Discussão polêmica

Título de desembargador é exclusivo dos TJs

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16 de outubro de 2009, 6h45

Ante a atual polêmica sobre a titulação dos magistrados que compõem os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Regionais do Trabalho, convém trazer a lume a base legal e constitucional do tema e também recente[1] decisão do Conselho Nacional de Justiça.

De conformidade com o artigo 34 da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979[2], “Os membros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Superior do Trabalho têm o título de Ministro; os dos Tribunais de Justiça, o de Desembargador; sendo o de Juiz privativo dos outros Tribunais e da Magistratura de primeira instância”.

Considerando que essa lei é de 1979, isto é, anterior à vigente Constituição Federal, que sabidamente é de 1988, esse dispositivo fala em Tribunal Federal de Recursos, que não mais existe, justamente porque a atual Constituição da República o extinguiu, criando, em seu lugar, o Superior Tribunal de Justiça, e estruturando a Justiça Federal de segundo grau, com a criação igualmente dos Tribunais Regionais Federais[3].

Assim, os membros do Supremo Tribunal Federal e os membros dos Tribunais Superiores[4]/[5] têm o título de Ministro.

A Constituição Federal de 1988 manteve a titulação, referindo-se a Ministro quando se refere ao Supremo Tribunal Federal ou aos Tribunais Superiores[6], exceto quanto ao Tribunal Superior Eleitoral[7] em que há referência a membros e a Juízes, subsistindo, no entanto, a titulação do artigo 34 da Loman acima transcrito.

O Conselho Nacional de Justiça não aparece no artigo 34 da Loman ou em qualquer outro dispositivo dessa lei porquanto é criação nova, fruto da EC 45, de 8 de dezembro de 2004[8]. Seus membros[9] têm a titulação de Conselheiro[10].

Assenta-se, pois, como visto, que os membros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores têm o título de Ministro.

Em continuação, esse preceito[11] confere aos membros dos Tribunais de Justiça[12]/[13] o título de Desembargador, e finaliza: “sendo o de Juiz privativo dos integrantes dos outros Tribunais e da Magistratura de primeira instância”.

A Constituição Federal, tratando especificamente dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais do Trabalho, emprega essa titulagem prevista no artigo 34 em comentário, prescrevendo que, os primeiros, “compõem-se de, no mínimo, sete juízes” [14], e, os segundos, igualmente, “compõem-se de, no mínimo, sete juízes” [15].

Verdade que os artigos 125 e 126 da Constituição Federal, cuidando dos Tribunais e Juízes dos Estados, segundo a técnica constituinte empregada não traz a menção a Desembargador, preferindo-se a omissão a esse ponto; mas, conforme abordado, o artigo 34 da Loman a traz e, demais disso, em outro capítulo constitucional, precisamente no artigo 103-B, existe a menção, pautando-se o legislador constituinte pela fidelidade a essa terminologia e também pela fidelidade ao título de Juiz outorgado pela Loman e pela própria Constituição aos membros dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho.

O artigo 103-B, destarte, incorporado ao texto constitucional pela EC nº 45/04, deliberando sobre o Conselho Nacional de Justiça diz que a sua composição entre outros se dá por um “desembargador de Tribunal de Justiça”[16], por “um juiz de Tribunal Regional Federal”[17] e por “um juiz de Tribunal Regional do Trabalho”[18].

Quer, assim, pelo texto da Loman, quer pelo texto da Constituição Federal, os membros desses Tribunais têm o título de Juiz, não se cogitando, a nenhum pretexto, da utilização do título de Desembargador.

A nenhum pretexto porque outra titulação depende inexoravelmente da modificação da Loman, lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal[19], ou, evidentemente, da edição do Estatuto da Magistratura[20] com essa titulação, ou, ainda, de reforma do próprio texto constitucional, não subsistindo, com efeito, norma inferior ou ato normativo[21] em contrariedade a esses diplomas.

A propósito, aliás, há em curso na Câmara dos Deputados uma PEC, já aprovada pelo Senado Federal, visando justamente à alteração do texto constitucional, para uniformização da titulação, passando, então, se aprovada, os Juízes desses Tribunais igualmente a ter o título de Desembargador.

O Conselho Nacional de Justiça, por outro lado, proferiu recente[22] decisão sobre a matéria, com a seguinte ementa:

“DENOMINAÇÃO DE JUÍZES FEDERAIS E DO TRABALHO DE 2ª INSTÂNCIA COMO “DESEMBARGADORES” – ILEGALIDADE RECONHECIDA, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE – RECOMENDAÇÃO DE REMESSA DA MATÉRIA À COMISSÃO DE RELAÇÃO INSTITUCIONAL E COMUNICAÇÃO DO CNJ – GESTÕES PARA APROVAÇÃO RÁPIDA DA PEC SOBRE A MATÉRIA. Em que pese a Constituição Federal e a legislação ordinária não conferir aos juízes federais e do trabalho de 2ª instância a denominação de “desembargadores”, exclusiva dos magistrados estaduais de 2º grau, a generalização do uso do título, com vistas à uniformização vocabular de tratamento dos integrantes de tribunais de 2ª instância, somada ao fato de que tramita, na Câmara dos Deputados, PEC já aprovada pelo Senado Federal, versando sobre a questão, recomendam que o reconhecimento da ilegalidade, “in casu”, não se faça com a pronúncia da nulidade dos atos que promoveram administrativamente a mudança designativa, de modo a evitar gastos desnecessários com confecção de novas placas e impressão de papéis e documentos, dada a possibilidade de aprovação da PEC já referida, determinando-se o encaminhamento da matéria à Comissão de Relação Institucional e Comunicação deste Conselho, para que promova gestões junto à Câmara dos Deputados, visando a uma rápida aprovação da mencionada PEC. Procedimento de controle administrativo acolhido em parte.”[23]

Em suma, o título de Desembargador no atual modelo é exclusivo dos membros dos Tribunais de Justiça; os membros dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais do Trabalho têm o título de Juiz.


[1] 19 de agosto de 2009.

[2] Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

[3] Arts. 92, III e 106 a 110 da Constituição Federal.

[4] Superior Tribunal de Justiça (STJ); Superior Tribunal Militar (STM); Tribunal Superior Eleitoral (TSE); Tribunal Superior do Trabalho (TST).

[5] A Justiça Nacional está organizada, nesse passo, visando à otimização da prestação jurisdicional, em Justiça Comum, de um lado, e, de outro lado, três Justiças Especiais, a Militar, a Eleitoral e a do Trabalho.

[6] Arts. 101, 104, 111-A e 123.

[7] Artigo 119, referindo-se a membros e a Juízes.

[8] Arts. 92, I-A e 103-B da Constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004.

[9] Quinze.

[10] Nos termos do Regimento Interno (Anexo da Resolução nº 67, de 3 de março de 2009).

[11] Artigo 34 da Loman.

[12] A Justiça Comum é federal ou estadual. A federal é composta pelos Tribunais Regionais Federais, que formam o segundo grau, e pelos Juízes Federais, que constituem o primeiro grau (cf. arts. 92, III e 106 a 110 da CF); a estadual, por seu turno, é composta pelos Tribunais de Justiça e pelos Juízes de Direito, que constituem respectivamente o segundo grau e o primeiro grau (cf. arts. 92, VII, 125 e 126 da CF; Loman, arts. 95 a 107; Constituições Estaduais e Leis de Organização Judiciária dos Estados).

[13] Quanto ao Distrito Federal e a Territórios, remete-se aos arts. 92, VII da Constituição Federal, e 19 e 132 da Loman.

[14] Artigo 107.

[15] Artigo 115.

[16] Inciso IV.

[17] Inciso VI.

[18] Inciso VIII.

[19] Artigo 93, “caput”, da Constituição Federal.

[20] Idem.

[21] Lei ordinária, resolução, portaria etc. Aliás, tampouco lei complementar pode alterar essa denominação, salvo se de iniciativa do STF.

[22] Conforme visto em nota anterior: 19 de agosto de 2009.

[23] PCA 532. Processo Eletrônico nº 200930000000429. Rel. Cons. Ives Gandra.

Autores

  • é juiz titular da 5ª Vara Cível em Santos (SP), juiz corregedor permanente judicial e extrajudicial, juiz eleitoral em Santos, titular da 272ª Zona Eleitoral, integrante da 17ª “D” Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (Direito Privado)

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