Erro de cálculo

Fundos de pensão não são instituições financeiras

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13 de outubro de 2009, 6h21

Muito se tem comentado sobre a “recente” posição do Supremo Tribunal Federal, nas tintas do seu ilustre ministro Cezar Peluso, quanto à conceituação da base para incidência das contribuições sociais do PIS e da Cofins. O recente posicionamento na realidade já havia sido manifestado quando dos julgamentos pelo Supremo dos recursos interpostos pelos contribuintes e que culminaram com o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.718 e na definição de que faturamento deve ser entendido apenas como a receita de venda de mercadoria, de serviços ou da combinação de ambos.

Na oportunidade, porém, o ministro Cezar Peluso já se manifestara no sentido de que modernamente não se pode restringir o conceito de faturamento aos rendimentos decorrentes de operações que resultem na emissão de faturas, posto que se trataria de um conceito mercantil demasiadamente ultrapassado e não seria capaz de apreender muitas operações com igual significado presuntivo de riqueza.

Os astutos e incansáveis representantes da Fazenda Nacional vêm há muito tentando reabrir o debate acerca da base de cálculo do PIS e da Cofins, o que se tinha até então por encerrado com o bater do martelo da Corte quando do julgamento do RE 346.084/PR. Assim é que o entendimento aqui comentado vem sendo cada vez mais defendido, na esteira de ideias de que o conceito de faturamento para incidência do PIS e da Cofins são todos os rendimentos decorrentes da atividade empresarial típica, o que acabaria retornando a algo muito próximo ao conceito de faturamento trazido originalmente pela própria Lei 9.718 tida por inconstitucional.

Aliás, ainda a esse respeito, é importante notar que o próprio ministro, quando do julgamento do leading case já apontado aqui, em seus esclarecimentos, deixa transparente que não pretende equiparar faturamento a qualquer entrada, mas sim incluir no seu conceito as remunerações de serviços que sejam entendidas como receitas financeiras.

Passando-se ao largo da discussão sobre o acerto ou não desse entendimento, uma vez revelados os interesses em jogo, parece importantíssimo delimitar-se o seu preciso alcance para que não se volte a cometer ilegalidades neste campo, a pretexto da famigerada necessidade arrecadatória.

De plano, nota-se no entendimento emanado pelo ministro a existência de conceitos que contêm importante carga semântica a ser considerada quando de sua interpretação e aplicação, qual seja: atividade empresarial típica. Pode surgir alguma confusão em razão da equiparação que a legislação tributária e a própria Lei 9.718 fazem entre as instituições financeiras e os fundos de pensão, porém tal equiparação não se presta para fins de classificação da natureza de suas atividades. É dizer, a previsão legal que visa facilitar a cobrança, arrecadação e fiscalização de tributos não é autorizada a alterar a natureza jurídica da atividade.

Firme nesse ponto, é de se perceber que os fundos de pensão não exercem atividade empresarial, muito diferentemente das entidades abertas de previdência e as seguradoras, estas sim instituições tipicamente financeiras que assumem inclusive a forma de sociedades anônimas. Os fundos de pensão possuem definição e são regidos por normas rígidas encontradas na Lei Complementar 109. É nesta legislação que se deve buscar fundamento para definição das atividades dessas entidades suis generis.

A Lei Complementar 109 estabelece com clareza que os fundos de pensão “organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos”. Ou seja, já aí fica evidente a inexistência de natureza empresarial dos fundos de pensão, que nas lições da doutrina mais abalizada é a atividade econômica organizada, com caráter de continuidade, para a produção ou circulação de bens ou serviços e tendo como elemento essencial, ou até mesmo razão de ser, a busca pelo lucro.

Aliás, ainda que não se levasse em conta a inexistência de atividade empresarial típica por parte dos fundos de pensão, a própria legislação já reconhece a não incidência do PIS e da Cofins sobre essas entidades. É o que se conclui da combinação do inciso III, parágrafo 6º do art. 3º da Lei 9.718, que determina a exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins os resultados de aplicações financeiras vertidos aos planos de previdência sob sua administração, com o parágrafo 1º do art. 69 da Lei Complementar 109, que veda a incidência de tributos e contribuições de qualquer natureza sobre as contribuições destinadas ao custeio dos mesmos planos; as duas únicas fontes de receita dos fundos de pensão.

Por essas conclusões fica o alerta aos aplicadores do Direito no sentido de que o conceito de atividade empresarial contido nas recentes manifestações do Supremo Tribunal Federal nas questões que envolvem o PIS, a Cofins e suas bases de cálculo, não pode ser alterado ao alvedrio do intérprete, menos ainda desconsiderado, sob pena de desrespeito, em última análise, às próprias bases do Estado Democrático de Direito.

Autores

  • é advogado associado da Junqueira de Carvalho, Murgel e Britto Advogados, especialista em Direito Tributário pelo IBET e em Direito Previdenciário pela UERJ

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