Liberdade sexual

Alteração em leis beneficia vítimas

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22 de outubro de 2009, 7h02

O crime do artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal trata sobre a injúria consistente na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, prevendo uma pena de reclusão de um a três anos e multa. Esse crime se procedia mediante queixa, conforme artigo 145 do Código Penal. No entanto, com a nova redação dada a este dispositivo pela Lei 12.033/09, o crime previsto no artigo 140, parágrafo 3ª do Código Penal passa a se proceder mediante ação penal pública condicionada.

A nova redação do parágrafo único, do artigo 145, Código Penal, passa então a vigorar da seguinte forma: “Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do artigo 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do parágrafo 3º do artigo 140 deste Código”. Ou seja, esse crime agora, é de ação penal pública condicionada à representação do ofendido.

Os crimes contra a liberdade sexual também tiveram a sua forma de procedimento alterada. Então, antes de tratar como era antes e como é agora, importante fazer algumas ponderações.

Nesse aspecto, há de se ressaltar alguns pontos inovados pela Lei 12.015/09. Não existe mais o crime de atentado violento ao pudor, este foi inserido na conduta do estupro, o que era tipificado como atentado violento ao pudor está dentro da tipificação de estupro. Ademais, o Capítulo II, que antes tratava sobre a Corrupção de Menores (eis que o crime de sedução já havia sido revogado), hoje trata sobre Crimes Sexuais contra Vulneráveis, compreendendo apenas o artigo 218, o qual reza: “Induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem”.

Feitas essas breves considerações, o que tínhamos antes era o procedimento mediante queixa para os crimes contra a liberdade sexual (Capítulo I) e de corrupção de menores (Capítulo II). Contudo, se procedia mediante ação penal pública nos casos em que a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família e se o crime houvesse sido cometido com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, de acordo com o artigo 225 do Código Penal.

O que temos atualmente, com a nova Lei 12.015/09 é que os crimes contra a liberdade sexual (Capítulo I) e os crimes sexuais contra vulnerável (Capítulo II) se procedem mediante ação penal pública condicionada à representação e mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, conforme artigo 225, caput e parágrafo único do Código Penal, com a redação dada pela Lei 12.015/09.

Dessa forma, ambos os crimes que se procediam mediante queixa passaram a se proceder mediante ação penal pública condicionada à representação. Passemos à análise do instituto da queixa ou ação penal privada e da ação penal pública condicionada à representação para que possamos fazer uma análise sobre as vantagens e desvantagens da alteração legislativa.

A ação penal privada é utilizada para aqueles crimes que afetam mais a intimidade da vítima, do que propriamente à sociedade. Cabe à vítima fazer um juízo e analisar se o processo é procedente ou não. O legitimado é o querelante (vítima ou representante legal) e não o Ministério Público.

As modalidades de ação penal privada são as seguintes: exclusiva, personalíssima ou subsidiária da pública. No que tange à primeira, é a que tem maior incidência e pode ser proposta pelo ofendido, se maior de dezoito anos e capaz mentalmente; por seu representante legal, se o ofendido for menor de dezoito anos ou incapaz mentalmente; ou ainda, no caso de morte do ofendido ou declaração de ausência, pelo cônjuge/companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Já no que se refere à segunda modalidade, a titularidade para oferecimento da queixa é atribuída exclusivamente ao ofendido.


Assim, nem mesmo a morte da vítima passa a legitimidade ao cônjuge/companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Nesse caso, a morte da vítima gera a extinção de punibilidade. O único exemplo de crime que tem a aplicação dessa forma de ação penal privada é o previsto no artigo 236, Código Penal (induzimento à erro essencial e ocultação de impedimento). Por fim, em relação à terceira modalidade, é aquela que é cabível quando o Ministério Público não intenta a ação no prazo devido, qual seja, seis meses contados do dia em que se esgota o prazo do Ministério Público.

Podemos afirmar então que nas demais formas de ação penal privada, o prazo é de seis meses contados do dia que se sabe quem é o autor do crime.

Os princípios da ação penal privada são: oportunidade, disponibilidade, individualidade e intranscendência. O primeiro significa que o ofendido tem total liberdade para decidir se realmente quer ou não processar o agente do crime. Em relação ao segundo, o querelante pode desistir da propositura ou do prosseguimento da ação penal privada até o trânsito em julgado da sentença condenatória. No que tange ao terceiro, o ofendido, optando pela propositura da ação, não pode escolher dentre os autores do fato criminoso qual deles irá processar. Ou processa todos ou nenhum. No que se refere ao último princípio, tem-se que a ação penal somente pode ser proposta contra quem se imputa a prática da infração.

O ofendido pode dispor da ação penal privada das seguintes formas: decadência (deixa escoar o prazo de seis meses); renúncia (abdicar o direito de queixa, somente pode ocorrer antes de iniciada a ação penal, é sempre ato unilateral, possui natureza jurídica de extinção de punibilidade); perdão (só existe após iniciada a ação penal, é sempre ato bilateral, se quiser aceitar o perdão basta fazer às expressas ou ficar calado por três dias – artigo 58, CPP, é possível o perdão parcial quando tiver dois crimes); perempção (ocorre quando se deve fazer um ato processual e não faz – artigo 60, CPP).

Já a ação penal pública é aquela em que o titular do direito de representação é o Ministério Público.

As modalidades de ação penal pública são incondicionada, que não está sujeita a uma condição de procedibilidade e a condicionada, que está sujeita a uma condição de procedibilidade, qual seja, a requisição do Ministro da Justiça ou a representação do ofendido/representante legal. Normalmente, a ação penal pública é incondicionada.

A representação é a prévia manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal, eis que autoriza o início das investigações policiais e da própria ação penal. Ocorre a representação, nas situações em que o direito do ofendido é atingido de tal forma que o interesse particular no resguardo de sua intimidade se sobrepõe ao interesse público da apuração criminal.

A representação pode ser feita ao juiz, promotor ou delegado, é válida mesmo que feita para autoridade incompetente. Podem representar a vítima, sendo que se menor de dezoito anos cabe ao seu representante legal. Na iminência de colidência de interesses entre a vítima e o seu representante legal, o juiz nomeia curador especial. Não existe mais a dupla titularidade ou a vítima representa ou o seu representante legal.

Ademais, se a vítima morre, podem representar o cônjuge/companheiro, ascendente, descendente e irmão. Não é necessária formalidade alguma no ato de representar, não é essencial termo de representação.

O prazo para representação é de seis meses, contados do momento em que se sabe quem é o autor do crime, este prazo é decadencial e penal. Não é possível que seja feita a retratação da representação após oferecida a denúncia, no entanto, antes é possível. A jurisprudência entende ser possível a retratação da retratação, desde que seja no prazo decadencial de seis meses.


No que tange à requisição, esta é a manifestação de vontade do Ministro da Justiça, solicitando e autorizando que a denúncia seja oferecida pelo Ministério Público. Este não é obrigado a oferecê-la pelo fato do Ministro da Justiça estar requisitando. Não existe prazo para que essa requisição seja feita.

Os crimes que dependem de requisição do Ministro da Justiça são: crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil; crimes contra a honra cometidos contra chefes de governo estrangeiro e contra o Presidente da República; crimes contra a honra cometidos contra chefes de governo estrangeiro ou seus representantes diplomáticos por meio da imprensa; crimes contra a honra cometidos contra ministros do Supremo Tribunal Federal, ministros de Estado, presidente da República, presidente do Senado e da Câmara dos Deputados por meio da imprensa.

O prazo para oferecimento da denúncia ou ação penal pública é de cinco dias se o réu estiver preso, contados da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial ou de 15 dias se o réu estiver solto ou afiançado. Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação.

Os princípios que regem a ação penal pública incondicionada são: obrigatoriedade, indisponibilidade, oficialidade, individualidade e intranscendência. Em relação à obrigatoriedade, significa dizer que havendo indícios de autoria e materialidade de um crime, o representante do Ministério Público deverá obrigatoriamente oferecer denúncia, sob pena de punição disciplinar. No que diz respeito à indisponibilidade, significa que o Ministério Público não pode desistir da ação após o oferecimento da denúncia. Quanto à oficialidade, a instituição oficial para a propositura da ação penal pública é o Ministério Público, que pertence ao Estado. No que tange aos princípios da individualidade e instranscendência estes já foram tratados na ação penal privada, eis que são inerentes tanto à ação penal pública, quanto à ação penal privada.

Feitas essas considerações acerca dos tipos de ações penais, entendemos que as inovações legislativas trouxeram maior facilidade e um acesso mais rápido à justiça pelas vítimas. Senão vejamos.

Em relação à legitimidade, não obstante o Ministério Público ser o responsável pelo oferecimento da ação penal pública condicionada à representação, esta deve ser feita pela vítima no prazo de seis meses, assim como na queixa, que a vítima tem o prazo de seis meses para propô-la. Ou seja, o prazo para a queixa e para a representação é o mesmo. Já o prazo para o Ministério Público oferecer a denúncia é de cinco dias se o réu estiver preso ou quinze dias se o réu estiver solto, contados da data em que receber a representação. Assim, em relação aos prazos, não houve benesse para a vítima com a adoção da ação penal pública condicionada à representação.

O Ministério Público, por meio do princípio da indisponibilidade, não pode dispor da ação penal pública condicionada à representação, enquanto a vítima pode dispor da ação penal privada por diversas formas quando quer e até mesmo quando não é de sua vontade. Entendemos que, às vezes, por um descuido involuntário ou por falta de conhecimento, pode-se dar ensejo à perempção, como, por exemplo, na hipótese do artigo 60, inciso II, Código de Processo Penal. Isso acarreta um prejuízo.

A representação pode ser feita ao juiz, promotor, delegado, sendo válida, até mesmo, quando feita à autoridade incompetente. Já para o procedimento de queixa, é necessária a contratação de um advogado para propô-la, gerando um ônus à vítima.

Concluí-se que a substituição da ação penal privada exclusiva pela ação penal pública condicionada à representação nos crimes contra a liberdade sexual e no crime de injúria qualificada do artigo 140, parágrafo 3º, trouxe benefícios à vítima. Tal alteração criou maior facilidade, comodidade, um ônus menor e um acesso mais rápido ao Judiciário, eis que a vítima não precisa contratar um advogado para que proponha a ação e não corre o risco de dispor da ação por um descuido, como vimos anteriormente.

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