Hierarquia das leis

A ilegalidade das normas editadas pelo Conama

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11 de outubro de 2009, 6h37

O artigo 2º da Constituição Federal determina: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Apesar de independentes e harmônicos entre si, na seara ambiental, não é tão incomum observarmos um dos poderes usurpando a competência de outro.

O Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) é um órgão integrante do Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente), criado pela Lei 6.938/81, e que tem caráter consultivo e deliberativo.

De acordo com a lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), o Conama possui competência normativa, destinando-se exclusivamente ao estabelecimento de normas, critérios e padrões, visando à disciplina técnica de conceitos e parâmetros de emissão, ejeção e emanação de agentes poluidores.

Em outras palavras, o Conama possui atribuição de natureza técnica, sendo incompetente para editar atos limitadores de direitos individuais, e tampouco, criar novos direitos não previstos em lei.

Por ser órgão da administração pública, o Conama está subordinado às regras e princípios que regem os órgãos públicos. O artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revogou, a partir de 180 dias da promulgação da Constituição, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, principalmente no que tange à ação normativa.

Conforme bem leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1], no Direito brasileiro só existe o regulamento de execução, ressalvada a hipótese prevista no artigo 84, VI, da Constituição, com redação dada pela Emenda Constitucional 32. Esse ato administrativo é subordinado a uma lei prévia, não podendo inovar na ordem jurídica, pois de acordo com o princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, II da Constituição, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Entretanto, ao analisarmos todas as resoluções editadas pelo Conama, percebemos que referido órgão, não raras vezes, usurpa a competência do Poder Legislativo, editando normas que criam direitos, obrigações, proibições e medidas punitivas. O que ocorre é que ao pretender dar continuidade aos procedimentos de licenciamento e à execução da Política Nacional de Meio Ambiente, através de soluções técnicas às omissões e conflitos gerados pelas normas ambientais, esse órgão acaba invadindo a competência legislativa que não lhe é peculiar.

É o que ocorre, por exemplo, com a Resolução Conama 303/2002, que dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente.

Destacamos dentre os considerandos da norma o seguinte:

“Considerando a necessidade de regulamentar o art. 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, no que concerne às Áreas de Preservação Permanente;”

E o art. 1º: “Constitui objeto da presente Resolução o estabelecimento de parâmetros, definições e limites referentes às Áreas de Preservação Permanente.”

Ora, o Conama foi criado, conforme já explicado anteriormente, com poderes para editar padrões e normas técnicas de poluição, o que levaria a uma padronização do tema no território nacional. Entretanto, o que percebemos, inclusive dos trechos destacados acima, é a regulamentação de diploma legal por órgão incompetente.

Notamos que a norma passa a ocupar função de decreto, uma vez que o seu objetivo é explicar a lei, passando a ser utilizada como um anexo do diploma legal.

Em um país de dimensões extensas como o nosso, percebemos a completa falta de bom senso e de realidade ao nos depararmos com uma norma desse tipo, que tenta padronizar uma figura geológica, a qual pertence a um ecossistema definido, e dentro do qual possui funções ecológicas significativamente diferentes.

Aqui, a norma está impondo restrições ao direito de propriedade, direito esse garantido pela constituição. Qualquer restrição a esse direito só poderá ser feita através de lei, pois de acordo com preceito constitucional, legislar para conservação e proteção do solo é competência legislativa, e ao se permitir que uma resolução usurpe esse papel, estamos criando uma situação de insegurança jurídica.

Imaginemos a seguinte situação: um estado edita uma lei onde a definição de topo de morro não é tão restritiva quanto à da resolução do Conama, e que, entretanto, não fere o dispositivo legal federal. Qual dos dois instrumentos deve prevalecer: a resolução do Conama ou a lei estadual?

Obviamente, a lei estadual se sobrepõe à resolução do Conama, uma vez que essa última é ilegal, ao tentar ocupar espaço de lei e de decreto. Não podemos, de forma alguma, ignorar a hierarquia existente no sistema jurídico brasileiro. E, na verdade, é o que temos presenciado.

Tentar legitimar referidas normas através do princípio do in dubio pro ambiente é atentar diretamente contra o princípio da segurança jurídica e da legalidade. É alçar uma norma técnica à condição de lei ou de decreto.


[1] Maria Sylvia Zanella di Pietro. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 18 ed., 2005, p. 86 e ss.

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