Novo ministro

É legítimo expressar posições de seus eleitores

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4 de outubro de 2009, 11h30

O mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, recebeu a equipe da Folha de S.Paulo em sua casa em Brasília para falar de seus planos quando chegar até a suprema corte. A posse do ministro está marcada para o próximo dia 23 de outubro. Durante a entrevista, o ex-advogado-geral da União não diz se vai se considerar impedido de julgar casos do mensalão e a extradição do italiano Cesare Battisti, mas se mostrou contrário à tese do terceiro mandato para presidente da República.

Toffoli ainda afirma: o Brasil precisa acabar com a ideia de que defender interesses é crime. Ele diz considerar "legítimo" um congressista representar o setor que o elegeu e sustenta que "pensar diferente é hipocrisia". Contestado inicialmente por sua ligação com Lula e com o PT, Toffoli, que já foi filiado ao partido, diz que sua atuação no governo passa a "não existir mais".

Leia a entrevista

O plenário do Supremo é palco constante de disputas em torno de decisões do Executivo. O senhor fez parte dele antes de se tornar ministro do Supremo. Como enfrentar esse dilema?
José Antônio Dias Toffoli — A minha vida, no momento que tomar posse no Supremo Tribunal Federal, passa a ser outra. A atuação que tive no governo e todo o meu passado passam a não existir mais. O que existe é um juiz, que tem o dever de defender a Constituição e julgar as causas de acordo com ela. É evidente que nas causas em que me manifestei enquanto advogado-geral da União estarei impedido de atuar.

O senhor, por exemplo, vai votar ou pretende se considerar impedido de se manifestar sobre a concessão de refúgio a Cesare Battisti?
Toffoli — Esse caso eu analisarei quando estiver no Supremo. Ainda não tomei posse, seria até um desrespeito à corte antecipar um posicionamento futuro.

O senhor foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil na gestão do ministro José Dirceu, que é réu numa Ação Penal sob a acusação de ter chefiado o mensalão. Há suspeição sua para julgar o caso quando o ministro Joaquim Barbosa levá-lo ao Plenário?
Toffoli — Eu não vou falar sobre caso concreto.

O senhor vai entrar na vaga do ministro Menezes Direito, que era substituto no Tribunal Superior Eleitoral. O senhor pode substituí-lo nessa função? Haveria suspeição no seu caso por já ter atuado como advogado eleitoral?
Toffoli — Quem escolhe os ministros do Supremo que irão integrar o TSE é o Plenário do Supremo Tribunal Federal. Não tenho a mínima ideia se serei ou não escolhido. Caso venha a ser, e é da tradição do Supremo indicar aquele que não foi para essa função, é evidente que não há, no meu entender, nenhum tipo de impedimento de atuação no TSE. Pelo contrário, a minha especialização em Direito Eleitoral só será útil para julgar as causas. 

Por falar em independência, como deve ser o processo de construção de uma decisão de um ministro do STF? Baseado estritamente no que diz a lei ou é possível uma interpretação à luz das circunstâncias históricas e do momento?
T
offoli — É evidente que a realidade social e o momento histórico se manifestam na visão do juiz. Se nós formos pegar um exemplo de fora do Brasil, da Suprema Corte dos Estados Unidos, sob a mesma Constituição, se entendeu que era legítima a escravidão e, depois, que ela não era legítima. A realidade social, a realidade da cultura do momento em que se vive integra a formação da consciência de um julgador.

Na hora de interpretar a Constituição, esses fatores devem ser levados em conta?
Toffoli — Para usar um exemplo bíblico, Jesus Cristo disse: "O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado". O que Jesus quis dizer com isso? Que a lei existe para o homem, não é o homem que existe para a lei. A lei é o parâmetro, mas ela leva em conta, ao ser aplicada, o homem, o ser, a vida.

Até pouco tempo se costumava dizer que um ministro do Supremo se pronunciava apenas pelo voto. Hoje, alguns membros costumam fazer análises públicas de temas que tramitam na casa. Qual dos caminhos o senhor pretende seguir?
Toffoli — Eu não vou comentar comportamentos de outros ministros. O que eu posso dizer é que não estarei comentando casos concretos que possam vir a ser julgados. É evidente que, após uma decisão tomada pela suprema corte, a sociedade debata. É um dever da sociedade debater. 

Mas tem outro tipo de debate, não com relação a casos específicos, mas sim ao papel político do Supremo. O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, se manifestou algumas vezes contra os excessos da Polícia Federal, do Ministério Público, contra o que acha uma interferência de um Poder no outro.
Toffoli — O Supremo Tribunal Federal é um colegiado, composto por pessoas com perfis diferenciados. O meu perfil, que eu adotarei, será um de falar nos autos sobre casos concretos.

O senhor disse que a Constituição atual não prevê o terceiro mandato. Se esse princípio for incluído na Constituição, ele ajuda ou atrapalha o processo democrático?
Toffoli — No meu entendimento, o terceiro mandato consecutivo é, no princípio republicano, algo bastante questionável. Não quero adiantar posição, mas a ideia de um terceiro mandato pode levar à perpetuação no poder. É algo questionável, discutível do ponto de vista jurídico.

O senhor é a favor de mudanças no nosso sistema eleitoral, com adoção do voto distrital misto ou em lista? Aberta ou fechada?
Toffoli — Dos vários sistemas eleitorais que eu já estudei, para a formação da Câmara dos Deputados, entendo que o melhor sistema é o alemão, chamado de sistema proporcional misto.
 

O senhor é a favor da manutenção do voto obrigatório?
Toffoli — Entendo que o voto obrigatório é legal. Legítimo. Eu penso que a política é uma área extremamente nobre, onde se dá os debates da construção da nação, onde se tem de fazer a grande discussão do país. Então, nesse sentido de valorização da política e da cidadania como foro onde tem de se dar as grandes decisões, eu sou a favor do voto obrigatório.

Analistas defendem que o atual sistema de financiamento de campanha transforma o congressista num lobista do setor privado. Concorda?
Toffoli — Nós temos de acabar com essa história. Respondendo da forma como você perguntou, parlamentar nenhum é lobista: é representante do povo. Ao representar o povo defende interesses. Temos de acabar com essa situação de se achar no Brasil que defender interesses é crime. Temos de acabar com a ideia de criminalização da política. Se alguém é eleito com base numa região do país, com base no apoio de um segmento social…

Seja ele empresarial ou sindical…
Toffoli — Sem dúvida, é legítimo que, se alguém foi eleito pelo setor da indústria, defenda os interesses da indústria. Se foi eleito pelo setor sindical, trabalhista, de trabalhadores, que defenda uma legislação protetora dos trabalhadores. Ele foi eleito para isso. Pensar diferente é hipocrisia. Temos de acabar com essa hipocrisia de que defender interesses é a ausência de legitimidade. Pelo contrário, é o que legitima a ordem democrática. É por isso que o Parlamento é o local de discussão mais nobre da política, porque ali está representada a sociedade.

E o financiamento de campanha?
Toffoli — O problema do financiamento de campanha entra na questão de dar paridade de armas a todos aqueles que querem ser representantes da sociedade, para que alguns, pelo fato de ter mais condições econômicas, não passem a ter uma maioria em relação aos que não têm acesso a financiamento de campanha. É para isso que existe a Justiça Eleitoral, que tem agido no sentido de trazer essa paridade de armas. E cada vez mais vejo que está havendo um rigor maior nesse acompanhamento de financiamento.

E a questão da sua indicação de um advogado para o ex-ministro Silas Rondeau?
Toffoli — Não vou comentar esse episódio. Já respondi.

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