Igualdade de condições

Só entidades podem fazer arbitragem sobre Trabalho

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23 de outubro de 2009, 12h49

Os sabores de nossa Constituição efetivamente, seja por nosso clima tropical, seja pela brisa do mar ou das variações andinas, quando sopram dos nossos limites do oeste, são muito surpreendentes e emocionantes.

Ao contrário do que ocorre com várias constituições europeias, a brasileira abrigou não o “trabalho”, como seu fundamento, mas o “valor social do trabalho”.

O que isso representa, efetivamente, de diferença?

O que se lê a respeito ou é inadequado, venia concessa, porque confunde o valor social do trabalho com o princípio da garantia do salário mínimo, que está abrigado em outra norma constitucional, ou com alguns outros direitos sociais e até higiênicos do cidadão-trabalhador, que se encontram dispersos por outras normas, ou trata da matéria ignorando o valor social falando apenas do trabalho.

De fato, a conclusão é que tal disposição está perdida e, ao que tudo indica, está em busca de uma interpretação jurídica sistemática que lhe dê um caráter firme e bem disseminado.

Que seja consistente e que mostre sua diferença, quem sabe superior, para preceitos tais como os existentes na Constituição da Itália (artigo 1º); da Grécia (artigo 22); de Portugal (artigos 58 e 59 que distinguem o Direito dos Trabalhadores das obrigações do Estado, relativamente ao Trabalho), ou da Irlanda, que proclama que por meio dos princípios de uma política social será assegurado aos cidadãos o exercício de suas ocupações, pelas quais têm direito aos meios adequados para ganharem o seu sustento, e que o Estado procurará assegurar que não se abuse da força e da saúde dos trabalhadores, e que as necessidades econômicas não obriguem os cidadãos a exercer profissões inadequadas ao seu sexo, idade ou capacidade física, conforme artigo 45.

Nessa busca de um conceito mais preciso, deparei-me com um posicionamento do ministro Emmanoel Pereira, do Eg. Tribunal Superior do Trabalho, como relator do Recurso de Revista 2.027/2006–145–03-00.3 que, embora não se referindo ao mencionado dispositivo diretamente, pareceu-me estar no caminho de encontrar um dos fundamentos para o nosso pátrio valor social do trabalho, como fundamento que é do nosso Estado Democrático de Direito, tal como expresso no artigo 1º, da Constituição.

De fato, as lições do inesquecível José Martins Catharino e as do ministro Ronaldo Lopes Leal, em discurso que pronunciou em 10 de fevereiro de 2004, incitaram os demais ministros e terem um posicionamento similar àquele que o ministro qualificou de “truculência mesmo”, na prestação jurisdicional. E é, pois, do referido ministro Emmanoel Pereira o trecho que a seguir transcrevo: “Não obstante a veemência das palavras, precisamos mesmo é de ação e é isto que estamos propondo agora, com a aplicação das multas. Para que o processo trabalhista chegue a seu fim, é preciso que se reverta o quadro negativo da protelação. Não se fará ‘truculência’, mas simplesmente aplicação da lei disponível, dentro do limite estrito da legalidade. Se há sanção prevista, por que não aplicá-la?”

Adiante, e como se estivesse concluindo suas explicações sobre essa nova forma de prestar a jurisdição, tocou no ponto que vejo como decorrente do conceito de valor social do trabalho, in verbis:

Uma sociedade sem trabalho é impensável e, sem trabalho eficiente, produtivo e criador, torna-se incapaz de satisfazer às necessidades coletivas. O trabalho é a força transformadora e adaptativa da natureza às necessidades humanas. Por isso, o relevo e a importância, que a Constituição deu ao ambiente do trabalho, que ela quis saudável e isento de riscos (ou, pelo menos com risco reduzido) para manterem-se íntegras a saúde, a higiene e segurança. É verdade que a Constituição, no item XXIII [referindo-se ao artigo 7º], monetarizou o risco, prescrevendo um adicional de remuneração para as atividade penosas, insalubres ou perigosas. Mas os dois dipositivos se completam: primeiro, a autoridade pública há de impor a remoção ou redução dos riscos. Quando se tornarem impossíveis de serem removidos ou diminuídos, então haverá o pagamento de adicional. Esta interpretação é lógica e provém da própria natureza dos fatos. Não se compensa com dinheiro a perda da saúde ou da vida humana, bens maiores que garantem a existência do trabalho. O homem não é um bem natural renovável. Sua saúde e integridade corporais têm limites. Uma vez perdidas não se recompõem mais na mesma pessoa. Um trabalhador prematuramente aposentado ou morto é uma perda irreparável para o país. É preciso, pois, preservá-lo. Só assim se garantirá o crescimento e o bem-estar coletivos. Portanto, todo o esforço do legislador e do intérprete há de ser pela extinção e redução de riscos inerentes ao trabalho. Se impossível a compensação monetária.


Ora, tudo isso me veio à mente em decorrência de uma indagação que me foi formulada por um cliente sobre o uso da arbitragem na solução de um litígio trabalhista.

Explicou-me ele que o seu interlocutor, que lhe propunha uma arbitragem trabalhista, explicara que ela estava abrigada inclusive na Constituição, referindo-se, então, ao artigo 114, parágrafos 1º e 2º.

Pedi-lhe, tempo, explicando-lhe, brevemente, que arbitragem era mecanismo legal substitutivo da jurisdição, prestada pelo Judiciário, mas com igual força, conforme o artigo 31 da Lei 9.307 de 1996, que prescreve que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

Retomado o diálogo, após profundo suspiro, dei-lhe conta de que a Eg. 3ª Turma do TST recentemente entendeu, pelo voto do ministro Alberto Bresciani, que a arbitragem não era instrumento de solução de litígios individuais do trabalho.

Lembrei-lhe, então, que o artigo 1º da referida Lei de Arbitragem a restringia aos litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, isto é, aqueles que J.E. Carreira Alvim ensinava serem “…a respeito dos quais as partes possam validamente dispor”. E logo alertei o cliente que, na lição de Carreira Alvim, “essa é uma característica de praticamente todas as legislações sobre arbitragem (alemã, italiana, francesa, espanhola, argentina, etc.), que, sem discrepância, limitam a arbitragem à categoria das questões sobre as quais a lei permita a transação”.

Portanto, voltando ao referenciado artigo 114 da Constituição, era mister que o lêssemos com os olhos mais próximos possíveis do que vinha se constituindo na jurisprudência do Eg. TST.

Nesse aspecto, é relevante que consideremos que Celso Ribeiro Bastos e Yves Gandra Martins, em Comentários à Constituição do Brasil (Ed. Saraiva, 4º Volume, 1997), comentando o mencionado parágrafo 1º do artigo 114, embora reconheça a possibilidade de se realizar a arbitragem, tal como veio ela a ser regulamentada para os direitos patrimoniais disponíveis, nas notas de rodapé não deixa de louvar-se em José Francisco Siqueira Neto, que afirma: “Contudo, como frisamos anteriormente, tal iniciativa tornou-se ineficaz ante a permanência de direcionamentos legais no sentido de abafar e reprimir os conflitos coletivos de trabalho através da solução jurisdicional compulsória (Direito do trabalho & democracia, cit. P 143-4)”.

Em nova reunião, expliquei-lhe que, ressalvadas as respeitáveis opiniões contrárias, pensava eu que tinha ocorrido, talvez, um conflito conceitual temporal entre a terminologia empregada no referido artigo da Constituição de 1988 e o instituto regulamentado pela Lei de 1996.

Efetivamente, se considerarmos que a Constituição é de 1988, pareceu-me lógico admitir que, em 1996, se o legislador estatuiu normas sobre a arbitragem, elas deveriam estar regulamentando todas as modalidades de litígio que, a partir da Constituição, fossem passíveis de transação por uma solução extrajudicial.

Ora, a arbitragem limitou-se, porém, aos direitos patrimoniais disponíveis. A indagação que se deveria fazer é se os direitos trabalhistas se integram nesse conceito. Se a resposta for não, creio que se tem, mais que nunca, que buscar na jurisprudência a confirmação desse entendimento.

A decisão da 3ª Turma do Eg. TST a que eu tinha me referido e que não discrepa da maioria, nesse nível, era de que os dissídios individuais do trabalho não se prestavam à arbitragem. Portanto, a conclusão é que os coletivos, sim. Porque os interesses coletivos tinham representação sindical e o conceito prevalecente era de que o Sindicato se posicionava economicamente em patamar compatível ao de seu Interlocutor trabalhista, fosse ele empresário, empresa ou outro sindicato.

Todavia, quando houvesse um interlocutor pessoa física, isto é, um cidadão-trabalhador, a presunção é de que este se encontrava em posição economicamente mais frágil e, assim, inabilitado a resolver por arbitragem seu litígio sobre direitos patrimoniais indisponíveis.


Suponde-se, outrossim, que negociações coletivas ocorrem quando se tem em conta uma coletividade e que essa só se tipificaria, normalmente, por meio da representação sindical, eu tinha uma dificuldade de conseguir ler tanto no parágrafo 1º como no parágrafo 2º do referido artigo 141 a arbitragem prevista na Lei de Arbitragem em vigor.

Efetivamente, em qualquer dos parágrafos, a arbitragem foi ali incluída para sinalizar uma nova fase, posterior a um período negocial. A fase subsequente dos processos anteriores, supondo-se que uma das partes não quisesse negociar, era a proposição de dissídio coletivo de natureza econômica, perante o Judiciário, que decidiria o conflito, “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

E tal tem sido a prática, quando um tribunal do Trabalho age por arbitramento, desde que  constate a impossibilidade de uma negociação que soe tentar, inicialmente.

Tal raciocínio me fizera fortemente inclinado a supor que a arbitragem mencionada no artigo 141 não era aquela regulada na lei em vigor.

Desta forma, supunha eu que havia forte possibilidade de que o legislador tivesse querido se referir a arbitramento que, no conceito encontrável no Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva, 25ª Edição, atualizada por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, “é procedimento que se promove no sentido de apreciar-se o valor de determinados fatos ou coisas, de que não se têm elementos certos de avaliação”. Em outras palavras, “não solve pendência, (…) não dá decisão ao litígio (…), mas determina o valor desconhecido daquilo que se pretende avaliar ou estimar, encontrando-se sua equivalência pecuniária”. É decisão que se impõe àqueles que não conseguiram se concertar.

E para esse entendimento encontrei abrigo em Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em Comentários à Constituição Brasileira de 1988 (Ed. Saraiva, Vol. 3, 1994), que, comentando o já referido parágrafo 1º do artigo 114, conclui: “O texto em exame visa, no fundo, a sugerir que as partes envolvidas numa negociação, caso não cheguem a um acordo, encetem um processo de arbitramento, visando a uma composição de interesses. Somente se isso for inviabilizado é que devem recorrer à Justiça do Trabalho (v., infra, § 2º)”.

Portanto, recomendei-lhe que, se tivesse um interlocutor que não fosse um sindicato, evitasse a arbitragem. Se fosse um sindicato, que a aceitasse, mas, a exemplo do que vem ocorrendo no Judiciário, submetesse à homologação da Justiça do Trabalho, de comum acordo com o seu interlocutor, a sentença arbitral, até para a obtenção de maior segurança jurídica.

E que, finalmente, buscasse, através de sua associação de classe, encontrar no Congresso, porque ainda há alguns poucos, um representante que se dispusesse a apresentar um projeto de lei que regulamentasse a questão da arbitragem de direitos trabalhistas, que são direitos patrimoniais indisponíveis, sem dúvida.

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