Os valores do Supremo

Acesso livre a informações ainda é algo abstrato

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3 de outubro de 2009, 11h28

Por 42 dias, o Supremo Tribunal Federal assistiu, impassível, à Câmara dos Deputados desrespeitar uma decisão tomada por um de seus ministros. Marco Aurélio Mello havia concedido à Folha uma liminar (decisão provisória) franqueando o acesso a notas fiscais entregues por deputados para justificar gastos com verbas indenizatórias no final de 2008.

Os detalhes dessas despesas são secretos desde a sua criação, há quase uma década. Enredado em uma de suas crises cíclicas de credibilidade, o Congresso passou a mostrar as notas apenas a partir de abril deste ano. O passado ficou enterrado -junto com todas as possíveis irregularidades.

Na última quarta-feira, o STF derrubou a liminar de Marco Aurélio pelo placar de 6 a 4. A maioria considerou imprópria uma decisão provisória irreversível. Uma vez divulgadas as notas fiscais, seria inútil julgar o mérito da causa.

Foi um bom argumento a favor de um péssimo conceito. Até porque o mérito em questão é decidir se vigora no Brasil o acesso livre a informações públicas, como está expresso na Constituição. Aos olhos do STF, esse direito ainda é algo abstrato. Pior. A maioria dos magistrados não se incomodou com a humilhação de 42 dias imposta pela Câmara ao Supremo.

Coube à ministra Ellen Gracie sintetizar na quarta-feira como o acesso a informações públicas é um valor relativo naquela Corte: "É grande o número de parlamentares, deve ser grande o número de notas [fiscais]. Indago se existe razoabilidade em um pedido que não aponta qual é a investigação".

Pela curiosa lógica da ministra, que prevaleceu no STF, jornalismo no Brasil agora deve seguir duas regras. Primeiro, evitar requerer dados públicos muito numerosos. Segundo, quando pedir informação a um Poder de República, sempre explicar detalhadamente qual é a investigação em curso.

 Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo.

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