Razões do arrocho

Sociedade deve questionar desfalque no Judiciário

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5 de outubro de 2009, 18h11

A quem interessa que os juízes não tenham seus subsídios recompostos pelas perdas inflacionárias, quando praticamente todas as demais categorias do funcionalismo público e praticamente todos os seguimentos da iniciativa privada tiveram seus reajustes? É uma pergunta que a sociedade deveria fazer a si mesma. E responder com toda a honestidade.

A remuneração mensal da magistratura é a mesma desde janeiro de 2006. Com o passar dos anos, contudo, e diante da absoluta ausência de atualização, os valores fixados anos atrás ficaram obviamente corroídos. Para se ter uma ideia da defasagem, basta examinar a evolução dos índices que medem a inflação. Se fosse considerada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor, os subsídios deveriam ter sofrido as seguintes revisões: a) 3,1418% (acumulado de 2006) em janeiro de 2007; b) 4,4572% (acumulado de 2007) em janeiro de 2008; c) 5,9023% (acumulado de 2008) em janeiro de 2009.

Se fosse considerada a variação do Índice Geral de Preços do Mercado, os percentuais seriam: a) 3,8476% (acumulado de 2006) em janeiro de 2007; b) 7,7463% (acumulado de 2007) em janeiro de 2008; c) 9,8054% (acumulado de 2008) em janeiro de 2009. Levando-se em conta a variação do salário mínimo, os reajustes deveriam ter sido: a) 8,5% em 2007; b) 9% em 2008; c) 12% em 2009. Em suma, se fossem feitas as revisões anuais, como determina a Constituição da República, os subsídios dos juízes deveriam sofrer uma correção de 15% a 32%, a depender do índice utilizado.

Todos sabem que qualquer controvérsia pode ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, independentemente da sua expressão econômica. A maioria concorda que o exercício da função jurisdicional exige uma atuação responsável, dedicada, serena e independente. Muitos talvez saibam que os magistrados trabalham muito, mas muito mais do que as oito horas diárias e as quarenta e quatro horas semanais previstas no inciso XIII do artigo 7º da Constituição da República, inclusive aos domingos e feriados. Alguns talvez admitam que o descanso é mínimo e que os juízes normalmente não têm tempo para se dedicar à família, muito menos ao lazer. O que poucos reconhecem é que tudo isso justificaria uma remuneração digna.

Os juízes, como todos, têm contas a pagar, mas, como poucos, não podem desempenhar outras atividades para complementar sua renda, exceto uma de magistério, em regra mal remunerada, e, mesmo assim, somente se lhes sobrar tempo. Não obstante, os meios de comunicação e o próprio governo costumam mostrá-los como marajás, com pouco trabalho e excessiva remuneração, transformando-os em vilões que teriam privilégios obscenos e cuja recomposição salarial configuraria sério entrave ao crescimento da economia nacional.

A quem interessa divulgar uma imagem tão distorcida da magistratura? Não seria, talvez, aos que detêm considerável poder econômico e/ou político e que não gostariam que seus desvios fossem apreciados pelo Poder Judiciário? É uma indagação que a sociedade deveria fazer. E responder com serenidade.

Todo operador do Direito sabe (ou deveria saber) que as garantias da magistratura não constituem privilégios espúrios conferidos aos juízes, sem qualquer justificativa plausível, em detrimento de toda a sociedade. Todo operador do Direito sabe (ou deveria saber), ao contrário, que é a própria sociedade a maior destinatária dessas garantias, instituídas como instrumentos de independência dos juízes para a segurança dos jurisdicionados, a quem servem. O que quase ninguém reconhece é que a defasagem da remuneração da magistratura tem efeito muito mais abrangente do que o mero desfalque no orçamento individual de cada juiz.

A manipulação negativa e distorcida desse tema pode levar à deterioração da estrutura do Judiciário e das próprias relações entre os Poderes da República, afastando os profissionais mais preparados ao deixar sua remuneração totalmente à mercê do Executivo, do Legislativo e, no fundo, dos setores que detêm o poder econômico. Isso é bom para os jurisdicionados? É bom para o país? São perguntas que a sociedade tem que fazer com urgência. E responder com isenção.

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