Metas da Justiça

Só reforma processual poderá tirar Justiça do atraso

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16 de outubro de 2009, 13h06

A Justiça brasileira é morosa. Essa afirmação, de tão comum, está in­­corporada no ideário coletivo como algo normal, com conformada e irremediável naturalidade. Não deveria ser assim – pois que justiça que tarda não faz justiça. Felizmente, o próprio Judiciário vem tomando importantes iniciativas para corrigir o crônico problema, o que, em sentido prá­­tico, significa dar conta a curto prazo de pelo menos 2 milhões de processos atrasados que atravancam prateleiras e gavetas em todas as instâncias judiciais do país.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu metas rígidas para que os juízes levem a julgamento todos os processos com prazos excedidos. Ainda agora, juízes da primeira instância veem-se forçados a concluir até o fim do ano todos os processos distribuídos antes de dezembro de 2005 – objeto da Meta 2 do CNJ. No caso paranaense, eram mais de 80 mil os feitos pendentes nessas condições, muitos até já com décadas de paralisação.

Graças a essa iniciativa, a Justiça paranaense deu conta até a semana passada de quase 40% da meta de julgamentos. Foi o melhor desempenho dentre os estados da região Sul, superando o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No total, já foram julgados 58 mil processos, dos quais 12 mil apenas no mês de setembro pelos juízes de primeiro grau. A esperança é de que, até 31 de dezembro, a meta seja atingida totalmente.

Também em segundo grau tem sido notável o esforço: os 120 desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná acumulavam no mês de maio 4.500 processos com prazos excedidos em mais de cem dias. Por ordem do CNJ, visando exatamente acelerar os trabalhos, o Diário Oficial da Justiça passou a publicar a relação de todos os magistrados com o número de processos pendentes de responsabilidade de cada um. A lista oficial propiciou seu aproveitamento pela im­­prensa, que passou a divulgar uma espécie de “ranking” de desempenho dos desembargadores estaduais. O resultado é notável. Em cinco meses, o número de feitos em atraso se reduziu à metade.

Bastam as metas do CNJ e a pressão da opinião pública para resolver o crônico problema da morosidade? Evidente que não – porque o alcance da celeridade compatível depende de outros fatores que vão muito além daqueles que possam ser debitados exclusivamente ao empenho pessoal dos julgadores. Há, entre tais fatores, as notórias de­­ficientes do aparelho judicial, marcada por graves falhas estruturais e operacionais. Há evidente desproporção entre o número de juízes, a população e a quantidade de pro­­ces­­sos que a sociedade demanda. Há, so­­bre­­tudo, a extrema facilidade com que processos de natureza simples podem ser postergados indefinidamente, graças à legislação processual vigente no país.

E há, ainda, na conjunção dos dois fatores mencionados, uma arraigada cultura nos meios jurídicos de que o exercício amplo do direito de defesa significa usar dos instrumentos recursais que a legislação prevê. Mais do que o uso de tais instrumentos, o que se registra é o abuso, fazendo com que as varas, câmaras e tribunais, em todas as instâncias, fiquem excessivamente sobrecarregados.

Vencer, pois, o desafio imediato de colocar em dia o trabalho é evidentemente pesa­­do dian­­te das circunstâncias e contingências da própria Justiça. Mas mantê-lo permanentemente em dia, no futuro, requer muito mais do que o simples esforço pessoal dos magistra­­dos. É preciso bem mais do que isso. É necessário que se altere profundamente a legislação processual, de modo a torná-la mais simples e efetiva, menos permissiva quanto às procrastinações danosas e de má-fé de que muitos se servem para burlar a prestação ju­­risdicional. O processo acabou por transformar-se, muitas vezes, num jogo de astúcias.

Tramita no Congresso há anos um projeto de reforma do Código de Processo Civil, mas levará pelo menos outros dois anos, segundo informa seu relator, o deputado piauiense Paes Landin, para que a proposta seja concluída e finalmente votada. Espera-se da mesma forma que se cumpram também as promessas de expansão e modernização estrutural do Judiciário. Não basta garantir o acesso do cidadão à Justiça; é preciso dar-lhe também saída rápida. Só assim se fará melhor justiça.

[Editorial do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, nesta sexta-feira, 16/10/2009]

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