Base reduzida

Clínicas podem ter benefício fiscal de hospitais

Autores

17 de outubro de 2009, 6h49

O Superior Tribunal de Justiça se manifestou recentemente sobre uma questão tributária que há tempos vem sendo debatida por prestadores de serviços médico-hospitalares, mais especificamente por laboratórios de análises clínicas e clínicas de assistência, prevenção e manutenção da saúde.

De modo bem geral, a discussão gira em torno de se definir qual o conceito de “serviços hospitalares” para fins de aplicação das alíquotas reduzidas de 8% e 12% para determinação, respectivamente, da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido na sistemática do Lucro Presumido.

Essa controvérsia teve início há mais de dez anos em virtude das disposições contidas no artigo 15, parágrafo 1º, inciso III, alínea “a” da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, as quais determinaram a aplicação desse benefício de presunção de lucratividade reduzida somente aos chamados “serviços hospitalares”. As receitas decorrentes dos demais serviços não enquadrados nesse conceito de “serviços hospitalares”, por sua vez, estariam submetidas ao percentual de 32% de presunção do lucro presumido para fins de IRPJ e CSLL. Ocorre que a Lei 9.249/95 não estabeleceu, em qualquer momento, qual seria essa definição de “serviços hospitalares”. Daí o entrave.

Na prática, para se ter noção da distorção que acaba ocorrendo entre a tributação incidente sobre receitas auferidas pelas clínicas médicas e hospitais ou unidades hospitalares, basta aplicar os percentuais de presunção de lucratividade previstos na legislação fiscal em vigor. Com isso, enquanto as pessoas jurídicas que prestam “serviços hospitalares”, e que gozam desse benefício de presunção de lucratividade reduzida, devem desembolsar R$ 3,08 de IRPJ e CSLL para cada R$ 100 auferidos num determinado trimestre, as demais pessoas jurídicas que não se enquadram nesse conceito de “serviços hospitalares”, ou seja, as prestadoras de serviços em geral, desembolsam o equivalente a R$ 10,88 para esses mesmos R$ 100.

Essa diferença, em termos de valores, acaba gerando uma perda de competitividade muito grande, principalmente para aquelas empresas que, muito embora não disponham de uma estrutura hospitalar organizada, desenvolvem efetivamente atividades voltadas, de alguma forma, à prevenção e manutenção da saúde, tais como, clínicas de radiologia, de exames laboratoriais, de fisioterapias, entre outras.

Essas empresas, em sua grande maioria, alegavam que a regra contida na Lei 9.249/95 deveria ser interpretada de forma ampla e irrestrita, de modo a que os tais “serviços hospitalares” deveriam abranger não só as atividades desenvolvidas por hospitais, ambulatórios ou prontos-socorros com estrutura própria e organizada, mas também por laboratórios de análises clínicas ou mesmo clínicas de saúde que prestam determinados serviços de forma isolada e sem uma estrutura hospitalar, propriamente dita.

Não é preciso dizer que a Receita Federal do Brasil sempre se posicionou de forma contrária a essas empresas do setor de saúde, procurando manter uma postura intransigente. Essa postura tem sido refletida, ao longo dos anos, por meio da edição de atos e normativas que definem como prestadoras de “serviços hospitalares” somente aquelas empresas que cumprem uma série de requisitos previamente estabelecidos. Foi assim quando da publicação das Instruções Normativas 306/03, 480/04, 539/05 e, por último, da Instrução Normativa 791, de 10 de dezembro de 2007, que transcrevemos a seguir:

“Art. 27. Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, são considerados serviços hospitalares aqueles prestados por estabelecimentos assistenciais de saúde que dispõem de estrutura material e de pessoal destinada a atender a internação de pacientes, garantir atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos.


Parágrafo único. São também considerados serviços hospitalares, para os fins desta Instrução Normativa, aqueles efetuados pelas pessoas jurídicas:

I – prestadoras de serviços pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo "D") ou em aeronave de suporte médico (Tipo "E"); e

II – prestadoras de serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos "A", "B", "C" e "F", que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.”

É importante ressaltar que, na esteira das regras previstas na Instrução Normativa 306/03, a RFB entendeu ainda por bem editar o Ato Declaratório Interpretativo SRF 18, de 23 de outubro de 2003, buscando restringir ainda mais o conceito e o alcance da expressão “serviços hospitalares”. A norma buscou considerar, para fins de aplicação do percentual mais benéfico de presunção de lucro, além da necessidade do enquadramento do serviço como “hospitalar”, a própria qualificação do prestador, conforme se depreende a seguir da leitura do artigo 2º, inciso I do ADI 18/03:

"Art. 2º Para fins do disposto no art. 1º, independentemente da forma de constituição da pessoa jurídica, não serão considerados serviços hospitalares, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, quando forem:

I – prestados exclusivamente pelos sócios da empresa; ou

II – referentes unicamente ao exercício de atividade intelectual, de natureza científica, dos profissionais envolvidos.

Parágrafo único. Os termos auxiliares e colaboradores de que trata o caput referem-se a profissionais sem a mesma habilitação técnica dos sócios da empresa e que a esses prestem serviços de apoio técnico ou administrativo." (g.n.)

Esse entendimento foi, por diversas vezes, confirmado através de respostas a processos de consulta formal, conforme se pode verificar a seguir:

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 279 de 06 de Outubro de 2004

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

EMENTA: Os laboratórios de análises clínicas, clínicas de fisioterapia, fonoaudiologia, anestesiologia e de odontologia, dentre outras, diretamente ligados à atenção e assistência à saúde, que possuam estrutura física condizente para a execução de pelo menos uma das atividades elencadas no art. 23 da IN SRF nº 306, de 2003 e atendam ao disposto no ADI SRF 18, de 2003, poderão aplicar, sobre a receita bruta decorrente de suas atividades operacionais, o percentual de 8% (oito por cento) para fins de determinação do lucro presumido, por se enquadrarem como atividades hospitalares. Para fins do disposto no parágrafo anterior, independentemente da forma de constituição da pessoa jurídica, não serão considerados serviços hospitalares, aqueles que forem prestados unicamente pelos sócios da empresa, ou quando referentes unicamente ao exercício de atividade intelectual, de natureza cientifica, dos profissionais envolvidos.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 349 de 20 de Dezembro de 2004

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

EMENTA: LUCRO PRESUMIDO. SERVIÇOS HOSPITALARES. BASE DE CÁLCULO. Para fins de determinação da base de cálculo do lucro presumido, as atividades de prestação de serviços médicos, independente da forma de constituição da pessoa jurídica, não serão consideradas serviços hospitalares quando forem prestadas exclusivamente pelos sócios da empresa ou referentes unicamente ao exercício de atividade intelectual, de natureza científica, dos profissionais envolvidos. Neste caso, a base de cálculo do lucro presumido deverá ser determinada mediante a aplicação do percentual de 32% sobre a receita bruta da referida atividade. Por outro lado, a pessoa jurídica que possuir estrutura física condizente para a execução de uma ou mais das atividades elencadas no art. 23 da IN SRF nº 306, de 2003, e atender ao disposto no ADI SRF nº 18, de 2003, poderá enquadrar-se como prestadora de serviços hospitalares, podendo aplicar o percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta da referida atividade para fins de determinação do lucro presumido.


SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 57 de 25 de Abril de 2005

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

EMENTA: LUCRO PRESUMIDO. PERCENTUAL. CLÍNICA DE CARDIOLOGIA. ENQUADRAMENTO COMO SERVIÇO HOSPITALAR. Para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ, apurado conforme o regime de tributação do lucro presumido, a ausência de requisito incluído no ADI SRF nº 18, de 2003, como a inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis e a prestação dos serviços exclusivamente pelos sócios da empresa, veda a utilização da alíquota reduzida. Além disso, a partir de 29.12.2004, é vedada a utilização da referida alíquota reduzida, porquanto a consulente, além de estar desenquadrada de atividade cuja classificação fiscal do CNAE seja a de atendimento hospitalar, não detém quadro funcional e estrutura física com pelo menos 5 (cinco) leitos para internação de pacientes, que garantam um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos e possuindo serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos.

Assim, nos parece claro que o entendimento adotado pela RFB acabou desvirtuando o próprio benefício previsto na Lei  9.249/95 para atribuí-lo, não em função das atividades desenvolvidas, mas sim em função, também, do próprio prestador do serviço, o que extrapola os limites definidos por lei.

Não é preciso dizer que atos infralegais editados com o único propósito de impor restrições ou limitações ao uso de benefícios fiscais previstos em lei, especialmente às empresas que desenvolvem atividades de assistência à saúde, além de injustificados, são ilegais e inconstitucionais, uma vez que extrapolam as competências regulamentares.

Mais do que isso, entendemos que a interpretação adotada pela RFB representa nítida afronta aos princípios da isonomia tributária e livre concorrência. Com efeito, não vislumbramos um critério razoável para que as autoridades fiscais, ao arrepio da lei, atribuam tratamento tributário diverso a contribuintes que se envolvam em situações equivalentes, de um lado os hospitais, ambulatórios ou prontos-socorros e, do outro, os laboratórios de análises clínicas ou mesmo clínicas de saúde, onerando a uns mais pesadamente do que a outros, mesmo que dedicados à mesma atividade econômica.

Pois bem. Após anos de discussões, o STJ agora acena com a possibilidade de balizar o entendimento a respeito do tema. A 2ª Turma, ao analisar o Recurso Especial 1.081.441 – PR[1] proposto por uma clínica que desenvolve serviços de oftalmologia, reconheceu que os “serviços hospitalares” compreendem aqueles vinculados às atividades desenvolvidas por hospitais, a despeito de serem prestados ou não no interior do estabelecimento hospitalar. Além disso, contrariamente ao entendimento anteriormente exarado pela RFB por meio do ADI 18/03, o STJ definiu que o benefício fiscal atribuído aos “serviços hospitalares” deve ser entendido de forma objetiva, em função dos serviços que são prestados e não do prestador do serviço ou em sua capacidade de promover internações de pacientes.

Enfim, conforme se infere do julgado do STJ, o referido benefício de presunção de lucratividade reduzida possui clara finalidade extrafiscal, qual seja, reduzir os custos tributários atrelados aos serviços de saúde de maneira geral, essenciais para a manutenção do direito à saúde, em estrita obediência à Constituição Federal.

Dessa forma, em nossa opinião, a decisão do STJ constitui um importantíssimo precedente aos contribuintes que continuam a buscar o direito de se valer dos percentuais de presunção de lucro de 8% e 12% para o cálculo do IRPJ e da CSLL, respectivamente, pelos laboratórios de auxílio de diagnóstico e demais empresas que prestem serviços relacionados à área da saúde, com relação aos exercícios anteriores à edição da Lei 11.727, de 23 de dezembro de 2007.

Isso porque, dentre outras disposições, tal normativo alterou o artigo 15 da Lei 9.249/95, de forma a estender a aplicação dos percentuais de 8% e 12% para determinação do IRPJ e da CSLL às receitas decorrentes da prestação de serviços de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia (radiologia), anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Anvisa.

Não nos parece, contudo, que a publicação da Lei 11.727/08 tenha sido suficiente para equacionar definitivamente as dúvidas e incertezas quanto aos percentuais de presunção do lucro presumido aplicáveis aos laboratórios e clínicas de saúde, uma vez que as alterações por ela introduzidas ao artigo 15 da Lei 9.249/95 não trouxeram qualquer definição ao conceito de serviços hospitalares, mas sim a inclusão de outras atividades ligadas à área da saúde que estariam também sujeitas aos percentuais de presunção de 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL.

Neste contexto, em nossa opinião, referido precedente do STJ também deve fundamentar e nortear eventuais futuras demandas que questionem o conceito de atividades hospitalares para fins tributários já sob a égide da Lei 11.727/08 que, conforme apontado, foi incapaz de defini-lo.


[1] Nesta mesma linha, posicionou-se a Primeira Turma do STJ, ao analisar o Recurso Especial 951.251–PR.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!