Decisões colegiadas

Processo decisório do Cade supre limitações pessoais

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21 de outubro de 2009, 12h02

A recente decisão do Cade que impôs multa à Ambev por infração à ordem econômica, além de marcar posição no firme combate a condutas anticoncorrenciais por parte das autoridades de defesa da concorrência no Brasil, traduz uma postura que já vem sendo amplamente percebida por aqueles que atuam na área.

Longe de revelar uma personificação ou a ascendência de qualquer dos integrantes do Cade, órgão colegiado composto por sete membros com mandato fixo, a decisão simboliza exatamente o oposto. Ou seja, que o colegiado supre as limitações e corrige as vicissitudes de cada indivíduo.

Isto não significa que cada um dos conselheiros não tenha as suas próprias convicções e que elas não sejam respeitadas pelos demais, mas é exatamente essa liberdade de convencimento e o debate, a discussão aberta de pensamentos que faz com que um órgão colegiado se fortaleça. Aliás, esse é o pressuposto dessas molduras institucionais: assegurar por meio do diálogo interno contínuo, o alargamento da esfera pública via um processo deliberativo cujo resultado é exposto, sem intermediários, ao crivo da crítica da sociedade em geral. 

Assim, o amadurecimento institucional de um órgão colegiado, como é o Cade, pode ser medido pelo nível de condução coletiva e despersonalizada de suas atividades finalísticas e até mesmo da condução das políticas administrativas.

A decisão que condenou a Ambev, tomada pela unanimidade dos conselheiros aptos a votar, denota a coesão colegiada e torna muito mais difícil qualquer contestação da decisão no Judiciário.

Esta deliberação do Cade pode ser considerada paradigmática não só na prática do controle antitruste no Brasil, mas até mesmo na experiência internacional. Recentemente, aliás, a comunidade antitruste internacional constatou que o tema das condutas unilaterais, aquelas realizadas por uma empresa isoladamente (exatamente o caso da Ambev), é crucial e deve ser mais bem explorado. A Rede Internacional da Concorrência (International Competition Network – ICN), por exemplo, pôs tais condutas em evidência e produziu diversos relatórios sobre as práticas adotadas no mundo (disponíveis na internet no sites www.internationalcompetitionnetwork.org e www.icn-zurich.org).

As chamadas condutas unilaterais têm sido relegadas a um plano secundário entre as prioridades de algumas autoridades antitruste no mundo porque podem ser confundidas com práticas competitivas saudáveis, hipótese descartada na alicerçada decisão no caso Ambev.

Neste sentido, o último número da Revista de Direito da Concorrência (clique aqui para ler), publicação oficial do Cade, é dedicada integralmente a este instigante tema das condutas unilaterais.

O trabalho coletivo do Cade tem alcançado resultados também nas ações administrativas do Conselho. Convém lembrar que, em setembro de 2008, foi materializada uma política institucional de valorização, responsabilização e inserção do corpo técnico do Cade que, afinal, tende a ser mais duradouro que os detentores de mandato. Tal política, amparada no planejamento estratégico da autarquia, discutido e aprovado pelo Plenário, além de criar estruturas internas que mantenham histórico de decisões, de negociações e de acordos, bem como âmbitos internos de discussão de temas relevantes, também traz maior segurança jurídica e transparência aos administrados, poupando-lhes da dependência exagerada dos humores e pendores dos conselheiros.

Em síntese, a expertise técnica e a maturidade institucional alcançada pelo Conselho não decorrem de méritos individuais. Ao contrário, são resultado de um processo contínuo de aprendizado, que se iniciou há mais de quinze anos, com as discussões que levaram à edição da Lei 8.884/94, o nosso Estatuto da Concorrência, e se desenvolve desde então com a contribuição de todos, inclusive dos administrados, a quem se destina, em última análise, a atuação do Cade.

 

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