimo de; VERENHITACH, Gabriela Daou. Manual de Direito da Concorrência. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 94.

[2] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 464.

[3] FONSECA, José Julio Borges da Fonseca. Limitações da atividade empresarial emergentes do direito antitruste: regime das concentrações empresariais. São Paulo: Tese (doutorado). Faculdade de Direito da USP, 1995. apud FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 464.

[4] STANLAKE, George Frederik. Introdução à Economia. Trad. Paula Maria Ribeiro de Seixas. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1993, p. 142.

[5] NUSDEU, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 149-150.

[6] BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1984, p. 470 a 472.

[7] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do Antitruste. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 467.

[8] Ibid, p. 475.

[9] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 525.

[10] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 294.

[11] CARAVALHOSA, Modesto. A Nova Lei das Sociedades Anônimas. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 146. apud SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 54.

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