Letra da lei

Professor critica regras do Mandado de Segurança

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18 de outubro de 2009, 5h46

Nem bem chegou e já começa a causar críticas a Lei 12.016/2009, que regulamenta o Mandado de Segurança individual e coletivo. Pela nova legislação, em Mandado de Segurança não caberão Embargos Infringentes nem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, mas poderá ser aplicada pena por litigância de má-fé, entre outros pontos. Para o professor Cássio Scarpinella Bueno, consultor do escritório Edgard Leite Advogados Associados, a lei é um “desastre”. Ele ressalta que o Mandado de Segurança não precisava de regulamentação.

O professor dedicou parte da manhã de sexta-feira (16/10) para falar de pontos polêmicos da nova lei. Ele explica que a norma sintetiza o texto legal de quatro outras esparsas que regulavam o Mandado de Segurança: Leis 1.533/51, 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92. Em uma palestra didática, o professor tratou de questões pontuais como a restrição da compensação de créditos tributários, que proíbe expressamente liminar para essa concessão, e direitos de servidores públicos em sede de Mandado de Segurança — como prevê o artigo 14, parágrafo 4º da lei.

Scarpinella Bueno afirmou que a lei não foi inteligente, principalmente quando diz respeito a Mandado de Segurança em ação de cobrança. Segundo ele, foram criadas barreiras processuais para minimizar reconhecimento de direitos. O professor lembrou também que a OAB levou o caso ao Supremo Tribunal Federal, quando propôs a ADI 4.296-DF para contestar alguns dispositivos da lei. O pedido ainda não foi julgado. Está nas mãos do ministro Marco Aurélio.

Nele, a OAB contesta o parágrafo 2º, do artigo 1º, da nova lei que prevê o não cabimento de Mandado de Segurança contra atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. Esse mesmo ponto foi motivo de críticas pelo professor, que classificou a medida como retrocesso constitucional.

Cássio Bueno taxou, ainda, de absurda a exigência de pagamento prévio de caução, depósito ou fiança para a concessão de liminar expressa na nova norma. “Essa lei é perigosíssima”, disse.

Mesmo com críticas a 99% do conteúdo da lei, o professor apontou um lado positivo da norma: o cabimento de Agravo de Instrumento em Mandado de Segurança. Ele citou que metade das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo entendia que não cabia Agravo de Instrumento nesse tipo de recurso. O entendimento dos desembargadores era o de que o Código de Processo Civil não se aplicava subsidiariamente a esses casos. “A lei, nesse ponto, resolveu uma dúvida histórica e deixou a questão bem mais clara”, reconheceu.

O presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo (Ajufesp), Ricardo Nascimento, é um entusiasta da nova lei. Ele lembrou que o MS é uma criação do Direito brasileiro e tornou-se um importante instrumento de cidadania. “Grandes ações que correm na Justiça Federal, entre cidadão e Estado, são via Mandado de Segurança. A ampliação do seu uso para questões coletivas vai agilizar a Justiça brasileira”, afirmou Nascimento na época.

Origem da lei
O debate pela regulamentação do Mandado de Segurança foi lançado no âmbito da Advocacia-Geral da União, na época em que era comandada por Gilmar Mendes, hoje na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Participaram também de sua elaboração, o então ministro do STJ Menezes Direito (que morreu recentemente quando era ministro do STF) e os advogados Arnoldo Wald, Caio Tácito, Luis Roberto Barroso e a professora Ada Pelegrini.

Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a nova lei permite a efetivação dos direitos fundamentais protegidos pelo Mandado de Segurança, além de consolidar a jurisprudência dos tribunais nessa matéria. Ele disse à revista Consultor Jurídico que o projeto que originou a lei faz parte do II Pacto Republicano, assinado este ano pelos Três Poderes com o objetivo de tornar o sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo.

Conheça as principais novidades da lei:
 

  • Não cabimento de MS contra atos de gestão comercial praticados no âmbito das empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos (art. 1º, parágrafo 2º)
  • Possibilidade de impetração via fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada (art. 4º)
  • Cabimento de MS contra decisão judicial sujeita a recurso que não tenha efeito suspensivo (artigo 5º, inciso II)
  • Possibilidade de emenda da inicial,  para fins de indicação correta da autoridade coatora, caso seja suscitada a ilegitimidade passiva nas informações (artigo 6º, parágrafo 4º)
  • Possibilidade da pessoa jurídica interessada intervir no feito (artigo 7º, inciso II)
  • O juiz poderá exigir do impetrante, para fins de concessão de liminar, prestação de caução, fiança ou depósito (artigo 7º, inciso III)
  • Previsão expressa do cabimento de agravo de instrumento contra a decisão concessiva ou denegatória de liminar (artigo 7º, parágrafo 1º)
  • Proibição expressa do ingresso de litisconsorte ativo após despachada a inicial (artigo 10º, parágrafo 2º)
  • O MP deverá oferecer parecer no prazo improrrogável de 10 dias, sob pena do processo seguir para julgamento (artigo 12, parágrafo único)
  • Possibilidade da autoridade coatora recorrer da decisão concessiva da segurança (artigo 14, parágrafo 2º)
  • Previsão expressa de cabimento de agravo inominado contra a decisão do relator que conceder ou indeferir liminar nos mandados de segurança da competência originária de tribunal (16, parágrafo único)
  • Regulamentação do mandado de segurança coletivo (artigos 21 e 22)

 Em nota, a professora Ada Pellegrini Grinover esclarece que participou apenas de algumas reuniões da primeira comissão, presidida por Caio Tácito, e composta por Arnoldo Wald, Menezes Direito, Luís Roberto Barroso, Odete Medauar e Herman Benjamin. Ela explica que a reunião aconteceu há cerca de 10 anos

“Logo percebi que não seria possível harmonizar minhas idéias com as de Arnoldo Wald e Menezes Direito, sobre uma nova lei de Mandado de Segurança em geral, e particularmente no que dizia respeito ao mandado de segurança coletivo.

Leia a nota
Afastei-me por completo da comissão e não acompanhei o desenvolvimento de seus trabalhos. De qualquer modo, a lei em questão tem como origem projeto do Executivo, oriundo de portaria conjunta da Advocacia Geral da União, à época comandada por Gilmar Mendes. Quero deixar bem claro que não tenho qualquer responsabilidade na elaboração da lei que, no Mandado de segurança em geral, repete dispositivos da lei revogada, sem levar em conta a interpretação da doutrina e da jurisprudência que se formaram ao longo de 55 anos e que, quando inova, prejudica o cidadão (como, apenas para exemplificar na legitimação à apelação da autoridade coatora, que não é parte no processo).

Em relação ao mandado de segurança coletivo, a nova lei distancia-se da doutrina e da lei no que tange ao minissistema brasileiro de processos coletivos (CDC e LACP), excluindo o mandado de segurança coletivo para a tutela de interesses ou direitos difusos, restringindo a legitimação até em relação à Constituição e disciplinando a coisa julgada de modo a limitá-la e a desconsiderar seu regime na tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos.

O único ponto positivo da nova lei está na tipificação do crime de desobediência à ordem judiciária, mas é muito pouco para sustentar a legitimidade de um diploma legal que, numa questão tão importante para a defesa de um direito fundamental, não foi apresentada para discussão à sociedade e representa um verdadeiro retrocesso.

Ada Pellegrini Grinover

Notícia alterada, para acréscimo de informações, às 16h04 do dia 27 de outubro de 2009.

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